Opinião: Médicos assassinados: no Brasil, se parecer com alguém pode custar a vida
Nossa segurança pública não tem partido, e tampouco propostas
Logo nas primeiras horas da manhã desta quinta, 5, por volta das 6h, a notícia da execução de três médicos que estavam em um quiosque à beira mar, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, soava como mais um triste atentado do cotidiano carioca. Mais um caso grave que refletia a quase inexistente segurança pública na “Cidade Maravilhosa”. Talvez pela quantidade e constância dessas situações, ainda que choquem, há uma normalização dessas mortes (seja pela mão da polícia, seja pela mão do crime organizado).
Horas depois, com a informação de que uma das vítimas era irmão da deputada federal Sâmia Bomfim (Psol-SP) e cunhado de Glauber Braga (Psol-RJ), o assunto escalou para outro patamar no noticiário. Abriu-se a possibilidade de que esse crime tivesse motivação política. Ambos parlamentares têm atuações combatentes, assim como tinha a vereadora carioca Marielle Franco (Psol), e apontam o dedo para milícias, crime organizado e políticos que atuam para estes grupos.
Por volta das 8h da manhã, uma fonte que trabalha no Psol em Brasília me dizia que ninguém tinha informações novas sobre o crime e as investigações, todos estavam “atordoados” com as mortes.
A principal linha de investigação é de que um dos médicos teria sido confundido com um miliciano. Isso teria bastado para que Diego Ralf Bomfim, 35 anos, irmão da deputada Sâmia, Marcos de Andrade Corsato, 62 anos, Perseu Ribeiro Almeida, 33 anos, e Daniel Sonnewend Proença, 32 anos, fossem alvejados com 33 tiros em cerca de 30 segundos. O único sobrevivente, Proença, se recupera no hospital.
O ambiente de guerra civil no Rio tem uma estrutura extremamente organizada, em que os bandidos têm desde olheiros nas ruas, controle territorial, treinamento tático de guerrilha dentro de centro de lazer, até policiais, políticos e integrantes da burocracia do governo e do Judiciário trabalhando para o crime.
O problema é histórico, complexo e se arrasta em governos mais à esquerda ou à direita e extrema direita. Os chefes das milícias e do tráfico, para tentar se blindar do próprio mundo, circulam pelo Rio dentro de carros blindados e com capangas carregando fuzis.
A falência da segurança pública no Brasil passa por vários governos e espectros políticos e por vários estados. Hoje, o holofote está sobre o Rio, São Paulo e Bahia, mas ocasionalmente se volta para estados do Norte, e para as fronteiras do Centro-Oeste e do Sul. Há falta de coordenação no que virou um jogo de empurra que leva cada vez mais gente para a vala.
O secretário executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Capelli, destacado para acompanhar o caso dos médicos, diz que a política do governo Lula (PT) para a segurança é estruturada, tem inteligência e integração. E que nos próximos meses a sociedade verá a redução das mortes violentas, a ampliação de apreensão de armas e drogas e a maior “asfixia financeira” das organizações criminosas - ou seja, cortar o dinheiro que financia essas estruturas. Veremos.
A falha da segurança pública é um problema nacional, com particularidades regionais e estaduais. A cobrança recai - e com razão - sobre o Executivo, seja no governo municipal, estadual ou federal, que são os responsáveis pela gestão e coordenação das polícias, inteligência, etc. Mas e o Judiciário? Que julga, prende e solta criminosos? E o Congresso?
A pauta de segurança dos deputados e senadores se resumiu à reprodução rasa dos argumentos da extrema direita: mais armas, mais mortes. O interesse é mais em direcionar emendas para compra de armas e equipamentos para empurrar o enfrentamento e mortes para os governantes do que estruturar legislações e propostas efetivas.
Em vez disso, corre uma discussão no Congresso sobre como os parlamentares podem ampliar o controle do Orçamento, enfraquecendo o Executivo. O objetivo é dar mais poder para o Congresso sem aumentar a fiscalização e punições aos congressistas. E não falo só sobre corrupção. Por exemplo, se a aplicação de uma emenda não resultar em uma política pública eficiente, quem será punido?
A vida no Rio seguiu, o quiosque onde houve o assassinato estava cheio de clientes menos de 12 horas depois das mortes. A violência foi banalizada e as soluções não aparecem. Em discussões sobre política pública é comum lembrar da frase do jornalista americano H.L. Mencken (1880-1956): “Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”, estamos, há anos, diante dessa encruzilhada.
Bom fim de semana!
Este texto foi publicado originalmente na newsletter semanal Peneira Política, assinada por Guilherme Mazieiro. Assine aqui e receba os próximos conteúdos.