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Google faz 20 anos e mira emergentes para crescer

Candidata a se tornar próxima empresa a alcançar US$ 1 trilhão em valor, gigante busca diversificação; regulação é ameaça no horizonte

23 set 2018 - 05h11
(atualizado em 24/9/2018 às 00h14)
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"Ok, Google, como continuar crescendo?" é o tipo de pergunta que o indiano Sundar Pichai, presidente da gigante de buscas americana, deve fazer ao seu assistente pessoal. Ao completar 20 anos neste mês e vista por analistas como próximo candidato a entrar no clube do US$ 1 trilhão em valor de mercado, seguindo os passos de Apple e Amazon, o Google, debaixo de sua holding, a Alphabet, busca formas de diversificar sua atuação em sua terceira década de existência.

Hoje, boa parte da receita do Google, uma empresa que majoritariamente fatura com publicidade, vem de mercados como EUA e Europa - no ano passado, mais de 70% dos resultados da empresa vieram dessas duas áreas. Por outro lado, em países emergentes como Índia, Nigéria e Brasil, há um enorme contingente de usuários que ainda não usam a internet - e podem se servir dos negócios da empresa.

"Temos 3 bilhões de pessoas online. Nos próximos dois anos, mais 1 bilhão vai entrar na rede", diz David Shapiro, diretor global de negócios para Next Billion Users, nome que o Google deu para a iniciativa. "Nosso projeto é entender como superar os desafios para que eles tenham uma boa experiência de uso."

A vasta maioria destas pessoas, aposta a empresa, vai entrar na internet com smartphones de baixa performance (e baixo custo), em regiões que tem dificuldades de conexão. "É onde a empresa ainda pode crescer em taxas relevantes, como as que apresentou nos últimos anos, pois é onde as oportunidades estão", ressalta David Smith, vice-presidente da consultoria Gartner. Para aproveitar essas chances, a empresa baseia o Next Billion Users em três pilares: acesso, produtos e plataformas.

Pilar. No primeiro aspecto, o Google trabalha com parcerias para a criação de smartphones que rodem aplicativos mesmo com recursos limitados - um bom exemplo é a criação do Android Go, versão "light" de seu sistema operacional que usa menos memória e armazenamento e sua incorporação em aparelhos de entrada. Aqui no Brasil, marcas como Positivo e Multilaser já fabricam dispositivos com o sistema. Além disso, também investe em iniciativas para disponibilizar conexão aos usuários - algo menos presente no País, mas já ativo na Índia, onde o Google tem redes Wi-Fi gratuitas nas 400 maiores estações de trem.

Já o lado de produtos e plataformas está mais presente no Brasil, com o lançamento de serviços como Gmail Go, YouTube Go ou Datally. Os dois primeiros são versões simplificadas dos apps de email e vídeo da empresa; já o terceiro é um serviço que ajuda o usuário a controlar seu consumo de dados móveis. No entanto, a empresa garante que vai além de simplesmente fazer seus serviços conhecidos mais enxutos.

Um bom exemplo é o foco no assistente por comandos de voz Google Assistant. Em sua roupagem tradicional, ele depende de conexão à internet por buscar informações na nuvem. Para deixá-lo mais adaptável aos usuários, o Google traçou estratégias - uma delas é "salvar" as buscas feitas por voz quando o celular está offline e entregar os resultados quando houver conexão.

"Isso nos ajudou em mercados como a Índia e o Brasil", diz Shapiro - o Brasil é hoje o terceiro mercado do Assistant, diz o Google. "É uma ferramenta de inclusão", destaca o professor Fernando Meirelles, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). "Ao apostar na voz, consegue incluir quem tem índices de leitura baixos."

As soluções traçadas pelo time do Next Billion Users, no entanto, acabam também servindo para mercados estabelecidos - o Files Go, outro app do projeto, criado para ajudar a liberar "espaço" no celular, tem entre seus principais países os Estados Unidos. "Ao tentarmos resolver problemas de usuários específicos, trazemos soluções globais", diz Shapiro.

