Como petróleo, drogas e imigração abasteceram a campanha de Trump contra a Venezuela
Novos detalhes mostram como interesses sobrepostos de aliados conduziram os Estados Unidos a um confronto militarizado na Venezuela
A administração Trump intensificou ações militarizadas contra a Venezuela em 2025, mesclando interesses políticos, econômicos e contra o narcotráfico, com ataques controversos a embarcações e deportações, enquanto buscava pressionar o regime de Maduro e assegurar controle sobre recursos petrolíferos.
Em uma noite de primavera no Salão Oval, o presidente Donald Trump perguntou ao secretário de Estado, Marco Rubio, como endurecer a postura contra a Venezuela.
Era pouco antes do Memorial Day - e parlamentares cubano-americanos de direita, cujos votos Trump precisava para aprovar seu projeto de lei de política interna, pressionavam o presidente a apertar o cerco contra a Venezuela, interrompendo as operações petrolíferas da Chevron no País.
Mas Trump não queria perder o único ponto de apoio dos EUA na indústria petrolífera venezuelana, onde a China é o maior ator estrangeiro.
O presidente estava considerando permitir que a Chevron continuasse em operação. Mas ele disse a Rubio, um defensor ferrenho das políticas agressivas contra Cuba e contra a Venezuela, que eles precisavam mostrar aos parlamentares e outros céticos que poderiam punir Nicolás Maduro, o líder autocrático de esquerda na Venezuela, que Trump tentou derrubar em seu primeiro mandato.
Outro assessor presente na sala, Stephen Miller, disse que tinha ideias. Como conselheiro de segurança interna de Trump, ele vinha conversando com outros funcionários sobre a promessa de campanha presidencial de bombardear laboratórios de fentanil.
Por várias razões, essa ideia havia desaparecido e, nas últimas semanas, Miller passou a estudar ataques a barcos suspeitos de transportar drogas na costa da América Central.
Este relato de como a Venezuela passou a ocupar o centro da agenda de política externa do governo este ano — a ponto de uma possível guerra — é baseado em entrevistas com autoridades dos EUA, atuais e antigas. Quase todas concordaram em falar apenas sob condição de anonimato devido à sensibilidade do assunto em relação à segurança nacional.
Entre as conclusões:
- Miller disse aos funcionários da Casa Branca, na primavera, para explorarem maneiras de atacar os cartéis de drogas em seus países de origem na América Latina. Miller queria ataques que pudessem chamar a atenção generalizada para criar um efeito dissuasivo.
- O foco na Venezuela intensificou-se após o final de maio, quando Trump ficou irritado com as difíceis negociações envolvendo a Chevron. O petróleo venezuelano tem sido mais central nas deliberações de Trump do que anteriormente relatado.
- Em reuniões no início do verão, Rubio e Miller conversaram com Trump sobre atacar a Venezuela. O presidente pareceu convencido pelo argumento de Rubio de que Maduro deveria ser visto como um chefão do tráfico de drogas.
- Miller disse aos funcionários que, se os Estados Unidos e a Venezuela entrassem em guerra, o governo poderia invocar novamente a Lei dos Inimigos Estrangeiros (Alien Enemies Act), uma lei do século 18, para acelerar a deportação de centenas de milhares de venezuelanos aos quais o governo retirou o status de proteção temporária. Ele e Rubio já haviam usado a lei no início do ano para deportar sumariamente centenas de venezuelanos para uma prisão notória em El Salvador, mas foram impedidos por decisões judiciais.
- A ordem secreta para ação militar contra os cartéis que Trump assinou em 25 de julho, pedindo ataques marítimos, é a primeira diretiva escrita conhecida do presidente sobre tais ataques. Autoridades do governo se referiram aos ataques aos barcos como "Fase Um", com a SEAL Team Six assumindo a liderança. Eles discutiram também uma possível "Fase Dois", com unidades da Força Delta do Exército realizando operações terrestres
- O secretário de Defesa, Pete Hegseth, impediu que muitos oficiais militares e advogados de carreira participassem da elaboração da "ordem de execução" sobre os ataques aos barcos. Como resultado, a ordem apresentava lacunas problemáticas, incluindo a falta de linguagem sobre como lidar com os sobreviventes, por exemplo.
Rubio, Miller e outros dirigentes supervisionaram um processo muitas vezes caótico e envolto em sigilo. A capacidade de conter o planejamento a um círculo fechado foi auxiliada pelo desmantelamento, ao longo do ano, de partes da burocracia federal, incluindo o Conselho de Segurança Nacional, que coordena as discussões entre agências.
