Pesquisadores paulistas tentam colocar Brasil no mapa da computação quântica
Projeto de universidades do Estado quer gerar visibilidade e financiamento, aproximar academia de empresas e fomentar startups
Até o final da atual década, tecnologias quânticas devem deixar os laboratórios de grandes empresas e universidades para se tornarem poderosas ferramentas nas mãos da humanidade, impactando áreas como saúde, logística, agricultura e o mercado financeiro. Já existe uma corrida global pela tecnologia, com investimentos bilionários feitos por governos e corporações - recentemente, a Alemanha anunciou um investimento de US$ 2 bilhões na área. Para que o Brasil não fique para trás, pesquisadores de universidades públicas de São Paulo se organizaram para criar junto à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo (Fapesp) uma iniciativa de tecnologias quânticas que conecta academia e setor privado.
A Quantum Information Technologies (QuInTec) está sendo gestada por seis professores de universidades como Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A ideia é unificar pesquisadores no diálogo com empresas para transformar estudos em soluções aplicadas ao mundo real - foram mapeados pelo menos 30 pesquisadores em tecnologias quânticas em São Paulo. De quebra, a iniciativa espera fomentar a criação de startups por parte dos estudantes da área, que teriam a opção de almejar carreiras além da academia.
"As tecnologias quânticas serão importantes nas próximas décadas. É muito perigoso se o Brasil não fizer nada. Seremos mercado e não participantes nesse mercado", explica Marcelo Cunha, pesquisador da Unicamp e um dos fundadores da QuInTec. Tecnologias quânticas envolvem propriedades da física quântica. No caso de computadores com a tecnologia, é possível imaginar máquinas infinitamente mais poderosas que os mais potentes computadores clássicos, como os supercomputadores da IBM. Já sensores quânticos são muito mais sensíveis do que sensores comuns, e poderão ser importantes nas extração de petróleo, na agricultura ou na construção civil.
Tudo isso ainda é objeto de pesquisa, mas, no mundo, os investimentos na área, tanto estatais quanto privados, já são massivos. A China destinará US$ 10 bilhões para um laboratório nacional de computação quântica. Além disso, gigantes da tecnologia, como Google, IBM e Microsoft, disputam a liderança no segmento. Até 2030, esse mercado deverá valer US$ 65 bilhões, segundo a consultoria P&S Intelligence.
"Até 2015, havia estudos de percepção global que colocavam o Brasil no mapa da computação quântica, mas pesquisas mais recentes mostram o País fora. Precisamos reverter isso", diz Cunha.
A iniciativa quântica lembra outros projetos recentes no Brasil para aproximar pesquisadores de tecnologia de ponta e empresas, como o Advanced Institute for Artificial Intelligence (AI2), de inteligência artificial, e a Barinet, de pesquisas aeroespaciais. É um movimento que é bem visto por grandes empresas, que podem procurar na rede acadêmica soluções para seus problemas. A QuInTec já recebeu apoio de IBM, Microsoft, Petrobrás e Embrapa - além disso, pesquisadores reconhecidos na área, como Fernando Brandão, o brasileiro que trabalhou no projeto do computador quântico do Google, demonstraram apoio ao projeto.
Competências
A iniciativa paulista não visa à construção de máquinas quânticas, assunto que tem gerado barulho internacional com os avanços de gigantes do setor. "A construção de hardware está fora de cogitação. Ela é restrita não apenas em relação ao Brasil, mas em muitos países. Mas podemos ter excelência na construção de algoritmos. Quando essas máquinas ficarem prontas, vai faltar gente para trabalhar com elas", explica Jair Antunes, líder de tecnologias emergentes da Accenture para a América Latina.
Isso acontece porque computadores quânticos funcionam de maneira completamente diferente das máquinas clássicas, usadas atualmente. Elas precisam de software e algoritmos próprios. Sem isso, o potencial desses equipamentos não pode ser explorado.
Esse é um dos focos das poucas startups brasileiras no setor. Uma dessas empresas é a Brazil Quantum, formada por cinco jovens entre 22 e 25 anos. Além de promover a tecnologias, eles trabalham desenvolvendo algoritmos visando ao mundo de máquinas quânticas.
Eles já desenvolveram projetos com a Klabin e com o Banco Central - neste caso, a ideia foi trabalhar em algoritmos clássicos de criptografia que possam resistir a computadores quânticos. Um dos temores no mundo da segurança digital é que computadores quânticos sejam capazes de quebrar a criptografia das comunicações de máquinas clássicas, o que colocaria em risco o setor financeiro, por exemplo. Uma ramificação do segmento é tentar construir algoritmos clássicos que resistam a "ataques quânticos".
Já Quanby, de Florianópolis, trabalha em algoritmos de dinâmica de fluido, segmento que pode ser utilizado tanto na extração de petróleo como no consumo de combustível de aeronaves.
Além de aumentar as possibilidades de financiamento, uma das ideias da QuInTec é gerar exposição para o setor para o fomento de mais startups "A QuInTec parece ser um projeto interessante, pois ele tenta trazer financiamento para projetos na área", explica Rafael Martins, um dos fundadores da Brazil Quantum.
Financiamento
Martins revela que a Brazil Quantum ainda não gera receita. É um problema comum ao setor. "Nossa maior dificuldade é mostrar a investidores e possíveis clientes que temos um produto a vender", explica Eduardo Duzzioni, fundador da Quanby - com apenas três pessoas, a startup também não consegue sobreviver de projetos próprios.
É algo que está conectado a tecnologias com olhar de médio e longo prazo. "O desafio de startups do tipo é duplamente grande, porque, além de terem o risco tecnológico, apresentam um ciclo de desenvolvimento mais longo", explica Felipe Matos, presidente da Associação Brasileira de Startups.
"No mundo inteiro, essa é uma área que se desenvolve primordialmente a partir de investimentos públicos em pesquisa, desenvolvimento e inovação. Assim, é muito bem visto o investimento da Fapesp nessa área", diz ele. Fora do Brasil, investidores começam a olhar para o tema - o Breakthrough Energy Ventures, fundo apoiado por Bill Gates, tem feito aportes.
A QuInTec deve apresentar um plano de atuação definitivo para a Fapesp nos próximos três meses. O grupo também deve produzir um plano de perspectivas para os próximos cinco anos e para os próximos 10 anos. Um estudo com estimativas do impacto econômico e social da iniciativa também deve ser apresentado.
"O que mais queremos é que os estudantes de tecnologias quânticas possam olhar para a possibilidade de serem empresários e empreendedores, produzindo novidades tecnológicas fora da academia", explica Cunha. "Essas empresas podem fazer o País avançar".