PUBLICIDADE

Brancos não sabem lidar com negros como Lewis Hamilton

Para a branquitude, ceder um lugar à mesa para um negro era o bastante, mas não esperavam que o negro em questão não era um bajulador

5 jul 2022 - 05h00
Compartilhar
Exibir comentários
Uma pessoa negra que invade uma área onde a elite conservadora branca se mantém? É demais pra eles
Uma pessoa negra que invade uma área onde a elite conservadora branca se mantém? É demais pra eles
Foto: Poder360

Na semana passada, um vídeo do Nelson Piquet com falas extremamente racistas e homofóbicas, se referindo ao heptacampeão mundial de Fórmula 1 Lewis Hamilton, ganharam notoriedade mundial. Um dos comentários foi: “O neguinho meteu o carro e deixou porque não tinha jeito de passar dois carros naquela curva. Ele fez de sacanagem. A sorte dele é que só o outro se f*deu”. Vale salientar que esse “outro” a quem Piquet se refere é Max Verstappen, o namorado de sua filha Kelly. Em outro momento da mesma entrevista, disse: “O Keke? Era um bost@, não tinha valor nenhum. É que nem o filho dele [Nico Rosberg]. Ganhou um campeonato. O neguinho devia estar dando mais c* naquela época, aí estava meio ruim”. As duas declarações foram feitas durante entrevista para o canal Motorsports Talk, em novembro. 

Sem alarde, Hamilton bate mais recordes de Schumacher na F1
Sem alarde, Hamilton bate mais recordes de Schumacher na F1
Foto: Reuters

Após a fala ser bastante divulgada nas redes sociais, o próprio Lewis Hamilton se manifestou, em português, e foi sucinto: "Vamos focar em mudar a mentalidade". Lewis recebeu o apoio da F1, da FIA, da Mercedes, da Ferrari e de alguns outros pilotos que dividem as pistas com ele, como George Russell, Charles Leclerc, Esteban Ocon e Daniel Ricciardo. Por outro lado, Nelson, que já se manifestou como aliado de Bolsonaro, foi defendido por políticos ligados ao atual presidente, teve apoio do genro, do ex-dono da F1 e até da jornalista Glenda Kozlowski, que já admitiu ter mandado mal ao tentar relativizar a fala do tricampeão da Fórmula 1. Importante lembrar que até então nenhum ex-piloto brasileiro da categoria se manifestou sobre o assunto, deixando bem nítida a forma de pensar dessa galera.

Entendo que o contexto pode mudar muito o sentido das coisas e, ao contrário do que muitos tentaram criar, a forma do Piquet falar em nada atenua a 'pejoratividade' dele ao falar “o neguinho”. Em uma leitura gramatical, o uso do artigo definido “o” evidencia o intuito de definir e individualizar, de forma precisa, a palavra “neguinho” como ofensa. Diferente de quando as pessoas usam a mesma palavra para uma designação vaga de pessoa indeterminada, como “neguinho só quer benefício próprio” e, apesar de também pensar que essa maneira tem uma construção racista fortíssima, até porque, na maioria das vezes, nesse contexto “neguinho” é usado sempre para caracterizar posturas ou ações errôneas, o fato de não individualizar pode ser visto por muitos como um atenuante. Fora isso tem também o fato de Piquet usar essa expressão em uma tentativa, ao que parece, de defender Max, seu genro. Assim como na segunda fala, a intenção dele parece ser de querer ofender porque ele acrescenta uma fala extremamente homofóbica na sequência. E ainda teve quem falasse que “neguinho” é usado de forma carinhosa, o que pode ser verdade quando as pessoas têm uma relação de intimidade, coisa que Nelson Piquet jamais teve com Lewis.

Hamilton não pára de bater recordes na F1
Hamilton não pára de bater recordes na F1
Foto: F1 / Twitter

Essas coisas ocorrem porque Hamilton ataca todo o status quo que ronda um dos esportes mais elitistas do mundo, a Fórmula 1. Hamilton foi o primeiro piloto negro a ter chance dentro desse lugar e foi ele quem trouxe várias discussões importantes para esse meio extremamente conservador. Como, por exemplo, se manifestar quando George Floyd foi brutalmente assassinado nos Estados Unidos ou quando correu com o capacete nas cores da bandeira LGBTQIAPN+ na Arábia Saudita, país que criminaliza a homoafetividade.

Hamilton já sofreu várias tentativas de silenciamento, tanto da FIA quanto da F1, foi criticado por pilotos, ex-pilotos e jornalistas da área com aquela conversa “bem Tiago Leifert”, de que evento esportivo não é lugar de manifestação política. A sensação que me dava quando via as críticas a Hamilton era, e ainda é, que essas pessoas pensam dessa maneira: “Esse neguinho deveria dar graças a Deus que deixamos ele participar da nossa confraria de homens brancos e ricos. Deveria estar quietinho e reproduzindo todos os nossos costumes, mas não, “o neguinho” quer fazer do nosso esporte elitista um lugar de mimimi”. Vale lembrar que Bernie Ecclestone, ex-chefe da F1 e que defendeu Nelson Piquet nesse caso, falou em 2020 que: “Basta ver a maneira que Hamilton se veste. Se eu não soubesse que ele é piloto, nunca saberia. Bastava olhar para Schumacher e Piquet para saber o que faziam. Estavam vestidos para o papel”.

A verdade é que o mundo ocidental não está preparado para Hamilton. Uma pessoa negra que invade uma área onde a elite conservadora branca se mantém, se torna o melhor da história e ainda recusa todos os seus hábitos? É demais para eles. A impressão que me dá é que esses brancos que atacam Hamilton não sabem lidar com o homem preto que não os bajula. Com um cara preto que é melhor que eles no esporte deles, esporte esse que nunca quis um preto correndo, que dirás sendo campeão dominante. E como eles não tem o que falar dele dentro da pista, tentam atacá-lo dessa forma criminosa, já que a esses homens brancos não foi ensinado o lugar de coadjuvante.

Hamilton representa uma nova forma de masculinidade, que ainda não é a ideal, mas está bem à frente do modelo arcaico e hegemônico enraizado em culturas como o da Fórmula 1

Fonte: Luã Andrade Luã Andrade é criador de conteúdo digital na página do Instagram @escurecendofatos. Formado em comunicação social e membro da APNB. Luã discute questões étnico raciais há dez anos e acredita que o racismo deva ser debatido em todas as esferas da sociedade.
Compartilhar
Publicidade
Publicidade