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Irã, a revolução emparedada

8 jan 2020 - 18h11
(atualizado em 10/1/2020 às 11h26)
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Há três décadas, em janeiro de 1979, deu-se um terremoto político no Oriente Médio. O regime do Xarado - amparado pela Grã-Bretanha desde que Winston Churchill chegara ao Cairo em 1921, para redesenhar o mapa da região em favor do império -  ruiu por completo. O xá Mohamed Reza Pahlevi, que reinava desde 1953 com mão de ferro, de um dia para o outro se tornou um pária, com bem poucos colegas estadistas dispostos a lhe dar abrigo naqueles dias de exílio e desgraça.

Bandeira do Irã em frente ao edifício-sede da AIEA em Viena
09/09/2019
REUTERS/Leonhard Foeger
Bandeira do Irã em frente ao edifício-sede da AIEA em Viena 09/09/2019 REUTERS/Leonhard Foeger
Foto: Reuters

Por 25 anos o poder dele sustentara-se em alguns pilares básicos: a) o exército iraniano, treinado e comandado até 1941 pelo pai dele, Reza Khan, um ex-oficial dos cossacos persas; b) a Savak, a implacável polícia política adestrada desde 1953 pelo general Herbert N. Schwarzkopf na luta contra a oposição; c) o inabalável apoio que os Estados Unidos lhe prestava desde que a Operação Ajax, orquestrada pela CIA e pelo MI-5 britânico, derrubara o ministro nacionalista Mossadegh, em 19 de agosto de 1953, para colocá-lo de volta no poder e, em troca disto, beber-lhe o petróleo a preços módicos enquanto lhe repassava armas no valor de bilhões de dólares e apoio na construção de usinas nucleares; d) a boa cobertura, para não dizer escandalosa, que a mídia ocidental lhe prestava então - particularmente a dos cronistas sociais pagos pelo xá - idolatrando as esposas que ele escolhia (especialmente a bela princesa Soraya Esfandiari, a ‘de olhos tristes’, que não pode lhe dar filhos e tinha o carinho das mulheres ocidentais que se condoíam com aquela situação).

Numa região que entrara em ebulição anti-colonialista, o regime do xá Reza Pahlevi, sentado sobre 1/5 das reservas de petróleo e gás do Oriente Médio, aparecia ao mundo como uma inabalável fortaleza dos interesses ocidentais. Posava como o grão-policial do Golfo Pérsico, corredor de água por onde passa 20 % do petróleo do mundo. Era um anacronismo.

Perseguindo sem descanso qualquer opositor civil ou militar, a Savak mesmo acelerou a sua desgraça. Eliminando fisicamente quem ousasse questionar a Revolução Branca (algo equivalente ao que Kemal Altatürk fizera na Turquia em 1920), desencadeada autoritariamente pelo xá na década de 1960, fez por jogar os clérigos xiitas contra o regime.

Do exílio iraquiano e depois parisiense, onde estava desde 1978 por ter denunciado o governo de Reza Pahlevi como tirânico, o aiatolá Khomeini deu início a uma ampla resistência ao regime. O xá não só era um autocrata como somente tinha olhos para a plutocracia local. Nada sobrava aos pobres. Os delírios de grandeza dele eram um desproposito. Ele, que fora filho de um modesto sargento a serviço dos ingleses, achou-se um Ciro o Grande redivivo (foi famosa a festa que o xá organizou em 1971, como típico nababo oriental, em homenagem aos 2500 anos da fundação do antigo império, na qual queimou 300 milhões de dólares).

Todavia, não deixou de ser surpreendente que a tirania de Pahlevi tenha vindo abaixo em apenas três meses. Desde outubro de 1978 manifestações que partiram da cidade sagrada de Qom, inspiradas no aiatolá exilado, espalharam-se pelo país, atingindo os campos petrolíferos de Abadan. O clímax ocorreu em Teerã. Em dezembro de 1978, dois milhões marcharam pela capital contra o xá. A ocidentalização imposta por ele à nação foi entendida como um ato de um déspota. O exército negou-se a reprimir e o trono sangrento sediado no Palácio Niavaran afundou (o xá morreu no Egito dezoito meses depois).

O vácuo de poder foi imenso. Ainda que o aiatolá Khomeini, que retornara do exílio para ser erguido pelos braços de milhões de iranianos (que o receberam como se fora o Mahdi, o 12º Imã), exercesse uma autoridade moral imensa sobre a recém instituída República Islâmica, não conseguiu evitar a dilaceração das forças que se uniram para combater a tirania: a esquerda, os liberais e os fundamentalistas.

Paralelamente a isto, o mundo impressionou-se com o que viu pelas ruas do Irã. Multidões de mulheres vestidas totalmente de preto irmanavam-se aos homens no fervor medieval em que celebravam os lideres religiosos. Uma embriaguês mística tomou conta dos peregrinos que se dirigiam à mesquita de Jamkaran, em Qom. Era como se um país inteiro, exultante, em repúdio à modernidade, rumasse de volta para o ano mil. Os vizinhos muçulmanos sunitas do Irã temeram a contaminação.

A então União Soviética foi mais longe, ocupando o Afeganistão a partir de dezembro de 1979 em apoio aos comunistas locais que temiam as conseqüências da revolta islâmica dos mujahidins. O tirano do Iraque, Saddam Hussein, por igual, radicalizou, atacando o regime dos aiatolás de surpresa em 1980, causando a perda de 750 mil vidas de iranianos (o que ajudou a consolidar o fronte interno iraniano, fazendo cessar as lutas fratricidas).

Transcorridos os 30 anos da Revolução Islâmica, o Irã continua isolado e ameaçado. Tropas norte-americanas e de seus aliados ocupam o Iraque e o Afeganistão, enquanto o governo colaboracionista do Paquistão empresta suas armas para combater a resistência muçulmana que assola os americanos dos altos do Hindu Kush. A US Navy, por seu lado, mantém seus lança-misseis atômicos no Golfo Pérsico. Até o presidente Sarkozy, da França decidiu pressionar Teerã, criando uma base aeronaval em Abu Dhabi nos Emirados Árabes. A reeleição de Mahmoud Ahmadinejad é o resultado disso tudo. 

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Fonte: Especial para Terra
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