Cármen Lúcia cita ‘motivos espúrios’ em trama golpista: ‘Semear o grão maligno da antidemocracia’
Voto da ministra pode formar maioria pela condenação de Jair Bolsonaro e outros réus por golpe de Estado; entenda
Ao iniciar seu voto no julgamento que pode condenar Jair Bolsonaro e outros sete aliados por golpe de Estado, a ministra Cármen Lúcia, decana da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, citou o histórico político do Brasil. Para ela, nos últimos anos, "novos focos de pesares sociopolíticos brotaram nessas terras a partir de estratégias e práticas voltadas a motivos espúrios, sendo exatamente o que está sendo denunciado", afirmou ela, nesta quinta-feira, 11, em referência à tentativa de golpe.
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A ministra começou dizendo que todo processo penal é "humanamente difícil", mas citou "algo de inédito" nessa ação: "Nela pulsa o Brasil que me dói. A presente ação penal é quase um encontro do Brasil com seu passado, seu presente e seu futuro".
Carmén pontua que a história jurídico-política do Brasil se dá em "atos, fatos, e práticas reiteradas de rupturas constitucionais, institucionais e políticas que impedem a maturação democrática desse País, que impedem o surgimento de novas lideranças sociais e políticos que poderiam fazer florescer novas ideias, novas formas de atuar no espaço da republica".
"Os fatos que são descritos desde a denúncia e a referência acusatória à imputação não foram negados na sua essência", diz a decana.
A afirmação da ministra se alinha à posição do ministro-relator, Alexandre de Moraes, que foi seguido por Flávio Dino. Mas contradiz a linha adotada pelo ministro Fux, que votou pela absolvição de Bolsonaro e seus aliados. Até o momento, o placar do julgamento está em 2 a 1 pela condenação de todos os 8 réus.
"Nossa república tem um melancólico histórico de termos poucos república. Por isso a importância de cuidar do presente processo em um ano que comemoramos 40 anos do início da redemocratização. Nessas quase quatro décadas de vigência da Constituição participamos de 9 eleições gerais de presidência, governadores, Congresso Nacional, Assembleias Legislativas, 10 eleições locais... Tudo segundo princípios e regras postas na Constituição, garantindo estabilidade institucional, constitucional e política, principalmente garantindo as liberdades individuais", afirmou, reforçando que nem tudo foram rosas nesses períodos.
A ministra cita os dois processos de impeachment dos últimos anos, manifestações que pararam cidades, mobilização de caminhoneiros, e que mesmo assim as instituições brasileiras seguiram, sem pararem de atuar. "Se houve dor, também houve muita esperança".
Até que, desde 2021, além da pandemia da Covid-19, ela aponta que "novos focos de pesares sociopolíticos brotaram nessas terras a partir de estratégias e práticas voltadas a motivos espúrios, sendo exatamente o que está sendo denunciado". Práticas que comprometeram, ou se condurizam no sentido de tentar golpear a democracia.
"Numa sequênciancia encadeada e finalística, se arou um terreno social e político pra semear o grão maligno da antidemocracia. Tentar romper o ciclo democrático das quase 4 decadas que vinham sido experimentadas constitucionalmente pelo opovo brasileiro", disse.
Mais sobre o julgamento
O julgamento teve início na terça-feira passada e, agora, caminha para o seu quinto dia de sessões nesta quinta-feira, 11.
As sessões já contaram com a leitura do relatório geral por parte de Alexandre de Moraes, relator do caso; a manifestação do procurador-geral da República, Paulo Gonet, que reforçou a denúncia; e o pronunciamento final da defesa dos oito réus. Agora, nesta semana, é a vez dos ministros votarem pela condenação, ou não, dos envolvidos tidos como "núcleo crucial" do plano de golpe de Estado.
São réus no processo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL); ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, Walter Braga Netto; ex-ajudante de ordens Mauro Cid; almirante de esquadra que comandou a Marinha, Almir Garnier; ex-ministro da Justiça, Anderson Torres; ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Augusto Heleno; o general e ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira; e o deputado federal e ex-presidente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Alexandre Ramagem (PL-RJ).
Em relatório final, emitido em julho, a Procuradoria-Geral da República pediu a condenação dos réus (com exceção de Ramagem) pelos crimes:
- Organização criminosa armada – pena de 3 a 8 anos de prisão, podendo chegar a 17 anos se houver uso de arma de fogo ou participação de funcionário público;
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito – pena de 4 a 8 anos de prisão;
- Golpe de Estado – pena de 4 a 12 anos de prisão;
- Dano qualificado pela violência ou grave ameaça – pena de seis meses a 3 anos de prisão;
- Deterioração de patrimônio tombado – pena de 1 a 3 anos de prisão.
