Halima Aden, a supermodelo de hijab: 'Ninguém deve te dizer o que vestir ou não vestir'
Religião de Halima Aden, ex-refugiada somali, a impede de mostrar qualquer parte do corpo em público, exceto mãos, pés e rosto; ela é uma das primeiras supermodelos a sempre usar lenço cobrindo os cabelos e o pescoço.
Halima Aden é uma das primeiras supermodelos a sempre posar para fotos e desfilar usando o hijab, véu que cobre cabeça e pescoço.
De nacionalidade somali e americana, ela cresceu num campo de refugiados no Quênia, na África. Em entrevista à BBC, Halima conta como equilibra a carreira de modelo com a fé muçulmana.
"Mulher nenhuma deveria ser forçada a usar um hijab e mulher nenhuma deve ser forçada a tirá-lo", diz.
A jovem de 22 anos ganhou fama mundial após ser a primeira modelo a aparecer com o véu em revistas como Vogue e Sports Illustrated, além de desfilar toda coberta para marcas como Max Mara e Yeezay.
Celebrando o poder de escolher
"Eu celebro minha opção por usar o hijab. Eu nunca disse a ninguém para seguir as minhas visões ou se vestir como eu", afirma Halima, hoje uma modelo extremamente bem-sucedida e bem paga.
Eu conheci Halima pela primeira vez nos bastidores de um desfile em Istambul, na Turquia. Ela estava completamente coberta, usando uma roupa longa e folgada, blusa de gola rolê e o hijab preto. Halima tem 1,65 cm, o que está longe de ser a altura típica de uma modelo.
Acompanhada de uma assessora e um segurança, ela puxa conversa facilmente com quem passa e tira animadamente selfies com membros da equipe técnica.
"Não mude sua personalidade, mude a sua estratégia", aconselha Halima. O objetivo dela na carreira é criar para mulheres muçulmanas uma plataforma para terem suas vozes ouvidas pelo mundo.
Concurso de beleza
Halima foi a primeira candidata ao concurso de beleza Miss Minnesota, nos Estados Unidos, a usar um hijab.
Ela não venceu a disputa, mas durante a competição descobriu o burquíni — roupa de banho que cobre o corpo todo. Isso permitiu que ela participasse da fase do concurso que envolvia desfile de maiô e biquíni.
"Eu queria voltar para casa e contar para as outras meninas sobre o burquíni. Avisar que elas poderiam nadar em público e praticar esportes."
Logo, Halima assinou um contrato com uma das maiores agências de modelo do mundo, a IMG Models.
A fé muçulmana dela impede que mostre qualquer parte do corpo, exceto rosto, mãos e pés. E isso está claramente escrito no contrato que firmou com a agência.
"Eu queria facilitar para os estilistas, porque eles não estão acostumados a trabalhar com modelos como eu", explica Halima. "Por isso, eu costumava levar uma mala cheia de hijabs e leggings para todos os meus compromissos como modelo."
Camarim privativo
Enquanto caminho pelos bastidores do desfile, vejo paredes altas e pretas num canto — é um pequeno vestiário construído especificamente para Halima.
"Para mim, como modelo muçulmana que usa hijab, sinto que é importante manter isso até nos bastidores", diz ela.
"Estilistas e as pessoas que trabalham com a gente fazem um trabalho incrível me fornecendo um local privativo para eu trocar de roupa. Se o estilista não estiver de acordo com isso, eu estou disposta a ir embora."
Liberdade de escolha
Halima advoga pela liberdade de escolha quando se trata de como as mulheres se vestem.
"Eu acredito que uma mulher pode usar duas peças de biquíni, se é isso que a faz feliz e confiante. E eu devo poder usar o meu hijab, porque ele me faz sentir feliz e confiante."
Será que Halima algum dia vai tirar o hijab para provar que isso é possível a mulheres que não têm essa escolha?