Questionado sobre o interesse financeiro no projeto, ele é econômico. "Quanto mais pessoas online, mais o Google ganha, seja na exibição de anúncios ou no uso de aplicativos." Para analistas, a ideia também está ligada à própria origem de Sundar Pichai. "Ele trabalhou no Google Chrome e no Android; é muito ligado à democratização do acesso, mas também aos negócios", ressalta William Castro Alves, estrategista-chefe da corretora Avenue.

Obstáculos. Há, no entanto, pedras no sapato que podem atrapalhar o caminho do Google. Um dos pontos cruciais para o funcionamento do Next Billion Users, o sistema operacional Android, por exemplo, está sendo discutido por reguladores no mundo todo. Sua força - o fato de ser um sistema distribuído gratuitamente aos fabricantes de celulares, sob a condição de que os aparelhos venham com serviços do Google pré-instalados, como o Gmail e o buscador da empresa - é também sua fraqueza.

Isso porque autoridades antitruste ao redor do mundo alegam que a parceria fere a prática de concorrência. Em julho, a UE aplicou uma multa de R$ 19,3 bi à empresa por conta disso. Além disso, o bloco econômico também pediu alterações no sistema operacional, que podem mudar sua natureza - transformá-lo em pago ou eliminar a presença "de fábrica" dos apps do Google O exemplo está sendo seguido: na semana passada, foi a vez da Turquia. Aqui no Brasil, o Cade também já deu pistas de que estuda investigação semelhante.

"O Google está num momento suscetível, como um gigante que não consegue se mexer sem pisar em anões", afirma Diogo Coutinho, professor de direito econômico da Universidade de São Paulo. Para a empresa, que já disse que vai recorrer da decisão, a regulação está sendo vista como uma oportunidade de diálogo.

"Enquanto a democratização do acesso é saudável para a sociedade, qualquer organismo regulador tem a necessidade de olhar para esse processo", defende Fábio Coelho, presidente do Google no Brasil, ao ser questionado se a multa da UE interfere nos planos da companhia. "O Android permitiu o surgimento de aplicativos e de criadores de conteúdo; se ele fosse um sistema fechado, os aparelhos seriam muito mais caros."

No entanto, não é só a regulação do Android que pode afetar os planos da empresa - há também no mundo hoje uma onda de criação de leis de dados pessoais, voltadas a aumentar a privacidade dos usuários. Mais uma vez, o exemplo a ser seguido é europeu - vale desde maio lá a GDPR, regulação bastante protetiva dos usuários. Sua entrada em vigor provocou a aprovação de leis semelhantes no Brasil e no Estado da Califórnia, onde o Google tem sua sede.

"São leis que afetam bastante o Google, uma empresa que faz uso cruzados de informações de aplicativos que possui e hábitos de pesquisa", destaca Carlos Affonso de Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio). Para Affonso, a empresa também precisa levar em consideração sua responsabilidade ao conectar novos usuários. "São pessoas que ainda não tem hábitos formados de internet, mas que precisam ser protegidas e não utilizadas como cobaias", diz o especialista.

Questionado sobre o assunto, Shapiro se defende: "damos acesso a toda à internet, pois isso importante para nós". É uma alfinetada no rival Facebook, que tem um projeto parecido, o Free Basics - a iniciativa da rede social, porém, dá acesso apenas a um grupo limitado de sites e serviços, escolhidos pela empresa de Mark Zuckerberg.

Para Affonso, do ITS-Rio, a discussão sobre regulação também merece um novo paradigma - que pode ser estabelecido a partir do próprio aniversário do Google. "Estamos acostumados a tratar empresas de tecnologia como algo novo, ainda com cultura e identidade e construção", diz. "O fato do Google completar 20 anos mostra que ele não é mais estreante, ela tem sucesso. E com o sucesso, também cresce a preocupação com o tamanho da empresa."

Estadão
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