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"Rainha da Noite", Lilian Gonçalves conta receita de sucesso

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Priscila Tieppo
Direto de São Paulo

"Você vai ser uma grande mulher". A profecia de Juscelino Kubitschek se cumpriu. Lilian Gonçalves, hoje com 63 anos, ouviu estas palavras do então presidente do Brasil (1956-1961) quando tinha 4 anos de idade. "E me lembro disso e dele nitidamente, como ele se vestia, como ele me pegava, como se fosse hoje. Estas palavras me marcaram muito", disse a Rainha da Noite, entre uma ligação e outra, em seu escritório da Rede Biroska de casas noturnas, localizado no centro de São Paulo.

A empresária está sempre em movimento. Não para um minuto sequer. Enquanto fala ou espera para ser transferida em uma ligação, mexe no celular, no rádio, no iPad - "estou me rendendo às tecnologias, vou fuçando e aprendendo" - , nas folhas sobre a mesa, bebe um suco trazido por um de seus 400 funcionários, e mexe muito nos cabelos loiros artificiais escovados, com delicados cachos nas pontas. De tempo em tempo, verifica o Facebook e conta que passou a noite navegando na internet. "Eu entrei, se não me engano, no Youtube, e vi uns discos meus antigos para vender. Vou comprar tudo", diz Lilian para Kalinka, sua filha que trabalha com ela no escritório. "Não, mãe, Youtube é de vídeo, foi no Google, não? Me passa o telefone que eu ligo". Isso tudo enquanto concede esta entrevista.

Agitada? "Sempre fui. Esse negócio de trabalhar oito horas e gastar o que ganhou nas outras 16 horas do dia que sobram não é pra mim. Eu só durmo duas ou três horas e está ótimo! Acordo linda, meu bem". O dia de Lilian acaba e começa muito cedo. Às 20h, a empresária já está pronta para circular em suas casas noturnas, uma a uma, apresentando as novidades de todas elas e convidando os clientes para trazer os amigos: "vocês são a minha maior propaganda, heim?", afirma. Lilian diz nunca ter feito propagandas em veículos de comunicação e que o sucesso de seus negócios está atrelado ao famoso "boca a boca".

"Faço questão de cumprimentar meus clientes, de recebê-los. Não é legal quando você vai em um lugar e pode dizer: 'conheço o dono'? Então! Eles fazem questão de vir até mim e apresentar os amigos que trazem, é muito legal", contou. Ao todo, Lilian possui seis casas noturnas, todas da Rede Biroska. De Rainha da Noite, Lilian fica até às 7h da manhã e por volta das 10h já está acordada para cuidar dos empreendimentos durante o dia.

Em Brasília
"O sonho de todo o brasileiro era fazer a vida em Brasília. Lá estava a esperança do povo". Sendo assim, Lilian, então com 3 anos, e a família saíram do interior de Minas Gerais e partiram para a capital do País "sem lenço, nem documento, em um pau de arara", ressalta a empresária. Chegando lá, sua mãe, dona Maria, que era cozinheira, foi contratada por Juscelino Kubitschek para trabalhar na casa presidencial, após o também mineiro provar uns bolinhos que a mulher vendia na rua. "Ele queria comidinha caseira no Catetinho e se encantou com uma galinhada que ela fez para ele".

Um dia, Lilian, que era chamada pela mãe de Lili, foi à residência do presidente escondida e, quando o presidente avistou aquela menina magrinha e de cabelos longos, logo se encantou. "Ele me pegava no colo, eu almoçava e jantava com ele. Ele sempre pedia pra minha mãe me levar lá e falava: 'essa menina vai longe, ela é muito viva'".

Com 6, 7 anos, Lili deixa o Catetinho com a mãe e, com 14 anos, torna-se Miss Brasília, em 1969. Porém, perde o título e a coroa após a família denunciar sua pouca idade, já que as misses devem ter no mínimo 18 anos. Sai da cidade muito criticada pela mãe e irmãos, e segue sozinha para São Paulo.

Terra das oportunidades

"Desci na rodoviária e andei sem rumo, completamente perdida e morrendo de medo". Ela não tinha nenhum conhecido em São Paulo e foi andando pela avenida Rio Branco, com uma sacolinha de plástico com seus poucos pertences. De repente, ela avistou um bar em que garçonetes trabalhavam e se ofereceu para trabalhar ali. No mesmo dia em que chegou à cidade, ela conseguiu um emprego.

O primeiro empreendimento surgiu no mesmo ano. "Eu vi o anúncio de uma lanchonete à venda e fui lá me oferecer pra comprar, sem nenhum puto no bolso", ri. O acordo com o dono, que se admirou com a ousadia da menina, foi que se ela atrasasse alguma das 72 parcelas, ele tomava o bar dela. Ela pagou tudo em dia, encheu o bar de clientes e ficou com o bar. Logo depois, veio mais um empreendimento na Avenida Angélica e, finalmente, chega a vez da Rede Biroska nascer.

