'Não sabia contra o que lutar': engenheiro brasileiro encara uma das doenças mais raras do mundo
Um dos raríssimos adultos do mundo com GAN, Gustavo Sbravati enfrenta a busca por tratamento experimental nos Estados Unidos
Gustavo Sbravati, um dos poucos adultos no mundo diagnosticados com GAN, doença neurodegenerativa rara, enfrenta desafios diários enquanto se prepara para um tratamento experimental nos EUA, contando com apoio familiar e uma vaquinha para cobrir os custos.
A história de Gustavo Sbravati, 47 anos, começa com um tropeço. A vida do engenheiro mecânico da Embraer era tranquila ao lado de sua esposa e de sua filha. Até que, em 2018, ele entrou em um consultório ortopédico imaginando uma lesão comum. Saiu iniciando um percurso que o levaria a cinco anos de dúvidas e, por fim, ao diagnóstico de uma doença neurodegenerativa tão rara que especialistas a conhecem apenas dos livros: a GAN, sigla para Giant Axonal Neuropathy.
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"Começou tudo em 2018, com dores nas pernas, dificuldade para andar e a suspeita de uma lesão ortopédica, que depois foi descartada a partir de um exame neurológico", contou ao Terra. "Depois, passou a ser tratado com um neurologista, com exame de eletromiografia. Com esse exame, o primeiro diagnóstico foi a Doença de Charcot-Marie-Tooth (CMT). E depois o Dr. Marcondes Cavalcante Júnior descartou".
GAN é uma condição genética que afeta os axônios -- estruturas responsáveis por transmitir sinais entre os neurônios. Segundo o NIH, o centro de pesquisas biomédicas dos Estados Unidos, a doença costuma se manifestar na infância e provocar perda progressiva das funções motoras, respiratórias e sensoriais. Em adultos, porém, quase não há registro: estima-se que existam apenas cerca de dez casos documentados no mundo. Gustavo é um deles.
O caminho até este diagnóstico foi um labirinto. "Tinha as incertezas. Para chegar em um diagnóstico fechado, foi difícil. Foram vários exames. Foram cinco anos atrás disso", diz. Ele viu primeiro cair por terra a hipótese de Charcot-Marie-Tooth. Depois, a de Ataxia de Friedreich, outra doença hereditária que compromete o equilíbrio e a coordenação. A confirmação da GAN viria apenas após exames genéticos completos -- e, mais tarde, uma biópsia exigida por pesquisadores dos Estados Unidos.
"Sem diagnóstico, não sabia contra o que lutar. Na guerra, você tem que saber quem é seu inimigo. Então, quando finalmente chegou o diagnóstico de GAN, apesar de ser uma doença neurodegenerativa grave, pelo menos tinha um diagnóstico".
A raridade extrema da condição surpreendeu até os médicos. "É uma doença pouquíssima conhecida. Até o médico disse: 'nossa, não vejo isso desde a faculdade'. Pesquisei no Ministério da Saúde e não tem ninguém no Brasil". Com o inimigo finalmente reconhecido, era hora de descobrir o plano de ação.
Quando Gustavo e a esposa finalmente voltaram para casa com o diagnóstico em mãos, o silêncio preenchia a sala. Sentaram-se diante do computador em busca de uma luz, e começaram a digitar "GAN" nos buscadores. As páginas abertas revelavam quase nada. Textos técnicos, artigos perdidos, relatos antigos de crianças e uma lista tão curta de casos no mundo que parecia impossível que ele fosse um deles.
Durante as pesquisas intermináveis em busca de um caminho, Gustavo encontrou uma possibilidade remota e experimental. Nos Estados Unidos, pesquisadores do NIH desenvolveram uma terapia gênica para crianças com casos severos. Os primeiros resultados indicaram melhora funcional. "Isso deu esperança para mim também", conta Gustavo.
