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Casamento gay no Brasil representa apenas 0,3% dos registros

Dado inédito divulgado pelo IBGE dentro das Estatísticas do Registro Civil 2013 revela que foram realizados 3.701 casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Coordenador do programa Rio Sem Homofobia vê número com bons olhos. “Essas famílias existem e procuram reconhecimento”, diz

9 dez 2014 - 10h00
(atualizado às 10h38)
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Cláudio e João na celebração de seu casamento: número ainda pequeno no Brasil, mas já um dado "extremamente positivo"
Cláudio e João na celebração de seu casamento: número ainda pequeno no Brasil, mas já um dado "extremamente positivo"
Foto: Arquivo pessoal / reprodução

Após a resolução 175 do Conselho Nacional de Justiça, que obrigou os cartórios de todo o País a aceitarem a celebração de casamentos civis de casais do mesmo sexo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela nesta terça-feira o primeiro dado oficial sobre o tema: em 2013, o Brasil registrou 3.701 uniões homoafetivas.

O número é pequeno se comparado ao total de uniões entre cônjuges mulheres e homens em todo o País - 1,1 milhão, ou 99,97% do total contra os 0,3% das uniões homoafetivas. Mas o número já representa um avanço tendo em vista que os dados foram analisados a partir de maio do ano passado, quando o CNJ fez a regulamentação.

“Algumas uniões foram registradas antes disso”, lembra Ênnio Leite de Mello, mestre em pesquisas sociais do IBGE e responsável pelo tema deste levantamento. Ele lembra ainda que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que autorizou a legalização destas uniões saiu em 2001. A partir deste momento, cada Estado passou a ter legislação própria sobre o tema até que o direito fosse finalmente reconhecido em âmbito nacional pela resolução 175 do CNJ.

“Me parece que, a principio, essa primeira demanda de registros de pessoas do mesmo sexo foi uma questão mais de regulamentar sucessões de bens, registros de pensão caso haja falecimento, questões envolvendo planos de saúde etc.”, completa o pesquisador. “Acredito que este dado vá aumentar em 2014”, completa.

Segundo o levantamento inédito do IBGE, entre os registros de cônjuges do mesmo sexo, 52% foram entre mulheres e 48%, entre homens. A idade mediana observada na pesquisa foi de 37 anos para os casais do sexo masculino, e 35 anos para o feminino – como parâmetros, as uniões heterossexuais têm idade média de 30 anos e 27 anos, respectivamente.

São Paulo foi o estado líder absoluto no registro de uniões homoafetivas – tanto entre casais do sexo masculino (50,%) quanto feminino (54,4%) – com um total de 1945 instâncias. Em segundo lugar, mas bastante distante, vem o Rio de Janeiro (211), seguido por Minas Gerais (209) e Santa Catarina (207). 

Foi na capital fluminense que o coordenador do programa Rio Sem Homofobia, Cláudio Nascimento, celebrou seu casamento com o cabo da Marinha João Silva, em cerimônia realizada em 2011, utilizando-se da decisão do STF para a cerimônia oficial. O casal, inclusive, teve o reconhecimento por parte das Forças Armadas para que Nascimento pudesse constar na documentação militar como cônjuge de Silva – no primeiro caso reconhecido do gênero no Brasil.

“Acho um dado extremamente positivo”, diz Nascimento. “É preciso contextualizar que é muito recente o IBGE incluir essa contagem. Segundo, a gente precisa compreender que a comunidade (gay) vai demorar um tempo para gerar um processo de cada vez mais se utilizar deste direito alcançado”, afirma ainda.

Casamento coletivo realizado no Rio, em 2012: iniciativa pode acelerar o processo de casais que buscam pelos seus direitos
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Foto: Mauro Pimentel / Terra

O coordenador do Rio Sem Homofobia acredita que, para que a popularização do registro homoafetivo no Brasil se solidifique, “é preciso divulgar e ter mais visibilidade. E também vai precisar de muitas campanhas do próprio poder público para que essa população reconheça essa direito”.

Uma saída, por fim, na sua opinião, é a realização de casamentos coletivos – como o que ocorreu em novembro passado, quando 160 casais gays disseram “sim” perante um juiz, no Rio de Janeiro – números que ainda serão incluídos pelo IBGE. “Foi o maior casamento coletivo gay do mundo”, garante. “Ano que vem vamos projetar duas cerimônias coletivas, pois a procura já foi maior. É um trabalho permanente de reeducação da população”.

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Cabra macho, sim, senhor

Enquanto o sul (290 registros) e sudeste (1129 registros) lideram o ranking de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, a união homoafetiva ainda engatinha na região norte como um todo – apenas 31 instâncias. O estado do Acre, por exemplo, celebrou um único casamento gay. O Amapá, apenas dois. Amazonas, quatro.

Até mesmo estados do nordeste, com exceção do Ceará (80), Bahia (53) e Pernambuco (48), confirmaram dados pífios: Alagoas apenas três, Sergipe outros quatro, Maranhão somente seis e Piauí, sete.

“É uma questão cultural. É a questão do cabra macho, homem é homem, mulher é mulher. É algo regional que a bibliografia fala muito sobre isso, de os homens serem os chefes da casa e as mulheres serem mais submissas”, analisa o pesquisar do IBGE, Ênnio Leite.

Num país onde a cultura da religião católica e evangélica ainda é muito forte, mesmo com o Papa Francisco dando declarações de relativo suporte ao tema nas últimas semanas, é impossível negar que ainda exista um certo preconceito e problemas de aceitação da sociedade com este novo panorama.

Elvinas (esq) e Elton (dir): casados em Londres, eles revelam que sofreram preconceito em visita ao Brasil
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Foto: Arquivo pessoal / reprodução

Foi o que sentiu na pele o modelo mineiro Elton Alves Trindade, 30. Desde 2001, entre idas e vindas, está baseado em Londres, no Reino Unido. Lá, se casou com o lituano e cabeleireiro Elvinas Piscikas há três anos, ou seja, antes até da resolução do STF.

Ano passado, em visita ao Rio de Janeiro, o casal, mesmo com seus respectivos anéis de ouro no anelar esquerda, disse que em momento algum se sentiu confortáveis para andar na rua de mãos dadas, tampouco se beijarem em locais públicos.

“Aqui na Europa (Londres) eu caminho de mão dada, eu beijo o meu marido na rua. Aí no Brasil ninguém pode fazer isso ainda. Se você andar de mão dada na rua por aí as pessoas não vão aceitar, vão julgar”, diz, se recordando ainda do episódio em que, na saída da boate Zero Zero, na Gávea, zona sul, foram abordados com truculência e palavrões por dois homens quando entravam num táxi na companhia de um casal heterossexual.

“Eu não me senti confortável de forma alguma. Sinto que os brasileiros até estão preparados, mas precisam de mais educação e informação a respeito”, declara Elvinas. “Comentários sobre o fato de a minha calça ser muito apertada, por exemplo. Uma vez estávamos caminhando pela praia e uns caras passaram gritando. Depois ele (Elton) me contou que estavam falando de mim. Aqui em Londres eu posso fazer qualquer coisa que um casal heterossexual faz”, completa. 

Fonte: Terra
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