Aos 17 anos, Lilian começa seu patrimônio na Rua Canuto do Val, no bairro Santa Cecília. Constrói o Biroska e chama clientes de diferentes gostos para aquela rua escondida no centro.

Na cidade paulistana, Lilian torna-se cantora, atriz, apresentadora e empresária.

Mulher empreendedora

Nas décadas de 60 e 70, uma mulher que queria ser dona de um bar era vista com maus olhos. "Até para sentar em um bar a mulher já era depreciada. Mas aqui eu sempre dizia que as mulheres podiam vir sozinhas que seriam muito bem-vindas. Então, eu acho que tenho muito a ver com a emancipação feminina". Aos poucos, Lilian foi conquistando esse espaço e defendia cada cliente mulher que era destratada por algum homem em seus estabelecimentos.

Além de prezar pelo atendimento e cultivar o "boca a boca", Lilian investiu em um estilo brasileiro de administrar. Sem muitos estudos - ela estudou até a 3ª série do primário -, mas "muito despachadinha", como ela mesma se define, Lilian se prepara todas as noites para cultivar a clientela. Em uma roupa que sempre leva muito brilho, Lilian circula em suas casas esbanjando simpatia. "Feia eu não apareço de jeito nenhum. Não vou nem no tanque sem batom, estou sempre produzida", disse, já se desculpando em seguida por estar sem maquiagem.

Nos bares, orienta os funcionários, cumprimenta os clientes e afirma não ter tempo nem para comer quando está trabalhando. E ela faz isso 20 horas por dia, em média. "Há uns dois anos eu só como aqui na mesa do escritório. Quando estou nos bares, não consigo comer na frente do cliente, acho um desrespeito. Lá é meu local de trabalho e eu tenho que respeitá-lo como tal", contou, assim que um dos seus funcionários entra com um prato de saladas e frango. "Ela só come se a gente traz, viu?", explicou o rapaz.

Como explica seu sucesso? "Nada cai do céu, é preciso muito trabalho, muita gana, muita criatividade e persistência para conseguir o que se quer. O mesmo vale para a mulher que quer conciliar a vida familiar e o trabalho, ela precisa querer pra isso acontecer", afirmou.

Sobre o coração, a empresária é rápida na resposta: "estou solteira, mas não sozinha. Estou conhecendo uma pessoa. Quando você está com um homem, não pode ser a mesma mulher que manda e desmanda no trabalho, tem que ser calminha. Quando eu estou com ele, eu fico pianinho, porque mandar assusta os homens. Se você quiser mandar no cara, ele vai se sentir inferior e não adianta", ensinou.

Filha de um cantor

Lilian descobriu que era filha do cantor Nelson Gonçalves quando tinha 10 anos, mas não deu importância. Não sabia da fama do pai e nem o que era ter um pai. Aos 17 anos, a mãe insistiu no assunto e ela, já determinada a não procurá-lo, disse que queria construir sua vida "sem a ajuda de ninguém e nem de homem".

Nesta época, Lilian já usava o sobrenome Gonçalves porque este também era o sobrenome da mãe, Maria Gonçalves. Uma coincidência.

A primeira vez que eles se falaram, Nelson não sabia que ela era a filha dele e chegou a paquerá-la. "O velhinho era danado, viu? E tinha muito o meu jeito", disse. "Ele era muito solto no mundo, nenhum filho teve a presença dele como pai. Quando tentei me aproximar, a família dele o impediu, com medo de dividir os bens".

Em 1997, porém, Lilian escreveu um livro chamado A Vida Brilhando em Néon em que contou ser a filha dele para o Brasil. O cantor, considerado o dono de uma das vozes mais lindas do País, morreu em 1998.

Coisas de mulher

Vaidosa, do tipo que está sempre se olhando no espelho e se produzindo, Lilian tem, como toda mulher, uma lista de pequenos luxos dos quais não abre mão. "Adoro comprar maquiagem, roupas, joias e sapatos. E compro tudo fora do País, porque aqui não tenho tempo. Vou com as malas vazias e volto com elas bem cheias", conta. Neste momento, a filha Kalinka concorda e faz cara de reprovação, para rir em seguida: "é assim mesmo".

Dona de uma coleção de sapatos, que conta com mais de 200 pares, Lilian também é apaixonada por joias. "Compro muitas". Acha que é um investimento? "Não, pra mim é um prazer, um presente que me dou", disse.

Quando o quesito é maquiagem, a Rainha da Noite prefere produtos com bastante fixação e qualidade. "Compro muito Chanel, adoro". Além disso, ela faz tratamentos estéticos no rosto, mas não se exercita e assume ser desregrada para comer. Não ingere bebidas alcoólicas e não fuma.

Terceira idade? "Nem tive tempo para pensar que estou nesta fase. Eu até esqueço minha idade, parece que ainda tenho 20 anos".

Lilian Gonçalves fez o Bar do Nelson em homenagem ao pai
Lilian Gonçalves fez o Bar do Nelson em homenagem ao pai
Foto: Divulgação
Fonte: Terra
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