Em setembro, o governo entrou na fase mais sangrenta de sua campanha contra Maduro até o momento. Isso significa 29 ataques letais a barcos nos últimos quatro meses, operações que muitos especialistas jurídicos consideram assassinatos ou crimes de guerra.
O governo afirma ter informações de inteligência ligando os barcos ao tráfico de drogas, mas não apresentou publicamente provas para essa afirmação.
Anna Kelly, porta-voz da Casa Branca, disse em comunicado que o governo está trabalhando "para cumprir a agenda do presidente de manter esse veneno fora de nossas comunidades".
Rubio disse a repórteres, em 19 de dezembro, que o objetivo dos ataques aos barcos era garantir que "ninguém mais quisesse embarcar em barcos de drogas", incutindo neles o "medo da morte'". E ele reiterou que o Departamento de Justiça obteve uma acusação do grande júri contra Maduro, em 2020, sob a acusação de trabalhar com produtores colombianos de cocaína, que às vezes enviam seus produtos através da Venezuela. O governo de Maduro, disse ele, é "um regime ilegítimo que coopera abertamente com elementos terroristas".
'Invasão' na primavera
As sementes da militarização da abordagem a Maduro e aos venezuelanos foram plantadas em fevereiro, quando Rubio fechou um acordo com Nayib Bukele, o líder autoritário de El Salvador, em sua mansão à beira do lago: os Estados Unidos pagariam quase US$ 5 milhões para enviar cerca de 300 venezuelanos acusados de serem membros de gangues para o Centro de Confinamento de Terroristas (CECOT) de El Salvador.
Logo após sua visita a Bukele, Rubio designou oito grupos criminosos latino-americanos como organizações terroristas estrangeiras. O Tren de Aragua, uma gangue venezuelana, estava no topo da lista.
Miller já havia encontrado uma ferramenta para contornar o devido processo legal: a Lei dos Inimigos Estrangeiros, do século 18, que permite a detenção imediata e a deportação de cidadãos de um país que invadiu os Estados Unidos ou está em guerra com eles.
Trump assinou uma ordem executiva em março invocando a lei, com um título alertando sobre "a invasão dos Estados Unidos pelo Tren de Aragua".
Em retrospectiva, a ordem foi um importante golpe inicial contra Maduro: foi a primeira vez que o governo formalmente enquadrou a relação entre Maduro e EUA como uma espécie de guerra. Contrariando uma avaliação secreta da inteligência americana, ela afirmava que o Tren de Aragua era um instrumento de Maduro.
Muitos dos mais de 250 venezuelanos enviados para El Salvador não tinham vínculos com o Tren de Aragua, nem antecedentes criminais notáveis, e alguns descreveram tortura e abusos generalizados na prisão CECOT.
Os tribunais logo decidiram que a imigração ilegal não conta como o tipo de invasão que justifica o uso da lei de deportação em tempo de guerra. Mas Miller posteriormente falou sobre reviver o uso da Lei de Inimigos Estrangeiros se os Estados Unidos estivessem em uma guerra real com a Venezuela, disse um ex-funcionário dos EUA à reportagem.
Ao mesmo tempo, Miller estava explorando políticas não relacionadas à Venezuela que, como as deportações, tinham suas raízes na chamada guerra dos EUA contra o terror. Ele considerou a ideia de bombardear laboratórios de fentanil no México. Mas ficou claro que os líderes mexicanos não concordariam, e o governo temia perder sua cooperação em questões relacionadas a drogas e imigração. O Washington Post já tinha noticiado as discussões de Miller sobre atacar cartéis no México.
No início de maio, a equipe de Miller começou a pedir mais opções para usar a força contra os cartéis de drogas.
Funcionários da Casa Branca e outros discutiram ideias relativamente mais restritas, incluindo o uso da CIA para realizar ataques secretos a barcos atracados que não tivessem pessoas a bordo. Mas a equipe de Miller queria divulgar os ataques. Autoridades também discutiram a possibilidade de explodir barcos falsos de drogas para instilar medo nos traficantes. Mas os assessores de Miller queriam algo real, disseram as autoridades ouvidas.
Em junho, um pedido para explorar uma possível operação marítima circulava no Pentágono. Ainda não estava focado na Venezuela, mas isso logo mudaria — impulsionado pelo interesse de Trump, há anos, no recurso mais valioso do País.
