Pasta d'água para skincare? Veja o que dizem dermatologistas sobre uso contínuo do produto
MEDICAMENTO É CITADO EM VÁRIOS VÍDEOS NAS REDES SOCIAIS, MAS MÉDICOS ALERTAM QUE USO DIÁRIO PODE CAUSAR IRRITAÇÕES E ATÉ PIORAR ALGUNS QUADROS
Conhecida como uma solução barata e eficaz para tratar assaduras, queimaduras e pequenas irritações na pele, a pasta d'água invadiu as redes sociais nas últimas semanas e "hitou". Diversas publicações no Instagram e TikTok apresentam o produto como mais um dos itens para usar diariamente na rotina de skincare e no tratamento de acne e manchas, como o melasma.
Mas é preciso calma: por um lado, a pasta d'água tem benefícios comprovados cientificamente e não é a vilã da história. Por outro, dermatologistas recomendam cautela no uso do produto, já que ele não foi feito para ser aplicado diariamente em toda a pele do rosto.
O uso indiscriminado pode trazer problemas a longo prazo, como sensibilidade e irritação na pele. Além disso, a pasta d'água não tem efeito terapêutico contra o melasma, embora ofereça uma barreira de proteção contra raios UV. Isso acaba ajudando a clarear a pele, o que torna a pasta d'água uma aliada na luta contra as manchas.
O Estadão Verifica conversou com dermatologistas para entender quais os benefícios cientificamente comprovados da pasta d'água e até que ponto o uso dela na rotina de skincare é recomendado.
Do que é feita a pasta d'água e para que ela serve?
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) considera a pasta d'água um medicamento de baixo risco com registro de diversos fabricantes. Os regularizados, segundo a agência, possuem "indicação aprovada de antisséptico, secativo e cicatrizante".
O principal ativo da fórmula é o óxido de zinco, uma substância adstringente, antisséptica, cicatrizante e antiinflamatória. A pasta também contém glicerina, talco e água.
De acordo com o dermatologista Daniel Coimbra, coordenador do Departamento de Cosmiatria da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), ela é amplamente utilizada na área há muitos anos e tem benefícios comprovados, sobretudo em condições inflamatórias, como dermatite de fralda, irritações na pele e queimaduras superficiais.
"Ela funciona como uma barreira na pele tanto contra os raios UV quanto contra alguns microorganismos e é excelente quando você usa nestas condições por períodos limitados", explicou. "Também serve como proteção solar, é usada em muitos protetores, tanto que muitos surfistas usam. E, por ter glicerina, também tem um efeito de hidratação".
A também médica dermatologista Paula Brigagão Alcântara, formada pela Santa Casa de São Paulo, aponta que a pasta d'água é usada há décadas para diversas dermatites - e em alguns casos até na escabiose, principalmente em crianças.
"Este é um composto com efeito calmante, cicatrizante, fotoprotetor e possui estudos com eficácia na associação do tratamento da acne, rosácea, dermatites e melasma", disse.
No entanto, todos esses benefícios de se usar o produto por períodos limitados podem se converter em problemas em caso de uso contínuo e indiscriminado.
O que acontece quando se faz uso contínuo da pasta?
O dermatologista Daniel Coimbra explica que o óxido de zinco é o principal agente da pasta d'água e, pela sua ação adstringente, ele modula a oleosidade da pele. O mesmo acontece com o talco, que diminui a umidade de áreas de dobras.
"Essa redução da umidade é boa, mas não a longo prazo. O uso crônico tem um problema porque ele vai levar ao ressecamento da pele pelo efeito da diminuição do sebo, relacionado à ação do óxido de zinco e do talco", disse.
A longo prazo, a pele, mesmo oleosa, tende a ficar mais ressecada. "O efeito adstringente limita a água na pele e ela fica mais ressecada, com tendência à descamação, aumenta a irritabilidade. Ou seja, ela é indicada para ser usada em períodos curtos, quando é necessária", completou.
