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Coronavírus

Ver pessoas dormindo ou estudando é a nova moda das lives

Transmissões saciam a curiosidade pela vida real, a busca por inspiração ou até o voyeurismo

8 set 2020 - 05h12
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O primeiro dilema do resto de nossas vidas costuma se apresentar ainda na adolescência, quando no silêncio do quarto nos perguntamos: estudar ou dormir? Quem poderia imaginar que essa mesma questão voltaria a se impor agora, em tempos pandêmicos? O que você prefere: velar o sono de um estranho ou assistir a alguém estudando por 12 horas?

Esqueça aquela live superproduzida do seu artista preferido. O momento pede atrações de baixo orçamento e proposta mais reflexiva. A curiosidade pela "vida real", a "busca por inspiração" ou até um inconfessável "voyeurismo" estão alimentando a audiência desse tipo de transmissão em plataformas como TikTok, YouTube, Instagram e Facebook.

O soninho ao vivo é uma tendência com raízes norte-americanas e chinesas. Nestes países, existem relatos de monetização do sono (nas plataformas que permitem compensações financeiras por parte da audiência). No Brasil, no início de agosto, a imprensa especializada informou que a influenciadora Tainá Costa teve a soneca fiscalizada por mais de 20 mil de seus mais de 8 milhões de seguidores.

Diego Henrique da Silva Mendes, de 27 anos, decidiu entrar no negócio do sono sem muitas pretensões financeiras. "Meu objetivo não é dinheiro. Ao contrário, quando estou dormindo na live, o mais importante não sou eu. A ideia é que as pessoas transformem a live em uma sala de bate-papo, que troquem ideias e se conheçam", disse.

Mendes também atende à demanda de seus seguidores por mais "dormidas", deixando apenas uma foto no "ao vivo". Na imagem, ele está dormindo na mesa da cozinha, ainda de óculos e com uma bolacha na boca. Vê-se ali uma influência clara do cinema de Jean-Luc Godard.

Na mesma categoria, mas com mais ousadia, está o autodenominado "Rei das Lives", Juan Victor, de 24 anos. Ele elevou as "lives de sono" para outro patamar. Suas principais obras são: dormindo no chão (que teve repercussão moderada); dormindo em cima do telhado (ganhou mais de 10 mil seguidores); dormindo na rodovia (que teve um pico de 52 mil pessoas assistindo simultaneamente). "Moro em Itaquaquecetuba, a live da rodovia foi feita no Rodoanel. Foi um grande sucesso", comemora Victor - que já está pensando em novos desafios.

Agora, o dilema do início dessa reportagem trazia uma outra opção: estudar. As lives em que os usuários podem assistir a alguém se dedicando aos estudos também são um sucesso durante a pandemia da covid-19. Trata-se de uma tendência global chamada Study With Me (Estude Comigo) - que, no Brasil, já possui adeptos com mais de 240 mil views no YouTube.

Como em um filme iraniano, os criadores deixam a câmera ligada enquanto fazem suas atividades acadêmicas, oferecendo uma companhia virtual a outros estudantes. Isabella Maria de Freitas Faria, de 24 anos, é formada em medicina e está estudando para fazer residência nos EUA. "Eu conheci esse tipo de transmissão com estudantes internacionais, alunos de universidades famosas que transmitem uma ou duas horas de estudo."

Isabella explica que, além de ficar mais concentrada por saber que está sendo acompanhada por milhares de pessoas, as lives acabam sendo um incentivo para quem precisa estudar também. "Eu recebi mensagem de pessoas que estavam com dificuldade de concentração e organização de estudos durante a pandemia, mas que, com as lives, tiveram o incentivo necessário para focar as matérias", disse.

Durante as transmissões, o microfone e o áudio ficam desligados. A audiência pode interagir entre si (por mensagem de texto), mas não atrapalha quem está estudando. A live mais longa de Isabella durou 12 horas - com apenas pequenos intervalos. "No total, foram 10 horas de estudo", revelou.

Perfumes e serial killers. Além das sonecas e das horas de estudo, outros vídeos ou lives têm se destacado durante pandemia. Por exemplo, com a impossibilidade de ir a uma loja de perfumes para experimentar as mais variadas fragrâncias, os youtubers especializados em reviews de perfume estão em alta. O Brasil só fica atrás dos EUA nesse mercado de especialistas que fazem vídeos sobre o tema.

Segundo o YouTube, a média de visualizações diárias de vídeos de canais que fazem análises de fragrâncias aumentou 60% de 1º de janeiro de 2020 a 24 de junho de 2020 em comparação com o mesmo período de 2019. Os homens se destacam dentro desse universo - um exemplo é o alemão Jeremy Fragrance, cujo canal conta com mais de 1 milhão de inscritos. No Brasil, os destaques são os canais de Junior Barreiro e Jhony Togneri.

Outro fenômeno curioso é a procura por vídeos ou lives com histórias de terror, bizarras ou de serial killers. A modelo Fernanda Schneider, de 18 anos, faz sucesso contando histórias horripilantes em seus canais do TikTok e YouTube. "Eu sempre tive muito medo desse tipo de história, mas, ao mesmo tempo, sempre tive também muita curiosidade e interesse por esse mundo 'macabro' e por histórias reais de serial killers", disse. "Desde pequena, gostava de ver documentários e entender a mente deles, então, quando entrei no TikTok, eu não queria fazer só dancinhas, queria trazer também um conteúdo diferente do que a gente geralmente vê, um assunto que é muito curioso e pouco falado nas redes sociais."

Segundo ela, o vídeo mais visualizado é uma história real: "É a história de uma intercambista que estava sendo vigiada por um estranho que estava morando embaixo da sua cama e tinha o plano de matá-la. Escutei essa história da minha mãe, mas foi divulgada em vários jornais na época, ficou bastante conhecida", contou.

Vamos Jogar? Tem quem prefira algo mais interativo do que, simplesmente, assistir a uma live. A tendência mais marcante dessa temporada é o filtro do Instagram com o tema "Gugu na Minha Casa" - uma referência ao famoso quadro do apresentador Gugu Liberato (1959- 2019) no programa Domingo Legal, do SBT. No quadro, artistas e anônimos eram instados a procurar objetos específicos em sua casa, que podiam variar entre "um rolo do papel higiênico" ou "um livro do Camus".

Com o filtro, o usuário pode se sentir dentro do programa. A brincadeira costuma acontecer em grupos de WhatsApp (com usuários desafiando outros a encontrarem objetos em suas casas). Depois, invariavelmente, os vídeos são postados nas redes sociais.

O criador do filtro foi o designer digital Gustavo Vitulo, de 25 anos. "Eu crio filtros em realidade aumentada no Instagram há mais de um ano, e todos sempre foram voltados para conteúdos engraçados e que engajam bastante. Eu tinha uma ideia de fazer algo que remetesse a brincadeiras antigas da TV. Assim que lancei o filtro, teve um alcance que não imaginava e, em pouco menos de uma semana, o filtro teve mais de 100 milhões de impressões", conta. A versão mais divertida que Vitulo pôde acompanhar incluía a procura por pets. "Acho que o mais legal foi um que as pessoas tinham que procurar o pet (gato, cachorro, papagaio). Então, o que mais rolava era o povo correndo atrás do cachorro pela casa para fazer aquele ponto."

Estadão
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