A pesquisa foca em crianças uma vez que tendem a apresentar sintomas mais graves. Gustavo, durante sua jornada em busca do conhecimento, teve contato com Hannah's Hope Foundation, liderado por Lori Sames, cuja filha recebeu o diagnóstico de GAN. Com isso, a norte-americana passou a divulgar a doença e a impulsionar pesquisas para o tratamento. "Ela me mostrou a filha dela. Ela está em cadeira de rodas, não anda, não come, não fala. Está bem mais afetada."
"No meu caso, mais tardio, tenho sintomas, mas são sintomas como dificuldade para andar", explica. "Eu andava com muleta, mas o médico proibiu e hoje ando com andador". Quedas se tornaram parte da rotina. "Cai, machuquei o dedo, o joelho, fui parar no hospital". A fraqueza avança pelas pernas e pelos braços. "Já está afetando um pouco a coordenação fina dos braços, então abotoar é difícil, comer, esticar o braço. Está afetando para falar".
GAN também costuma provocar escoliose acentuada e, com ela, compressão pulmonar. "Isso compromete a respiração. A aglutinação, para engolir. Às vezes, engasgo bastante".
Apesar dos desafios, Gustavo segue trabalhando em regime híbrido na Embraer, algo que está prestes a mudar. "Ano que vem, tudo volta presencial. Estou tentando trabalhar o quanto possível". Ajustes na rotina se multiplicam: tarefas simples como abotoar uma camisa ou calçar sapatos exigem ajuda. O carro foi adaptado para que ele pudesse continuar dirigindo. "Como é uma doença degenerativa, a tendência é ir piorando os sintomas".
A fagulha de esperança reacendeu quando ele descobriu que o NIH mantinha o único estudo clínico ativo do mundo para GAN. "Saber desse estudo experimental foi uma esperança. Hoje, estou apostando todas as minhas fichas nesse tratamento, inclusive fazendo uma vaquinha". A jornada para ser aceito também foi longa. Inúmeros exames, videochamadas e e-mails foram necessários para ser aprovado.
"Ter sido aceito, para mim, foi muita alegria", diz, emocionado. A expectativa é que Gustavo viaje no primeiro semestre de 2026 - prazo que foi adiado devido à política local. Com os cortes promovidos pelo presidente Donald Trump às universidades e, consequentemente, aos principais centros de pesquisa, o programa que abrange o tratamento de Gustavo foi suspenso a partir de outubro. Recentemente, retomaram as pesquisas.
"Eles precisam preparar o medicamento. É uma injeção via medula para espalhar o gene correto pelo corpo". No tratamento, é necessário uma série de aplicações e uma nova rodada de exames completos para acompanhar os resultados.
Agora, o novo desafio é custear o tratamento. Os custos são altos: voo, estadia de até dois meses em Washington, alimentação, além de contribuições para a Hannah's Hope Foundation, que impulsionou as pesquisas iniciais. O valor estimado é de R$ 75 mil, o que levou Gustavo a começar a vaquinha.
A solidariedade, que ele não imaginava encontrar tão amplamente, o deu mais esperança. "O vocalista do Falamansa divulgou. Meus amigos todos divulgaram em suas redes sociais. Pessoas que estudaram comigo no colegial, mais de 30 anos atrás, criaram um grupo no WhatsApp com mais de 40 pessoas e estão organizando uma rifa". Até desconhecidos o procuram em busca de orientação. "Não precisam passar cinco anos até fechar o diagnóstico". Até o momento, já foi arrecadado R$ 47 mil.
No meio de tantas incertezas, Gustavo caminha, mesmo com dificuldade. "Tem dia que é complicado. Tem dia que tá pesado. Tem dia que acordo mal humorado". Ele soma tombos físicos e emocionais. Ainda assim, mantém a calma.
"O que me dá muita força é minha família, minha esposa e minha filha. Que estão aqui no dia a dia, segurando o peso. Me ajudando em tudo, me apoiando. Eu sei que é difícil para elas também, tanto quanto para mim", disse, entre lágrimas. Com isso, Gustavo segue à espera. De uma data, um tratamento e um futuro tomado por incertezas.