Um exemplo de como o uso pode ser benéfico a curto prazo e maléfico por longos períodos é o caso da acne. De fato, a pasta d'água ajuda a secar espinhas: o óxido de zinco diminui o sebo na pele e tem um efeito transitório nos poros, podendo fazê-los diminuir.
"Mas, o uso a longo prazo, e uma ou duas vezes ao dia, retira demais o sebo e isso altera a permeabilidade da água na pele, que desidrata, perde a camada lipídica e você pode acabar mudando a flora bacteriana da pele", afirmou Coimbra.
Se a pele for oleosa, esses efeitos podem demorar um pouco mais a aparecer, mas na pele seca vão logo se manifestar: a pele tende a ficar mais vermelha, com mais linhas, pode ter uma aparência envelhecida e até mais áspera, mesmo com a presença da glicerina.
A dermatologista Paula Brigagão Alcântara concorda. Para ela, de acordo com a necessidade e o tipo de pele de cada paciente, a pasta pode ser usada de uma a três vezes ao dia, mas o uso contínuo pode não ser interessante.
"A pasta forma uma película de proteção na pele, e justamente por fazer essa barreira, ela pode piorar o quadro. Por mais que ela tenha uma atividade bactericida, a longo prazo ela pode piorar casos de acne, por exemplo, por causa do efeito oclusivo [dificuldade de respiração dos poros e acúmulo de células mortas]", explicou.
A pasta d'água serve para tratar melasma?
Não é bem assim. O melasma é uma condição caracterizada pela presença de manchas escuras na pele, que acomete principalmente mulheres e que pode ser desencadeada por questões hormonais e pela exposição ao sol. O tratamento envolve o uso de cremes clareadores, peeling, microagulhamento e uso de lasers.
O vídeo de Rodrigo não cita o melasma, mas usa o termo na tags, como "#melasmatemsolução". Nas redes, diversos outros conteúdos se multiplicam apontando a pasta d'água como uma espécie de clareador barato para essas manchas escuras no rosto, mas o medicamento atua, neste caso, como um aliado, não como um tratamento propriamente dito.
O dermatologista Daniel Coimbra destaca que, nestes casos, a pasta ajuda na proteção contra o sol. "A única ação dela no melasma seria a ação fotoprotetora, porque você cria uma barreira física e, com isso, você tem uma tendência a diminuir a pigmentação da pele. Ele não age diretamente, mas tudo que aumenta a proteção contra raios vai ter um efeito clareador", explica.
Como escolher um bom protetor solar para a pele com melasma?
Rodrigo Andrade diz que a pasta d'água "não opera milagres sozinha nem trata melasma", mas ele defende que o produto pode ajudar pessoas com a condição. "Pode ser um ótimo coadjuvante para evitar novas manchas, ao formar uma película protetora na face", disse.
A dermatologista Paula Brigagão Alcântara aponta que o melasma é uma desordem de pigmentação de pele complexa que envolve vários fatores, e pensar na pasta d'água como um tratamento seria subestimar o próprio melasma.
Ela explica que a doença não tem cura, mas tem tratamento que envolve associações de medicamentos, com a fotoproteção associada a ativos despigmentantes, como hidroquinona e ácido kójico.
A médica aponta que um estudo comparou a ação do óxido de zinco e a da medicação padrão contra o melasma. O óxido de zinco, que está presente na pasta d'água, não foi considerado altamente eficaz. No entanto, ele pode "ser útil em associação para a fotoproteção ou como auxílio na hidratação da pele, mas não como terapia isolada".
Apesar disso, não é raro ver publicações, inclusive de dermatologistas, indicando a pasta como uma solução para o melasma. "A disseminação desses conteúdos na internet tem feito uma coisa de criar fórmulas milagrosas como se tivesse o mesmo efeito pra todo mundo", destacou Paula. "Mas os tratamentos têm que ser feitos de forma diferente, porque as peles são diferentes. Você precisa conhecer a sua própria pele e ser orientado por um profissional".
Isso vale para a pasta d'água, mas também para outros produtos, como ácidos, séruns, vitaminas e niacinamida, já que eles também têm benefícios e efeitos colaterais.
