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Quatro desafios para um presidente que assume com 68% de rejeição

2 set 2016 - 06h49
(atualizado às 08h31)
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Temer tomou posse na quarta, após aprovação do impeachment de Dilma
Temer tomou posse na quarta, após aprovação do impeachment de Dilma
Foto: Beto Barata/PR

As horas seguintes à posse do presidente Michel Temer foram marcadas por protestos em várias capitais. Nas redes sociais, brasileiros dividiam-se entre os que comemoravam o afastamento de Dilma Rousseff e os que o consideravam um golpe, chamando o novo governo de "ilegítimo".

Com 68% de desaprovação em agosto - segundo pesquisa da consultoria Ipsos -, Temer tem desafios à frente para conquistar uma opinião pública frustrada com a crise e com a classe política.

Conheça quatro destes desafios:

1. Melhorar a economia, e levar essa melhora à população

O principal desafio de Temer frente à opinião pública não é apenas combater a crise econômica, mas assegurar que isso traga reflexos positivos na vida dos brasileiros. Parte de sua baixa popularidade é proveniente, segundo a consultoria Ipsos, da falta de impactos sensíveis das ações anunciadas pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

De julho a agosto, a rejeição ao presidente cresceu quando o assunto é economia. Nesse período, a porcentagem das pessoas que desaprovavam a atuação de Temer no combate à inflação passou de 56% para 61%.

Em entrevista à BBC Brasil no mês passado, Danilo Cersosimo, diretor da consultoria, disse que "a mensagem do governo de colocar a casa em ordem não chegou à população".

Henrique Meirelles e Temer no anúncio das medidas econômicas
Henrique Meirelles e Temer no anúncio das medidas econômicas
Foto: Beto Barata/PR

Mais do que um líder carismático ou leal a seus aliados, os brasileiros hoje querem alguém que acabe com a crise, dizem os entrevistados.

"A questão tem que ser olhada de maneira objetiva: o país entrou numa recessão violenta, a rotina dos brasileiros mudou, as famílias estão perdendo renda. A opinião pública quer emprego. Mas isso não é possível sem conseguir o equilíbrio fiscal e as bases do crescimento", diz Ricardo Ismael, cientista político e professor da PUC-Rio.

Por isso, afirma o cientista político, a primeira tarefa de Temer é articular no Congresso a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que estabelece um teto para o crescimento dos gastos públicos.

"Dilma não conseguiu ter apoio para aprovar e implementar as medidas necessárias para o Brasil voltar a crescer. Esse é o elemento central agora: mercado, empresários e trabalhadores estão na expectativa. É o ponto que vai legitimar o governo."

Algumas dessas medidas, no entanto, podem ser bastante impopulares, como o aumento da idade mínima para aposentadoria e o corte dos investimentos em saúde e educação. Mas não necessariamente a recepção dos brasileiros será negativa, pondera o cientista político e professor da Unesp Marco Aurélio Nogueira. Tudo depende de como o governo vai apresentá-las e se abrirá espaço para discussão.

"Com um corte dos gastos de educação pode haver uma mudança da política educacional para priorizar o ensino fundamental, que é um grande gargalo. Dependendo de como for feito, posso mudar a minha opinião."

Temer terá que lidar com uma população desconfiada dos políticos
Temer terá que lidar com uma população desconfiada dos políticos
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas

2. Conquistar uma população desconfiada dos políticos

Enquanto Dilma era considerada uma novata no jogo político, Temer tem uma larga trajetória nas mesas de negociação: foi presidente e duas vezes vice-presidente da Câmara, além de ter comandando o PMDB, o maior partido do país. No entanto, é exatamente essa sua identificação com a política tradicional que abala a sua imagem diante do eleitorado.

"A opinião pública hoje está muito indisposta com os políticos. Se você olhar o Twitter, vai ter gente que já começou a falar 'agora vamos pegar o Temer'. Esse estado de espírito vai afetar quem quer que seja no cargo de presidente, governador, deputado", diz Marco Aurélio Nogueira, da Unesp.

Ele explica que o Brasil vive hoje uma crise de representatividade, e a reprovação anda alta para todos os lados.

O início da gestão Temer, em condição provisória e no meio de um processo de impeachment muito questionado, também não ajudou, diz Nogueira. Isso fez com que o governo ficasse "sem cara", uma das razões apontadas pela consultoria Ipsos para a reprovação de 68% em agosto.

"Analistas e observadores que estão acompanhando de perto o governo podem perceber um perfil, mas acredito que a população, não. Isso deriva do pouco tempo na função e da carga negativa que ele recebeu."

País vive uma crise de representatividade, que afeta todos os políticos, dizem os entrevistados
País vive uma crise de representatividade, que afeta todos os políticos, dizem os entrevistados
Foto: João Alvarez/ Fotos Públicas

Para Ricardo Ismael, da PUC-Rio, é natural que a gestão do peemedebista não tenha uma cara ainda. Ele afirma que, até agora, as ações do governo eram guiadas para assegurar a aprovação do impeachment no Senado. "Era a racionalidade política que o norteava nos últimos meses."

A importância do carisma do presidente é questionada pelos entrevistados. Segundo eles, outros fatores, como a eficácia das medidas econômicas anunciadas por sua equipe, teriam mais peso hoje.