Confronto pelo petróleo
Durante anos, a Chevron deteve um privilégio único no mundo corporativo dos EUA: a permissão dos governos dos Estados Unidos e da Venezuela para produzir e exportar petróleo em joint ventures.
Por causa disso, a empresa se tornou uma moeda de troca este ano em negociações secretas entre Trump, Maduro e legisladores americanos — e se envolveu em uma ação crucial de Trump em direção à ação militar.
Tudo começou quando legisladores cubano americanos pressionaram Trump, no início deste ano, para encerrar a licença confidencial da Chevron, em vigor desde a era Biden. Depois que Trump e Rubio anunciaram, no final de fevereiro, que fariam isso, Maduro parou de aceitar voos de deportação de venezuelanos. Maduro havia concordado com a medida em 31 de janeiro, com Richard Grenell, enviado especial de Trump.
O CEO da Chevron, Mike Wirth, pressionou o governo por uma extensão da licença, conversando com Trump várias vezes nos meses seguintes.
Os legisladores cubano americanos souberam que a licença poderia ser prorrogada e ameaçaram retirar seus votos para a legislação emblemática de Trump, apelidado de One Big Beautiful Bill" (Um grande e belo projeto).
Na reunião no Salão Oval no final de maio, Trump disse a Rubio e Miller que precisava aprovar o projeto de lei. Mas ele disse que tinha ouvido falar das desvantagens de encerrar a licença, incluindo que empresas chinesas assumiriam as participações da Chevron, segundo declarou um oficial.
Essa diretiva secreta de Trump foi mantida em sigilo até que o The New York Times noticiou sua existência no início de agosto.
A ordem de duas páginas continha uma proposta escrita, até então não divulgada, para ataques a embarcações. Ela instruía Hegseth a atacar embarcações em águas internacionais que transportassem drogas para qualquer um dos 24 grupos "narcoterroristas" latino-americanos. A lista anexada incluía grupos da Venezuela.
Em governos anteriores, muitos advogados fardados e especialistas operacionais do Pentágono teriam sido convidados para reuniões e para discutir a diretiva. O Conselho de Segurança Nacional teria convocado discussões entre as agências. Nada disso aconteceu.
Embora a ordem militar inicialmente tenha permanecido em segredo, as ações públicas do governo apontavam Maduro como o alvo final da campanha.
A lista secreta de 24 grupos incluía grandes cartéis e grupos que o governo Trump havia designado formalmente como terroristas, juntamente com várias gangues mexicanas relativamente obscuras.
No mesmo dia em que Trump assinou a diretiva, o Departamento do Tesouro anunciou sanções contra o "Cartel de los Soles", uma gíria para a corrupção relacionada às drogas nas forças armadas da Venezuela, declarando-o uma organização terrorista liderada por Maduro. O nome estava no final da lista secreta de Trump.
Em 27 de julho, Rubio declarou que Maduro havia roubado uma eleição um ano antes e era o chefe de um cartel, e não um presidente legítimo. Pouco mais de uma semana depois, ele e a procuradora-geral Pam Bondi anunciaram a duplicação da recompensa por informações que levassem à prisão ou condenação de Maduro, para US$ 50 milhões.
Na mesma época, um nomeado por Trump, com pouca experiência em leis de segurança nacional, estava redigindo um memorando do Departamento de Justiça dizendo que os ataques a barcos seriam legais com base nos poderes de Trump em tempo de guerra. A aprovação legal foi desenvolvida no final de julho, quando o Senado confirmou os dois principais advogados responsáveis pela revisão de tal operação — T. Elliot Gaiser, chefe do Escritório de Assessoria Jurídica do Departamento, e Earl G. Matthews, consultor jurídico geral do Pentágono. Eles foram essencialmente apresentados a um acordo já fechado.
Funcionários do Escritório de Assessoria Jurídica informaram verbalmente ao governo que a operação seria legal e, em seguida, finalizaram seu memorando por escrito em 5 de setembro. Quando advogados de outras agências levantaram preocupações, foi-lhes dito que não havia nada a ser debatido, pois o Departamento de Justiça já havia aprovado.
No Pentágono, um pequeno círculo de funcionários mergulhou no planejamento operacional secreto para ataques a barcos.
Hegseth assinou uma ordem de execução que criou a estrutura operacional para os ataques. Datada de 5 de agosto e redigida sem a contribuição de muitos funcionários de carreira do Pentágono, ela reproduzia a linguagem de ordens anteriores desenvolvidas para ataques com drones contra alvos da Al-Qaeda em locais como a zona rural do Iêmen.
