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Fuga em Mossoró: cidade expulsou Lampião há quase um século

Em 1927, população resistiu à invasão dos precursores do crime organizado, no primeiro levante popular contra Virgulino

19 fev 2024 - 09h05
(atualizado às 11h03)
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Cerca de 150 homens de Mossoró surpreenderam 60 cangaceiros do bando de Lampião e os colocaram para correr
Cerca de 150 homens de Mossoró surpreenderam 60 cangaceiros do bando de Lampião e os colocaram para correr
Foto: Wikimedia Commons

Com a fuga de dois detentos da Penitenciária Federal de Mossoró, ela volta a ocupar o noticiário policial com um fato histórico da criminalidade. Na primeira vez, em 1927, Lampião e seus cangaceiros tentam tomar a cidade, mas a população, armada pelo prefeito, impede o ataque, derrotando os precursores do crime organizado.

A polícia que caça os dois fugitivos ligados ao Comando Vermelho acredita que eles estão nos arredores de Mossoró, onde também montaram campana os cabras de Lampião. Preparavam o saque à maior cidade do interior potiguar, com 20 mil moradores. Tinha até agência do Banco do Brasil.

“A comparação é atualíssima”, resume o professor, jornalista e escritor sergipano Robério Santos, especialista em velho e novo cangaço. “A fuga dos dois detentos e as buscas que se fazem neste exato momento lembram as perseguições a cangaceiros nos sertões, nas décadas de 20 e 30. Os dois fugitivos fizeram uma família refém durante a fuga, assim como Lampião fez no Rio Grande do Norte”.

Histórias se repetem

Se o crime organizado realizou uma façanha escapando de Mossoró, cangaceiros realizaram fugas inimagináveis, como em 1944, em Salvador, quando Volta Seca, que fora do bando de Lampião, escapou com um comparsa.

A dupla foi recapturada em Sergipe, meses depois, assim como devem ser, em breve, Tatu e seu truta Deisinho. Além dos vulgos que fazem jus a antológica genealogia, a crueldade os aproxima, especialmente o gosto pela decapitação.

“Os fugitivos de Mossoró, ligados ao Comando Vermelho, estiveram envolvidos com uma rebelião num presídio ano passado, no Acre, que gerou três decapitações. Isso sim, cangaço puro, na sua pior essência”, diz Santos.

Cangaceiro Volta Seca conversa de pertinho com irmã Dulce no presídio em Salvador, do qual fugiria
Cangaceiro Volta Seca conversa de pertinho com irmã Dulce no presídio em Salvador, do qual fugiria
Foto: Livro Além da Fé, de Valber Carvalho

Sequestro de gerente é anterior ao “novo cangaço”

Muito antes da mais recente retomada do termo midiático “novo cangaço”, vagabundo assaltava banco sequestrando o gerente. Ao invés de entrar na cidade com terror ilimitado, disparando armas e bombas, fazendo até inocentes de escudo humano, prender alguém com acesso ao cofre facilitava as coisas.

Lampião agiu assim, sequestrando o sogro do gerente do banco do Brasil de Mossoró. O resgate, de 400 contos de réis, equivale a uns 7 milhões de reais. Se não fosse pago, a cidade seria invadida. 

E foi, mas o prefeito Rodolpho Fernandes havia evacuado Mossoró, mulheres e crianças retiradas de trem, permanecendo a resistência armada dos homens dispostos a lutar. Em poucas horas, impõem a primeira derrota por levante popular a Lampião, que demorou para se recuperar do baque.

Lampião posto pra correr

Antes do combate, Virgulino Ferreira envia cartas ameaçadoras ao prefeito. Sem resposta à primeira, promete, na segunda, que, se não receber o resgate, haverá “muito estrago”. O original da curta resposta do prefeito a Lampião foi achado pelo pesquisador Robério Santos, por acaso, junto a um punhado de recortes de jornal comprados pela internet. Ele devolveu o documento à cidade de Mossoró, em 2020.

Nele, o prefeito, conciso, responde ao líder dos cangaceiros que não há dinheiro para pagar o resgate, o gerente do Banco do Brasil teria fugido e a cidade os receberá “na altura que eles desejarem”. Conclui garantindo que “nossa situação oferece absoluta confiança e inteira segurança”.

Está falando sério, Lampião também. O ataque acontece em 13 de junho de 1927. Cerca de 150 mossoroenses lutam contra uns 60 cangaceiros, que se dão mal. Derrotado, Lampião foge, perdendo dois importantes parças: Colchete, morto; e Jararaca, ferido e preso, depois assassinado.

Memorial da Resistência, em Mossoró, guarda a documentação histórica sobre a vitória contra o bando de Lampião, em 1927
Memorial da Resistência, em Mossoró, guarda a documentação histórica sobre a vitória contra o bando de Lampião, em 1927
Foto: Prefeitura de Mossoró

A memória e o esquecimento da guerra

Mossoró pode ostentar pelo menos três feitos históricos de repercussão nacional: aboliu a escravatura cinco anos antes da lei Áurea, derrotou o bando de Lampião e, cinco meses depois, instituiu o voto feminino.

A importância da luta vencida pelos mossoroenses contra os cangaceiros está representada no Memorial da Resistência, com documentos, fotos e enormes painéis. A encenação teatral Chuva de Balas no País de Mossoró, relembrando a vitória, é realizada há vinte anos na cidade.

No cemitério, o túmulo de Jararaca, um dos dois cangaceiros mortos na invasão, recebe milhares de pessoas que acendem velas, fazem pedidos e acreditam eu seu poder de milagreiro. A poucos metros de distância, o jazigo do prefeito Rodolpho Fernandes, que organizou a resistência ao bando de Lampião e morreu meses depois, é praticamente desconhecido.

Fonte: Marcos Zibordi Colunista do Visão do Corre
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