Liderança sul-africana, Jacob Zuma ainda deve na prática
- Celia W. Dugger
- Em Siyathemba, África do Sul
O presidente Jacob Zuma, filho de uma empregada doméstica viúva, tentou arrazoar com a multidão inquieta que o recebeu em Siyathemba, uma comunidade urbana pobre. Estava lá para consertar os serviços públicos defeituosos, garantiu, mas as queixas ruidosas dos presentes interrompiam constantemente o seu discurso. Por fim, com a expressão irritada de um patriarca insatisfeito, ele ralhou com os presentes, ameaçou ir embora e não economizou adjetivos.
"Isso significa que vocês viverão na pobreza para sempre!", exclamou. "Se não ouvirmos uns aos outros, como é que poderemos consertar o que há de errado?" A raiva da multidão pareceu se dispersar subitamente. Houve um coral de pedidos de desculpas. Alguém gritou: "Desculpe, Baba!" Depois, começaram a surgir pedidos para que o presidente cantasse a canção que o tornou conhecido na luta contra o apartheid, "Bring Me My Machine Gun".
"Vocês querem?", perguntou. "Sim!", respondeu a multidão aos gritos. E como um artista envelhecido disposto a satisfazer a plateia com um de seus velhos sucessos, Zuma, 68 anos, cantou e dançou no palanque. Foi um momento que serve como resumo tanto para o que Zuma tem de promissor quanto para as promessas não realizadas do presidente, que despertou as esperanças dos despossuídos mas não propiciou a eles a vida melhor que exigem.
A despeito de acusações persistentes de corrupção e de escândalos causados por casos extraconjugais, ele é um sobrevivente político que ascendeu à liderança do país mais poderoso da África e, em breve, ocupará espaço internacional quando a África do Sul sediar a primeira Copa do Mundo realizada no continente.
Com sua risada ruidosa e seu hábito de dançar no palanque, Zuma tem a capacidade de se conectar facilmente à maioria negra empobrecida do país, impaciente por conquistar a vida melhor que o surgimento do regime democrático, 16 anos atrás, parecia prometer. "Jamais vi um presidente africano que dialogue diretamente com seus cidadãos como Jacob Zuma", disse Zakhele Maya, 26, um dos ativistas que assistiu ao discurso em Siyathemba; Maya, como a maioria dos moradores da comunidade, está desempregado.
Mas a conexão não basta para aquietar a insatisfação. Depois de uma visita anterior, no ano passado, Zuma ordenou que o governo melhorasse os serviços de saúde e habitação na comunidade, mas as frustrações persistem. Em fevereiro, os moradores incendiaram a biblioteca local. Os livros agora são apenas restos calcinados, e a biblioteca uma ruína escura.
Passado um ano de seu mandato quinquenal, Zuma recentemente fez com que seus ministros assinassem contratos de desempenho, estabelecendo objetivos específicos para que atinjam. Mas os analistas instam por ação, e não por expressão de aspirações, quanto aos principais desafios que a África do Sul enfrenta: um sistema de educação deficiente, um nível de desemprego assombroso e a crescente disparidade entre ricos e pobres. Já existem crescentes especulações quanto à possibilidade de que seu partido, o Congresso Nacional Africano (CNA) se recuse a escolher Zuma como candidato à reeleição.
"Em 2013, surgirão questões: quem nos governará depois de 2014?", disse Trevor Manuel, diretor da Comissão Nacional de Planejamento, no gabinete de Zuma, e antes disso ministro das Finanças por 13 anos. "O período mais intenso virá em 2011, 2012, começo de 2013. São os anos intermediários do mandato, e creio que tenhamos preparado as fundações. Agora é preciso realizar a mudança".
O estilo altamente pessoal e a capacidade de formar consensos ajudaram Zuma a liderar um novo e abrangente ataque contra a Aids, depois de uma década de liderança deficiente nesse quesito por seu predecessor Thabo Mbeki.
Mas até mesmo alguns líderes de seu partido afirmam que enfrentar os problemas econômicos profundos do país provavelmente requereria irritar aliados que ajudaram o presidente a chegar ao poder - especialmente a Cosatu, a poderosa central sindical que integra a aliança governista, e a ala jovem do CNA. Esta última é liderada pelo incendiário Julius Malema, 29, considerado por muitos sul-africanos como um demagogo que explora antagonismos raciais e recentemente foi forçado pelo partido a passar por uma terapia para aprender a controlar a raiva.
Existem muitos ressentimentos a explorar na África do Sul. O número de desempregados cresceu em mais de um milhão nos últimos 18 meses, e o país, com 49 milhões de habitantes, já tem o maior índice mundial de desemprego crônico. Mais de um terço da força de trabalho, se computadas as pessoas desencorajadas demais para continuar procurando emprego, está desempregada. Estudos constataram que a maioria dos desempregados jamais tiveram empregos.
