UE aprova empréstimo de € 90 bilhões à Ucrânia após fracasso em usar ativos russos congelados
A União Europeia decidiu nesta sexta-feira (19) conceder um empréstimo conjunto de € 90 bilhões para financiar o esforço de guerra da Ucrânia entre 2026 e 2027, após semanas de impasse sobre o uso dos ativos russos congelados no bloco. O acordo foi fechado pelos 27 países-membros, mas a operação será executada apenas por 24 deles. Hungria, Eslováquia e República Tcheca - governos que resistem a financiar Kiev - exigiram ficar de fora.
"Temos um acordo. A decisão de conceder € 90 bilhões de apoio à Ucrânia para 2026-2027 foi aprovada", anunciou no X o presidente do Conselho Europeu, Antonio Costa, que conduziu as longas negociações do encontro em Bruxelas.
Os líderes europeus buscavam uma solução urgente para evitar que Kiev ficasse sem recursos já no primeiro trimestre de 2026, especialmente após o governo de Donald Trump ter interrompido a maior parte da ajuda financeira e militar dos Estados Unidos à Ucrânia.
"Mensagem decisiva", diz Alemanha
O chanceler alemão, Friedrich Merz, classificou o acordo como "uma mensagem decisiva para encerrar a guerra", afirmando que o presidente russo, Vladimir Putin, "só fará concessões quando entender que sua ofensiva não lhe trará ganhos". Merz vinha defendendo há meses o uso dos ativos russos congelados na Europa para financiar o pacote, mas saiu de Bruxelas sem conseguir apoio - e ainda teve de aceitar o adiamento do acordo comercial entre a UE e o Mercosul, demanda de França e Itália.
Sem consenso sobre o uso dos bens da Banco Central da Rússia, medida inédita e considerada de alto risco jurídico e político, os 27 optaram pelo empréstimo conjunto. "Garantir € 90 bilhões a outro país por dois anos é algo que nunca vimos na nossa história", afirmou a primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, cujo país ocupa a presidência rotativa do Conselho da UE até o fim do ano.
O presidente francês, Emmanuel Macron, avaliou que, com o acordo, "volta a fazer sentido dialogar com Vladimir Putin".
Empréstimo terá juros zero
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, celebrou a decisão, afirmando que se trata de "um apoio importante que fortalece nossa resiliência". Ele destacou que é "fundamental" que os ativos russos permaneçam congelados e que a Ucrânia tenha garantias de segurança financeira para os próximos anos.
Macron reforçou que a solução encontrada é "a mais realista e praticável" para assegurar que Kiev tenha recursos a partir de 2026. "O que seria preocupante é se um país tivesse tentado bloquear. O importante é que houve unanimidade na decisão", disse.
O custo estimado para manter o Estado ucraniano funcionando em 2026 é de € 137 bilhões. A UE se comprometeu a cobrir dois terços - os € 90 bilhões -, enquanto aliados como Noruega e Canadá devem financiar o restante.
Segundo a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o empréstimo será a juros zero, bancado pelo orçamento do bloco. A Ucrânia só terá de reembolsá-lo caso a Rússia pague reparações de guerra no futuro.
Bélgica bloqueou acordo sobre ativos russos
A proposta de usar os ativos russos congelados - cerca de € 210 bilhões, a maior parte depositada na câmara de compensação belga Euroclear - travava as negociações havia semanas. A ideia era financiar um "empréstimo de reparação" de € 90 bilhões para Kiev.
O primeiro-ministro belga, Bart De Wever, exigia garantias quase ilimitadas para proteger o país de eventuais retaliações russas ou de um reembolso antecipado. Na semana passada, o Banco Central da Rússia abriu um processo na Justiça de Moscou contra a Euroclear, aumentando a pressão.
O Kremlin não detalhou quais represálias considera, mas poderia confiscar ativos, investimentos e dividendos de empresas ocidentais ainda presentes na Rússia e tomar filiais locais, com base em um decreto assinado por Putin em setembro.
Segundo o jornal The Guardian, políticos e altos funcionários belgas teriam sido alvo de uma campanha de intimidação conduzida por serviços de inteligência russos para impedir o uso dos ativos.
O Instituto de Economia de Kiev estima que empresas ocidentais possuíam € 108 bilhões em ativos na Rússia em 2024. O Kremlin já confiscou ou congelou bens de cerca de 30 delas, gerando perdas de ao menos € 48 bilhões.
Apesar da solidariedade dos demais países da UE, nenhum estava disposto a "assinar um cheque em branco" para cobrir eventuais prejuízos da Bélgica. Ao final do encontro, De Wever declarou, sorrindo: "O jogo está jogado, todos estão aliviados". Embora o acordo tenha sido aprovado pelos 27 países, a operação será conduzida apenas por 24, já que Hungria, Eslováquia e República Tcheca pediram para não participar do financiamento.
Ucrânia cada vez mais dependente
O orçamento ucraniano para 2026 prevê um déficit equivalente a 18,5% do PIB - muito acima do limite de 3% imposto aos países da UE. A dependência de recursos externos é total.
"O orçamento ucraniano depende fortemente da ajuda internacional. O déficit está entre € 20 e € 30 bilhões. Além disso, precisamos de pelo menos € 60 bilhões em ajuda militar. Antes, essa ajuda vinha majoritariamente dos Estados Unidos, o que não ocorre mais", afirmou à RFI Oleksandra Betliy, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica de Kiev.
Sem acordo de paz com a Rússia, 30% do PIB ucraniano é destinado a gastos militares. "Nenhum país consegue financiar despesas de defesa tão altas sem apoio internacional. Infelizmente, não temos outra opção além da ajuda europeia", disse Betliy.
Desde a invasão russa em fevereiro de 2022, a Ucrânia já recebeu mais de € 187 bilhões da União Europeia - cerca de um terço destinado a apoio militar.
RFI com AFP