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Ásia

Bangladesh: após escapar de tragédia, jovem é vítima de desabamento

Em 2012, Fahima escapou de um incêndio em uma fábrica que deixou 112 mortos, mas morreu no desabamento do prédio Rana Plaza em Savar, subúrbio de Daca, em 24 de abril. A tragédia matou ao menos 430 pessoas

2 mai 2013 - 15h22
(atualizado às 15h57)
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Farida chora durante sua busca pelo corpo da cunhada Fahima no dia 1º de maio, em Daca
Farida chora durante sua busca pelo corpo da cunhada Fahima no dia 1º de maio, em Daca
Foto: AP

Ao se joelhar ao lado do corpo com o vestido que ela mesma comprou, os soluços de tristeza de Farida se tornaram lágrimas de um doloroso alívio. Ela chamou seu marido para lhe falar as palavras para as quais vinha rezando durante sua semana de buscas: "Eu achei ela. Eu achei ela".

Momentos antes, ela tinha impedido trabalhadores de colocarem o cadáver em uma das dezenas de sepulturas não identificadas cavadas para as vítimas do desabamento do prédio em Bangladesh cujos corpos estavam muito danificados para ser identificados. Persistente, ela abriu caminho entre a multidão de espectadores e oficiais para dar uma última olhada na fila de corpos em decomposição na expectativa de que um deles fosse de sua cunhada. Um deles era.

"Essa é a minha Fahima. Essa é a minha Fahima", ela gritou para os oficiais, apontando para uma marca na testa da cunhada e o vestido vermelho que tinha dado de presente a ela.

Para Farida e incontáveis outros parentes dos trabalhadores de empresas de vestuário que desapareceram quando o edifício Rana Plaza desabou, no dia 24 de abril, a última semana foi marcada pela transformação da esperança de que seus entes tivessem sobrevivido para o medo de que precisassem retornar para casa sem ao menos um corpo.

Muitos moradores de vilarejos pobres gastaram o pouco dinheiro que tinham para correr para a capital que eles nunca tinham visto apenas para descobrir que as notícias eram difíceis de encontrar que as autoridades eram frequentemente indiferentes.

Farida (esq.) mostra a foto de Fahima para oficial ao tentar identificá-la em meio aos corpos
Farida (esq.) mostra a foto de Fahima para oficial ao tentar identificá-la em meio aos corpos
Foto: AP

Sem uma lista única que informasse os resgatados e os mortos, os parentes precisaram aguardar ao redor dos destroços ou tentar a sorte visitando hospitais e necrotérios improvisados, armados apenas com fotografias e orações. Pôsteres com as imagens dos desaparecidos estão espalhados pelos muros e postes do distrito industrial de Savar, no subúrbio de Daca, capital do país, e onde antes se erguia o Rana Plaza. A colagem de faces fornece um constante lembrete da escala do desastre que já deixou ao menos 430 mortos.

"Eu sou pobre, analfabeto, quem vai me ajudar?"

Jahid Sheik acorda próximo ao alvorecer todos os dias para continuar as buscas por sua filha de 18 anos Amena Khatun, que trabalhava no segundo andar do prédio. Ele não para até a meia-noite. Desde que chegou a Savar vindo do sudoeste do país no dia do acidente, ele checou todos os hospitais que abrigaram sobreviventes e visitou todos os lugares para os quais os mortos foram levados. Foi uma decepção atrás da outra.

"Não houve nenhuma ajuda das autoridades", diz o homem de 40 anos. "Eu sou pobre, analfabeto, quem vai me ajudar?"

Polícia prende 4 após desabamento de prédio em Bangladesh:

Junto com outros parentes de desaparecidos, ele compareceu a um enterro coletivo na quarta-feira em Jurain em busca de respostas.

Ele observou enquanto caminhões levavam os corpos através de pistas esburacadas de um subúrbio pobre congestionadas por riquixás e mendigos brigando por território próximo a esgotos a céu aberto. Ele viu os mortos chegarem ao cemitério sob o lamento da sirene de uma ambulância e os assobios dos trabalhadores abrindo caminho na multidão. Ele observou quando os corpos foram descarregados, obrigando adultos e crianças a cobrir seus narizes devido ao fedor insuportável de carne podre.