"Nos sistemas democráticos complexos, a figura do presidente não é fundamental. Um presidente limitado, se tiver mecanismos de legitimação para se blindar, sobrevive muito bem", diz o professor Marco Aurélio Nogueira.

Ele considera que, por sua maior experiência em cargos eletivos, Temer pode sair-se melhor ao anunciar propostas, "não tropeçando tanto na comunicação" quanto Dilma. Nogueira afirma, no entanto, que o presidente pode ter problemas na clareza dos seus discursos, por ser um jurista.

"Temer se torna presidente num quadro tenso. Vai ter não só que estabelecer um padrão de comunicação com o público, mas se mostrar capaz de corrigir o que estava de errado no antecessor. Terá que ter um perfil diferente do de Dilma, ser mais simpático, e não poderá xingar os assessores, como diziam que acontecia no Palácio."

Jucá (centro) foi afastado do ministério do Planejamento após vazamento de áudio
Jucá (centro) foi afastado do ministério do Planejamento após vazamento de áudio
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

3. Afastar-se dos escândalos de corrupção

Outro motivo da impopularidade de Temer seriam seus ministros investigados na Justiça e um escândalo que atingiu o governo logo no começo. Em maio, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) deixou o Ministério do Planejamento horas após o jornal Folha de S. Paulo divulgar uma gravação em que ele aparentemente participaria de uma articulação para conter a Operação Lava Jato.

Além disso, Temer foi condenado em maio pelo plenário do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo por ter feito, em 2014, doações ilegais para campanhas de candidatos a deputado federal do PMDB no Rio Grande do Sul.

Em entrevista à BBC Brasil em agosto, o diretor do Ipsos, Danilo Cersosimo, disse que, com tudo isso, o peemebista não conseguiu se afastar de um dos principais problemas de Dilma, no entendimento da população: a corrupção.

Portanto, um dos principais desafios do presidente é mostrar que não está envolvido ou sendo omisso em casos de irregularidades. Para os entrevistados, uma das opções seria mexer no gabinete e incluir mais técnicos. Dos 23 ministros anunciados em maio, sete (ou 32%) eram investigados pela Justiça ou em tribunais de contas ou já foram condenados.

"Temer fica entre a cruz e a espada. Tem o apoio dos políticos, mas precisa livrar-se dos que estão comprometidos. A expectativa é que recomponha o governo pós-impeachment, e este pode ser mais técnico, com mais mulheres. É uma forma de compensar: tenho três corruptos, mas também uns caras tecnicamente consistentes", diz Marco Aurélio Nogueira, da Unesp.

Juiz Sérgio Moro virou símbolo da Operação Lava Jato
Juiz Sérgio Moro virou símbolo da Operação Lava Jato
Foto: José Cruz/Agência Brasil

A condução da Lava Jato, por sua vez, exige cuidado redobrado. Nos áudios vazados em maio, Jucá sugere a Sérgio Machado, ex-presidente da subsdiária da Petrobras, uma "mudança" no governo federal para "estancar a sangria" representada pela operação.

O cientista político Antonio Lavareda, especialista em comportamento eleitoral e marketing político, considera que o governo agiu bem após a divulgação das conversas, assegurando que não haveria qualquer interferência nas investigações. "Essa questão já está razoavelmente administrada."

No entanto, o que preocupa Ricardo Ismael, da PUC-Rio, é o futuro da operação. Ele argumenta que o PMDB tinha nomes na diretoria na Petrobras, Eletrobras e em outras empresas envolvidas no esquema de desvios de recursos - e não descarta a possibilidade de as denúncias chegarem a Temer. No diálogo divulgado pela Folha de S.Paulo, Sérgio Machado diz a Jucá que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, queria pegá-lo e a outros parlamentares do partido.

"Se chegar no Temer, ele está frito. O apoio à Lava Jato é muito forte no país, diria em torno de 80%. Se chegar até ele não tem como encobrir, perde a condição de governar", afirma Ismael.

Movimentos contra o processo de impeachment não devem ser obstáculo para Temer, diz analista
Movimentos contra o processo de impeachment não devem ser obstáculo para Temer, diz analista
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

4. Lidar com oposição ao impeachment

Apesar de manifestações contrárias a Temer terem tomado as ruas e as redes sociais na quarta-feira, os cientistas políticos entrevistados descartam que os opositores ao impeachment sejam um desafio para o novo governo.

O discurso de "golpe", dizem, deve perder força em breve. Segundo eles, a expressão se desgastou ao ser repetida tantas vezes sem efeito prático.

"Esse grupo tende a ser diluído e ter as suas manifestações a cada dia com menor expressão. A roda do jogo político gira com velocidade. Logo, a temperatura das campanhas municipais vai esquentar bastante", acrescenta o cientista político José Antonio Lavareda.

Segundo os entrevistados, o que pode ser um obstáculo para o governo é a mobilização de movimentos sociais e centrais sindicais, com maior poder de mobilização.

"Não há nada mais grave no Brasil do que o desemprego, e ele pode sair do controle. Até agora, a CUT (Central Única dos Trabalhadores) não puxava nenhuma greve geral, mas agora está na oposição", afirma Isamel, da PUC-Rio.

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