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Túneis abrigam coleção de vinho de braço direito de Hitler

Garrafas de Herman Göring apreendidas após a 2ª Guerra Mundial vivem em cave outrora controlada pelos soviéticos na Moldávia

2 ago 2014 - 13h51
(atualizado às 13h51)
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Na vinícola Cricova, o esplendor não está nos milhares de hectares de vinhedos bem cuidados, mas no subsolo da cave
Foto: AP

No solo da Moldávia - acima e abaixo dele - escondem-se tesouros enológicos que há muito caíram no gosto da classe no poder na Rússia.

Em certo aspecto, é uma ilustração da conturbada relação que esta pequena ex-república soviética, a exemplo de outras vizinhas, tem com Moscou.

A Moldávia é como um pedaço da Europa que o tempo esqueceu. Mais além da capital, Chisinau, a paisagem pouco mudou em cem anos. As estradas são um calvário. Carroças puxadas por cavalos passam carregando mercadorias e pessoas.

Enquanto os horrores de um conflito violento chamam atenção mundial para a vizinha Ucrânia, a população rural da Moldávia tem preocupações mais paroquiais. Como transportar a colheita.

Vassily Kulyev comanda sua enferrujada colheitadeira dos tempos soviéticos, que com muito esforço e barulho percorre o campo.

Dois outros homens o ajudam. Kulyev diz que cada um deles ganhará US$ 5 (R$ 11) pelo dia de trabalho, que vai do amanhecer até a noite. Os jovens, diz ele, "foram para fora", deixaram o país.

A economia rural da Moldávia é baseada em pequenas propriedades, trabalho duro e baixos lucros. Desde o colapso da União Soviética e a transformação da Moldávia em nação independente, este tem sido o país mais pobre da Europa.

Mas há um fruto do solo moldávio que traz a esperança de um futuro melhor - a uva. Esta nação de menos de quatro milhões de pessoas tem conseguido figurar na lista dos principais exportadores de vinho do mundo.

Em grandes regiões do país, os vinhedos se estendem a perder de vista, dando um grande impulso à economia local.

Ou pelo menos, costumava ser assim. No ano passado, as vendas caíram, o humor azedou e o motivo não está nem no tempo, nem no solo, mas em Moscou.

Os problemas começaram depois que a Moldávia, a exemplo da vizinha Ucrânia, passou a tentar se aproximar mais da Europa ocidental. A Rússia respondeu justamente com retaliações às vinícolas da ex-república soviética.

Túneis de néctar

Os russos sempre tiveram gosto pelo vinho da Moldávia. Desde os czares aos comissários soviéticos, Moscou nunca escondeu seu interesse pelos vinhedos do país. Talvez por isso seja aqui que os soviéticos tenham resolvido criar um impressionante labirinto de túneis contendo alguns dos maiores tesouros enológicos da humanidade.

Na vinícola Cricova, o esplendor não está nos milhares de hectares de vinhedos bem cuidados, mas no subsolo da cave. Meio século atrás, os senhores soviéticos da Moldávia construíram um dos maiores depósitos de vinho de todo o mundo, a partir de um labirinto de antigos túneis profundos usados na mineração, dentro das colinas de calcário - 113 quilômetros de câmaras subterrâneas que abrigam mais de um milhão de garrafas.

Alexandru Alexeev, diretor de marketing da Cricova, leva a BBC em uma visita guiada. Ele para seu carrinho de golfe ao lado de um nicho repleto de garrafas empoeiradas. "Esta é uma coleção particular de Herman Göring, apreendida pelo Exército Vermelho em Berlim em 1945", diz.

Göring, que fundou a Gestapo - a polícia política alemã -, comandou a força aérea alemã e liderou a pasta da Economia do país, era o influente ministro que Hitler nomeou como seu assessor em todos os assuntos. Foi o segundo oficial de mais alta hierarquia do nazismo a ser julgado nos famosos tribunais de Nuremberg. Suicidou-se envenenando-se um dia antes de ser enforcado como mandava a sentença.

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Göring fundou a Gestapo, a polícia política alemã
Foto: Getty Images

Pego uma garrafa de vinho branco da prestigiosa região do vale do Mosel, na Alemanha, tiro a poeira e a seguro contra a luz, imaginando se algum capanga de Hitler já a havia tocado.

"Não remova a sujeira, até o pó é valioso", alerta Alexeev. "Qual é o valor?", eu pergunto. "Bem, cada garrafa vale 15 mil libras (cerca de R$ 25 mil). Existem 129 delas", diz. Mas não é o vinho de Göring que está na mente de Alexeev hoje. É a coleção que pertence a uma figura bem contemporânea - Vladimir Putin.

Putin tem sua própria cave nos túneis da Cricova. Cada estadista que visita a vinícola tem a honra de uma coleção pessoal, mas a de Putin é visivelmente maior.

"Ele esteve aqui várias vezes. Gosta tanto deste lugar que até fez sua festa de aniversário de 50 anos aqui", diz Alexeev. Isso foi há 11 anos. Então seu rosto escurece. "As coisas mudaram muito desde então."

Sabor amargo

Ele se refere ao sabor amargo que ficou no caso de amor da Rússia com o vinho da Moldávia. Putin ficou enfurecido pela decisão do governo de Chisinau de tentar uma aproximação com a União Europeia. Como punição, ordenou a proibição da importação de todo vinho do país.

"Foi como um balde de água fria - perdemos 30% das nossas exportações", diz Alexeev. "Mas temos que aprender com isso. Precisamos encontrar novos mercados na Europa, nos EUA e na China."

O atual governo da Moldávia, simpático à União Europeia, vê os horrores da Ucrânia com um profundo sentimento de mau presságio.

Quando Putin fala em restaurar a grandeza da Rússia, reafirmando legítimos interesses de Moscou, também está enviando uma mensagem para Chisinau, não apenas para Kiev.

Os produtores de vinho moldávios provaram na prática: a Rússia ainda tem influência sobre as terras que outrora governaram. O embargo ao vinho foi o pontapé inicial, e pode não ser o final.

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