"Isso meio que mata o propósito", argumenta. "Se queremos permitir que as mulheres tenham o direito de escolher por si, não seria certo me pedir para fazer algo assim."
Cobrança por modéstia
Halima é também embaixadora do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e viaja a diferentes partes do mundo para participar de ações da ONU.
Ela tem milhões de seguidores das redes sociais, onde posta fotos dessas viagens, assim como de ensaios fotográficos, desfiles e festas. Muitos dos seguidores dela são jovens muçulmanas para quem Halima é um modelo a ser seguido.
Cada foto postada atrai milhares de curtidas e comentários.
Embora grande parte dos comentários sejam positivos, algumas mulheres muçulmanas criticam Halima por não ser discreta e "modesta" o suficiente.
"A modéstia é uma escolha pessoal", argumenta Halima. "Ninguém tem o direito de definir por mim o que é ser modesto. Eu acho que é OK para uma jovem seguir os seus sonhos, as suas paixões e ser quem ela é."
Confiança
Halima viveu na pobreza quando criança e essa experiência moldou a forma como pensa hoje.
Ela nasceu num campo de refugiados no Quênia, para onde sua família fugiu por causa da guerra civil na Somália. A modelo foi criada pela mãe, que não apoiou a decisão da filha de se tornar modelo.
Muçulmana conservadora, a mãe de Halima diz que a escolha profissional da filha não condiz com a fé delas. Mesmo assim, não impôs maiores obstáculos às ambições da filha.
"Minha mãe sabe que pode confiar em mim. Então, no fundo, eu não acho que haja um conflito. Ela me criou da maneira correta, eu tenho valores", diz Halima.
'Por que somos tão pobres?'
Halima não se esquece do que a mãe teve que enfrentar para manter a família a salvo. Quando tinha seis anos, elas tiveram a oportunidade de se mudar para os Estados Unidos, eventualmente se fixando em St Cloud, Minnesota, que abriga uma grande comunidade somali.
"Eu me lembro de um dia querer ir a uma viagem da escola. Custava US$ 10. Minha mãe disse que não tínhamos o dinheiro. E eu respondi: 'Eu não gosto disso. Por que somos tão pobres?'", conta.
A mãe dela a consolou citando ensinamentos islâmicos. "Ela disse: 'Você tem a sua fé, você tem o seu Iman (expressão árabe também usada para um tipo de fé). Você não tem nada de pobre, porque você tem essa riqueza interior'".
Para Halima, a mensagem mais importante do Alcorão, o livro sagrado muçulmano, é não julgar os outros.
"Uma grande parte da fé envolve se conectar com pessoas que não compartilham das mesmas crenças e não enxergam as coisas da mesma maneira que você."
O mercado em expansão de modelos de hijab
Halima, que frequentemente dá palestras para plateias de mulheres jovens pelo mundo, observa uma mudança positiva na indústria da moda, com uma expansão no número de modelos que usam hijab.
"Há tantas modelos de hijab nas passarelas hoje em dia, tantas mulheres com hijab nos concursos de beleza. Acho que isso se tornou normal", celebra.
Halima é vista por muitos como o principal rosto da "moda modesta" — como é chamada a tendência crescente de cobrir o corpo. Essa moda já era popular entre mulheres muçulmanas, mas têm se estendido a pessoas sem nenhuma conexão com a religião.
"O que víamos antes com os hijabs era tão sério, tão político. Eu quero mostrar um outro lado. Eu ainda sou uma mulher jovem, eu amo moda, amo roupas, tenho um coração, tenho uma alma e não sou diferentes de outras mulheres", diz.
Meta
Enquanto marcas da moda fazem fila para trabalhar com Halima e fãs a param na rua para tirar fotos com ela no mundo todo, a jovem modelo ainda tem uma meta para atingir.
"Eu quero que minha mãe compareça a um dos meus desfiles, mas tem que ser o maior desfile da minha vida. Isso vai acontecer um dia, espero".