Faltavam elementos cruciais para operações marítimas — incluindo qualquer menção ao que fazer com os sobreviventes de um ataque, segundo funcionários ouvidos pela reportagem.
Durante o planejamento, um assessor de Miller, Anthony Salisbury, pressionou o Pentágono por maneiras de expandir o escopo das operações, incluindo a flexibilização de padrões — como o nível de confiança que os oficiais militares precisariam ter de que um alvo atendesse aos critérios.
O general Dan Caine, chefe do Estado-Maior, órgão ligado ao Departamento de Defesa, aconselhou que os militares estabelecessem critérios de seleção de alvos, usando as lições aprendidas nas guerras pós-11 de setembro. Kelly, porta-voz da Casa Branca, disse que o relato sobre o papel de Salisbury era "inventado".
Hegseth praticamente excluiu do processo o almirante Alvin Holsey, chefe do Comando Sul, que supervisiona as forças da região. Holsey havia começado a questionar os planos. Durante vários meses, Hegseth alegou que o almirante não estava conduzindo a missão de combate ao tráfico de drogas de forma suficientemente agressiva. Holsey anunciou abruptamente em outubro que deixaria seu cargo mais cedo, no final do ano. Seus motivos permanecem obscuros.
O Pentágono também ignorou um processo chamado Resposta a Ameaças Operacionais Marítimas, usado para obter informações de várias agências ao propor uma ação marítima com implicações internacionais, disse William D. Baumgartner, contra-almirante aposentado da Guarda Costeira e advogado que supervisionava as operações no Caribe.
Em 2 de setembro, quando as forças americanas detectaram uma lancha com 11 pessoas a bordo, Hegseth deu a ordem para atacar. Trump postou um vídeo editado mostrando um único ataque destruindo o barco.
Entre os destroços
Na verdade, após o primeiro míssil atingir o alvo, dois homens saíram da água e subiram no casco virado, acenando, segundo pessoas que viram o vídeo completo do ataque.
Frank M. Bradley, comandante três estrelas do Comando Conjunto de Operações Especiais, força responsável pelo ataque, havia ensaiado em agosto cenários em que poderia haver sobreviventes. Ele ordenou ataques adicionais, afundando os destroços e matando os sobreviventes iniciais.
Outros ataques seguiram logo em seguida. Enquanto Rubio se tornou o defensor público dos ataques, Miller se tornou o supervisor da Casa Branca — ele convocou reuniões regulares em grupo que incluíam o Pentágono e outras agências, conforme relatou anteriormente o Guardian
Então, em 16 de outubro, após um ataque no Mar do Caribe, oficiais militares avistaram dois sobreviventes.
Desta vez, um helicóptero resgatou os homens e os levou a bordo do USS Iwo Jima. O governo dos EUA logo os enviou para seus países de origem, Colômbia e Equador. Eles não foram acusados em seus países.
O episódio desencadeou uma disputa secreta — e tardia — no Pentágono sobre a questão dos sobreviventes. Em ligações separadas com o Departamento de Estado, oficiais do Pentágono chegaram a propor enviá-los para a CECOT, a prisão salvadorenha, repatriá-los ou enviá-los para um terceiro país.
Advogados militares revisaram várias vezes a "ordem de execução" básica para incluir menção aos sobreviventes, disseram autoridades. Outras autoridades afirmaram que as alterações refletiam um planejamento anterior. As revisões determinavam que os militares deveriam tratar os detidos de acordo com o direito internacional.
Mas autoridades de alto escalão deixaram claro em conversas internas que a melhor opção, caso sobreviventes fossem avistados na água, era pedir a um governo próximo que os resgatasse, em vez de as forças americanas fazerem isso, disse uma autoridade ouvida.
O Pentágono se recusou a comentar, seguindo sua prática padrão sobre ordens de execução.
À medida que os ataques continuam, Trump, Rubio e Miller passaram para a próxima fase da campanha contra Maduro: apreender petroleiros para privar a Venezuela de receitas.
Eles dizem que Maduro deve devolver o petróleo e outros ativos "roubados" dos Estados Unidos antes que eles suspendam o que Trump chamou de bloqueio.
Em suas primeiras semanas, a tática abalou a economia da Venezuela ao paralisar sua indústria petrolífera. Os críticos chamam isso de diplomacia das canhoneiras ou, como diz Maduro, "uma pretensão belicista e colonialista".
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