Zuma anunciou em fevereiro que encaminharia propostas de subsídio ao salário de trabalhadores inexperientes, de modo a permitir que ingressem no mercado. Mas a Cosatu, que representa os trabalhadores já empregados, se opõe à ideia - e os debates no interior do governo continuam. Outro ponto de tensão é a educação. No ano passado, Zuma declarou que os professores e diretores de escolas - cujo sindicato também é parte da Cosatu - precisam ser cobrados por presença e desempenho no trabalho. Zuma reiterou em entrevista que isso é essencial, e que seria medidas para tanto seriam adotadas no máximo até o final de seu segundo ano de mandato.
"Não queremos professores escondidos por trás das escolas", disse. Mas os críticos questionam se Zuma conta com o apoio necessário a implementar essas difíceis decisões, com a visão necessária a encarar os assustadores desafios do país ou com a postura necessária a erradicar a corrupção. As preocupações se agravaram quando surgiu a informação de que Zuma, que já tem três mulheres e uma noiva, havia tido mais um filho, seu 20°, fora do casamento, com a filha de um amigo da família.
"O maior perigo que enfrentamos como país é o uso de cargos para fins de ganho pessoal, e isso está se tornando tão, tão comum que ninguém mais age para enfrentar o problema¿, disse Mondli Makhanya, editor do Sunday Times, o jornal que revelou a história sobre o filho legítimo de Zuma. "Ele não tem liderança forte o bastante quanto a isso, para se voltar contra as pessoas que o elegeram, e lhe falta a autoridade moral para dizer que não, elas não têm direito de agir como agem".
O mais importante é que fazer escolhas que resultariam em divisão da aliança governista contraria os instintos de Zuma, um africano tradicionalista que tenta resolver conflitos por meio de reuniões da coalizão que o apoia sob a copa de uma árvore metafórica, à sombra da qual eles discutem por dias e semanas antes de chegar a um consenso, de acordo com Allister Sparks, um veterano comentarista político sul-africano. "E enquanto isso, o impulso de agir morre, em meio ao debate eterno, inacabável", afirma.
Manuel, o ex-ministro das Finanças, diz que o estilo do presidente é preservar todas as alianças, quanto ao que ele relembra os esforços de Zuma para mediar uma solução na complexa guerra civil do Burundi. "Ele passava semanas em Dar es Salaam, e tinha a mais notável paciência para esse tipo de coisa", afirma Manuel. "Por isso, talvez precise do apoio de ministros que batalham para fazer as coisas com mais pressa". Quanto a questões como por exemplo o plano para cobrar mais os professores, diz Manuel, "meu instinto seria o de adotar linha muito mais dura".
A resistência política de Zuma não deve ser subestimada. Depois de uma década como prisioneiro político, ele ascendeu à liderança das operações clandestinas de inteligência do CNA na luta contra o apartheid. Como presidente, indicou pessoas que lhe são leais para o comando da polícia e da promotoria, o que torna improvável que volte a sofrer acusações de corrupção.
Em entrevista, Zuma contou uma história que sugere o cálculo frio que existe por sob seu estilo caloroso e amigável. "Se você se zanga, não consegue pensar direito e os outros meninos baterão sem dó", ele disse, sobre os dias em que treinava para lutar com bastões contra outros meninos zulus. "É preciso calma para que você se defenda e consiga atingir o outro menino".
Enquanto o debate sobre ele esquenta, Zuma parece continuar se divertindo nos palanques. Recentemente, parecia muito feliz com a adulação recebida da imensa plateia que compareceu a um estádio no Estado de Orange para uma sessão de orações pela Copa do Mundo, promovida pelo CNA. Foi uma mistura alegre e repleta de fé entre esporte, religião e política que não seria difícil imaginar ocorrendo no Texas.
Milhares de matronas da igreja gritavam o nome de presidente e o apelido da seleção de futebol da África do Sul, ¿bafana bafana¿. Alguém puxou o coro: "Vida longa a Jacob Zuma!" O presidente sorriu discretamente, enquanto o primeiro-ministro de Orange declarava que "não estamos discutindo a sucessão; estamos dizendo que o presidente deveria continuar presidente para sempre".
Líderes da comunidade branca subiram ao palanque. Um cobertor com a bandeira sul-africana estava estendido no piso. Zuma se ajoelhou nele e pregadores abençoaram o presidente. As pessoas em torno dele se deram as mãos e depois ergueram as mãos ao céu, em um quadro de harmonia racial. "Vamos receber nossos visitantes com apreço e amor", disse Zuma sobre a copa iminente. "Vamos abraçá-los". E, com um sorriso travesso, acrescentou: "Aquelas pessoas que de vez em quando não são assim tão boas, que se comportem bem pelo menos nessas quatro semanas".
Tradução: Paulo Migliacci ME