Ele observou enquanto centenas de homens e meninos fizeram fila e recitaram uma oração muçulmana pedindo paz para os mortos. Então os corpos foram sepultados. Ele não viu sua filha.

"De novo, nada", ele disse.

Ele promete continuar, ao mesmo tempo confortado e entristecido por suas lembranças. Eu vou lembrar até a minha morte o jeito que minha filha me chamava de 'Baba'. Eu nunca vou esquecer aquele som. Minha filha me amava muito", disse.

 Farida (centro) procurar pela cunhada em meio aos corpos que chegaram ao cermitério em Daca
Farida (centro) procurar pela cunhada em meio aos corpos que chegaram ao cermitério em Daca
Foto: AP

"O fogo não a matou, mas desta vez ela se foi"

A polícia aponta que 149 pessoas ainda estão desaparecidas desde o dia 24, mas outras fontes citam que o número é muito maior. Mais de 3,1 mil pessoas trabalhavam nas cinco fábricas de roupa do Rana Plaza, mas ninguém sabe quantas estavam dentro do prédio quando ele desabou. As autoridades descartam rumores de que estão escondendo corpos para manter mais baixa a já apavorante contagem de mortos.

Mohd Rezaul Karim e seu grupo beneficente Hope '87 têm ajudado algumas famílias na busca por desaparecidos, fornecendo-lhes abrigo, comida e transportes, além de imprimir pôsteres e ampliar fotos. Se a busca é bem sucedida, o grupo ajuda a recuperar os corpos para que eles recebam um funeral adequado em seus vilarejos de origem, direito que não é estendido aos corpos enterrados em valas comuns.

"Eles não sabem para onde ir e o que fazer", diz Karim, acrescentando que muitos têm dormido nas ruas. Ele diz que os esforços de busca oficiais têm sido, na melhor das hipóteses, desorganizados.

Horas após a multidão de espectadores e políticos no funeral terem ido para casa e as sepulturas terem sido preenchidas, Karim sentou com Farida e o corpo no aguardo de autoridades que confirmassem a identidade da vítima.

Há dois anos, Fahima, então com 16 anos, deixou a casa família em um vilarejo costeiro próximo à Baía de Bengala em busca de trabalho e orgulho. "Ela era uma guerreira. Não queria ser um fardo para a família, para os irmãos", diz Farida.

"Ela costumava me dizer, 'Por quanto tempo meus irmãos vão alimentar todos vocês trabalhando como diaristas? Eu não quero isso para mim. Eu quero viver por minha conta. Quero me casar com meu próprio dinheiro, não com o dinheiro dos meus irmãos'", relembra Farida.

Como muitas meninas de famílias pobres, ela começou a trabalhar longas horas diárias em uma fábrica de roupa, enviando para casa o dinheiro que conseguia para ajudar os seus pais idosos.

Farida diz que Fahima trabalhava na fábrica Tazreen no ano passado, mas se demitiu após uma disputa salarial. Três dias depois, a fábrica foi destruída em um incêndio que deixou 112 trabalhadores mortos. Mais de 50 daquelas vítimas, queimadas além do ponto de reconhecimento, estão enterrados em sepulturas marcadas apenas por números no mesmo cemitério em que Fahima estaria se Farida não tivesse intervindo.

Após escapar do incêndio, Fahima returnou para o vilarejo para visitar sua preocupada família. "Eu conversei com ela e pedi que retornasse para casa por alguns dias. Eu queria vê-la", disse Farida. "Esta foi a última vez que a vi".

Quando Fahima retornou para Daca, ela achou outro emprego no setor de vestuário, desta vez no Rana Plaza. "O fogo não a matou, mas desta vez ela se foi", diz Farida.

Ela partiu com o corpo de sua cunhada na noite de quarta-feira. Fahima será enterrada ao lado de seus avós. "Eu não tenho mais arrependimentos. Estou feliz", diz Farida. "Ela vai descansar em paz em casa. Ela vai nos ver de seu túmulo. Vamos cuidar dela e ela cuidará de nós". 

Fonte: Terra
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