Paraíso ameaçado: Família Schurmann mergulha num mar de plástico
Em 3 anos de navegação, expedição testemunhou a presença de plástico e microplástico em mais de 140 destinos de 11 países
A expedição Voz dos Oceanos, liderada pela Família Schurmann, alerta sobre o impacto alarmante da poluição plástica nos oceanos, destacando a urgência de ações globais para combater essa crise ambiental.
Em 2016, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, a Fundação Ellen MacArthur chocou o mundo ao revelar que, de acordo com o estudo "Nova Economia do Plástico”, até 2050, haverá mais plástico que peixes nos oceanos. Para os mais céticos, essa matemática pode parecer uma ficção.
Mas para quem vive – há 41 anos – no mar, essa é uma possibilidade real, principalmente depois de mergulhar literalmente num Oceano Índico invadido por resíduos plásticos que passam a dividir o mesmo espaço com peixes e corais.
A caminho de Belém, onde completará sua primeira volta ao mundo na COP30, a Voz dos Oceanos traz na bagagem imagens chocantes. A iniciativa, liderada pela Família Schurmann, acaba de se despedir da Indonésia, onde testemunhou duas realidades distintas. De um lado, o encanto por mergulhar em Raja Ampat, uma das Áreas Marinhas Protegidas (AMPs) do planeta, com uma biodiversidade marinha impressionante. Habitat de arraias-manta, tartarugas, cardumes de peixes diversificados, águas-vivas e corais, a região é o destino dos sonhos para mergulhadores do mundo todo.
Mas a tripulação da Voz dos Oceanos não precisou ir muito longe para passar da experiência de nadar cercada por cardumes imensos para um mergulho contra um tsunami de plástico. A correnteza marítima traz para perto uma quantidade impressionante de resíduos e, em algumas áreas, peixes e corais dividem seu espaço com plásticos e microplásticos, enquanto os Schurmann “brigavam” com produtos e embalagens submersas. “Até aqui, nós encontramos resíduos em todas as praias onde desembarcamos, mas nunca tínhamos visto uma quantidade tão grande assim no meio do oceano”, diz Wilhelm Schurmann, capitão do veleiro sustentável Kat.
A experiência deixou a incansável Heloisa Schurmann, uma das líderes da Voz dos Oceanos, sem fôlego. “Que momento mais triste e impactante. Precisamos urgentemente parar esse tsunami de plástico. Velejar por esses locais paradisíacos e perceber essa ameaça se aproximando é alarmante”, desabafa. “E é complicado endereçar o problema. Vimos notícias que, desde 2018, quando a China adotou restrições mais rigorosas para a importação de resíduos, países do Sudeste Asiático, como a Indonésia, passaram a receber carregamentos legais e ilegais de lixo de outras nações. Então, aqui, temos mais um exemplo claro de que não existe ‘jogar fora’, o lixo vai parar em algum lugar do nosso planeta”, pondera Heloisa.
Encerrados os mergulhos, os tripulantes retornaram à embarcação. A bordo, a navegação em um mar de resíduos exigiu cautela e trouxe à tona mais uma realidade alarmante. “Durante a viagem, o plástico espalhado pela superfície da água se adensa de repente em uma linha espessa e infinita, criando uma muralha, uma fortaleza, que nos separa do nosso destino. Aquela linha espessa e infinita que se perde no horizonte representa apenas uma pequena parte dos resíduos, enquanto o resto afunda incansável. As manchas de plástico são tão grandes que não cabem na foto”, descreve a tripulante Erika Cembe Ternex, que completa: “a quantidade de lixo chega a ser ainda mais nauseante, depois de ter visto passar no meio dela uma baleia com seu filhote”.
No Oceano, a vida se mistura cada vez mais com os resíduos – impactos das atividades humanas afetando diretamente o Planeta. “Os oceanos são responsáveis por mais de 50% do oxigênio que respiramos, regulam o clima e absorvem cerca de 25% das emissões de CO₂, reduzindo os impactos das mudanças climáticas. Ver a poluição ameaçando paraísos e ampliando sua presença sobre e sob as águas salgadas é extremamente preocupante. Precisamos reverter esse cenário urgentemente”, destaca David Schurmann, CEO da Voz dos Oceanos. “Ainda há esperança! Por todos os locais que temos passado, encontramos pessoas, ONGs e iniciativas inspiradoras. Mas essa onda da transformação precisa superar o tsunami de plástico e, para isso, todos os setores da sociedade devem embarcar nessa missão”, reflete David.
Apostando no engajamento social capaz de mudar o atual – e preocupante – cenário, a iniciativa liderada pela Família Schurmann reserva protagonismo ao Oceano na COP30. Com o apoio institucional do Governo do Pará, incluindo a Secretaria de Estado de Cultura, a Voz dos Oceanos transformará o icônico Espaço Cultural Casa das Onze Janelas, no centro histórico da capital, na Casa Vozes do Oceano. Democrática, a Casa será a área de conexão – ou reconexão – da sociedade civil com o Oceano, a partir do mergulho em instalações artísticas, entre elas, a Exposição Voz dos Oceanos.
Criando um epicentro oceânico, o espaço irá além das artes, possibilitando que o público mergulhe mais profundamente na causa ao dialogar com respeitadas ONGs nacionais e internacionais, ambientalistas, educadores, estudantes, ribeirinhos, povos originários, cientistas, gestores públicos e empreendedores. “Queremos que a COP30 seja um marco mundial. Sem o azul não existe o verde! Em Belém, a sociedade vai compreender melhor a relevância dos oceanos e se unir para deixar esse legado para o planeta”, completa David.
Vale lembrar que, este ano, no Dia Mundial do Ambiente (5 de junho), o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, reforçou que “a poluição dos plásticos sufoca o nosso planeta, prejudicando os ecossistemas, o bem-estar e o clima”. Em sua mensagem, também destacou que “há um movimento que defende uma mudança urgente” e alertou que “precisamos ir mais longe, mais depressa”. Guterres lembra que, em agosto, “os países vão reunir-se para elaborar um novo tratado global para acabar com a poluição plástica”, ressaltando que “precisamos de um acordo ambicioso, fiável e justo este ano. E que seja implementado de forma rápida e completa”.