As penas máximas somadas podem chegar a 43 anos. Vale ressaltar especificidades que podem pesar em uma possível condenação dos réus: Bolsonaro, para além de denunciado pelos crimes, é apontado como líder da organização criminosa e Mauro Cid deve ter a pena reduzida devido a seu acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal.
Já Alexandre Ramagem (PL-RJ), deputado federal e ex-presidente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) que também é réu, é o único acusado por apenas três desses cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
Alexandre de Moraes (relator do caso) começou os votos da Primeira Turma, votando pela condenação de todos os acusados. Em sua fala, ele elencou 13 atos para explicar a trama golpista e traçou uma linha do tempo do "golpismo", que interligaria os réus e os crimes em questão. Para ele, a organização criminosa -- liderada por Bolsonaro --, mostrou que "não sabe que é um princípio democrático republicano a alternância de poder".
"Quem perde vira oposição e disputa as próximas eleições. Quem ganha assume e tenta se manter [no poder], mas pelo voto popular. Não tenta se manter utilizando órgãos do Estado. Não tenta se manter coagindo, ameaçando gravemente, deslegitimando o poder judiciário de seu País, a justiça eleitoral", declarou, em trecho de seu voto.
Na sequência votou Flávio Dino, que acompanhou o relator. Dino votou pela condenação de Jair Bolsonaro e outros sete aliados por todos os crimes, mas adiantou um ponto com relação a como imagina as penas: para ele, não há a menor dúvida de que os “níveis de culpabilidade” são diferentes entre os réus – e três deles podem ter “possibilidade de redução de pena abaixo do mínimo legal”.
“Concorre para o crime na medida de sua culpabilidade”, ressaltou Flávio Dino, ao explicar sobre o assunto. Nisso, para ele, tem “participação de menor importância” nos crimes julgados pela ação penal os réus Alexandre Ramagem, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira.
Depois, na quarta-feira, foi a vez de Luiz Fux. A sessão estava prevista para durar três horas, das 9h às 12h, mas Fux acabou levando 14 horas para concluir seu voto. Fux se mostrava voz destoante entre os demais ministros da Primeira Turma e assim seguiu, votando pela absolvição de Jair Bolsonaro, assim como dos réus Almir Garnier, Alexandre Ramagem, Sérgio Nogueira, Augusto Heleno e Anderson Torres.
Em paralelo, Fux votou pelas condenações de Mauro Cid e Walter Braga Netto – mas apenas pelo crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. Com relação aos outros quatro crimes imputados pela PGR, ele votou para absolvê-los. O ministro, ainda, ao retomar as preliminares, apontou incompetência da Primeira Turma em julgar a ação penal.
Agora ainda faltam votar Cármen Lúcia e Cristiano Zanin (presidente da Turma). A condenação ou a absolvição dos réus será decidida pelo voto da maioria. Não há limite de tempo pré-definido para os votos de cada ministro.
A Primeira Turma votar pela condenação de réus não significa que eles serão presos imediatamente. Isso porque eles ainda podem apresentar recursos --que podem pesar mais ou menos, a depender do placar do júri. A execução de uma eventual pena só pode acontecer após ser dado “trânsito em julgado”, ou seja, quando são esgotados todas as possibilidades de recursos.
Jair Bolsonaro está em prisão domiciliar desde o dia 4 de agosto, mas devido um processo que corre paralelamente no STF. No caso, se trata do inquérito que aponta que as ações do deputado Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos, com o apoio do ex-presidente, tiveram como objetivo pressionar o Supremo a desistir da ação penal da trama golpista. Nisso, ambos foram indiciados pelos crimes de coação no curso do processo e abolição do Estado Democrático de Direito.
Como acompanhar o julgamento
As últimas sessões estão marcadas para:
- 11 de setembro (quinta-feira): sessões extraordinárias das 9h às 12h e das 14h às 19h --essas são sessões extras, solicitadas por Moraes na última sexta-feira, 5, e acatadas por Zanin;
- 12 de setembro (sexta-feira): sessão extraordinária das 9h às 12h e das 14h às 19h.
É possível acompanhar a transmissão pelos canais oficiais do STF --TV Justiça, Rádio Justiça, aplicativo Justiça+ e o canal do Supremo no YouTube. O Terra também transmite as sessões e traz detalhes do julgamento e de seus bastidores.