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"Me violentou enquanto estava em crise": mulher relata 'resgate' de relação com Legendário e denuncia múltiplos abusos

Jaíne Hellen Machnicki esteve no relacionamento por um ano e, agora, busca Justiça. Em nota ao Terra, defesa do homem nega acusações

22 dez 2025 - 04h59
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ALERTA DE GATILHO: VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Jaíne se apaixonou por ele pela forma como ele se apresentava: cristão, legendário, do bem. Mas, como alega, ele só era assim "da porta de casa pra fora".
Jaíne se apaixonou por ele pela forma como ele se apresentava: cristão, legendário, do bem. Mas, como alega, ele só era assim "da porta de casa pra fora".
Foto: Arquivo pessoal

Ela estava paralisada. Como explicou, era um momento de shutdown, estado de sobrecarga em que a pessoa autista 'desliga'. E, em meio à crise, foi violentada pelo seu companheiro. Essa é uma das situações que Jaíne Hellen Machnicki, advogada de 33 anos, conta ter vivido durante um relacionamento abusivo de um ano com um homem que se apresenta como empreendedor de sucesso, cristão e Legendário. Sem forças e com medo de não sobreviver, ela foi resgatada por sua família e, agora, busca Justiça. Ele nega as acusações (leia a nota da defesa abaixo).

Em entrevista ao Terra, Jaíne conta que tudo começou quando o homem a encontrou nas redes sociais após ver seu perfil em um aplicativo de relacionamentos. Ela se atraiu pela imagem que ele passou, uma pessoa de família, com princípios cristãos, e começaram a conversar. Jaíne estava solteira há 10 anos. Por ter limitações de comunicação, ela sempre procurou se envolver com pessoas ‘seguras’, alinhadas ao que ela também queria: constituir uma família, ter filhos e ser feliz. E assim pensou que seria.

Eles começaram a morar juntos um mês após se conhecerem, no meio do ano passado. E o que era para ser um sonho perfeito, se tornou um pesadelo: “Ele me enganou. Entrei no relacionamento de cabeça e assim que a gente pisou na casa nova, morando junto, ele começou a se mostrar. Eu vivi um inferno durante um ano”, relata Jaíne.

As agressões começaram aos poucos, como diz a advogada. Em tom de conselho, indicando que ela poderia “ser melhor”, ele criticava certas roupas, certas atitudes e pensamentos. A partir daí, ela cortou o cabelo curto para agradá-lo, por mais que sempre tenha preferido manter ele longo, mudou seu estilo e acabou largando seu trabalho registrado – assim como o escritório de advocacia que mantinha com uma amiga.

“Ele foi minando a minha identidade. Coisas que eu gostava, eu não podia mais gostar, porque o conselho dele era que eu fosse diferente. Eu sempre quis passar em concurso, ter uma estabilidade profissional e financeira, e ele não deixava. Falava que a gente tinha que empreender, ser empresário. Que quem era CLT era só acomodado e esquerdista”, relata a mulher.

E assim foi indo até que Jaíne, como conta, passou a duvidar de si e seguiu o que ele pedia. Nesse processo, ela se afastou de sua família, de seus amigos e passou a ser “dona de casa”, precisando pedir dinheiro ao então companheiro para pagar as contas feitas em seus próprios cartões, para comprar remédios que precisava e todo o resto. Os trabalhos que fazia passaram a ser voltados para as empresas dele, e ela conta que não era remunerada de forma pontual por isso.

“Não era incomum. Não foram nem uma, nem duas vezes, que acordei e ele estava transando comigo dormindo", relatou Jaíne à reportagem
“Não era incomum. Não foram nem uma, nem duas vezes, que acordei e ele estava transando comigo dormindo", relatou Jaíne à reportagem
Foto: Reprodução/Instagram/@mixiricaatipica

O viés político também era um problema. Jaíne diz que sempre teve um posicionamento alinhado à esquerda, mas que ele queria que ela fosse de direita – e, então, ele mentia sobre sua ideologia para as pessoas. A questão política também o fez proibi-la de assistir à Rede Globo, canal que ela está acostumada a acompanhar desde pequena.

“É uma zona de conforto pro meu neurológico, pro meu cérebro. Ajuda a me regular porque é uma programação previsível, que desde criança você sabe o que vai passar. Ele falava que a Globo fazia lavagem cerebral, que era uma rede que estava só para manipular meus pensamentos e que me proibia de assistir”, relembra.

Portanto, ela ligava a televisão apenas quando ele não estava em casa, e desligava quando sabia que ele estava para retornar. O que aconteceu foi que, um dia, segundo ela, o ex não avisou que estava voltando e a pegou de surpresa. “Ele brigou muito comigo, quebrou meu notebook. Hoje, eu percebo que talvez ele não queria que eu visse alguma campanha de violência contra a mulher porque eu ia me identificar”, acredita Jaíne.

A televisão foi socada por ele em outra briga, já próximo de quando se separaram. Como pontua Jaíne, a discussão começou por volta de 23 horas por um motivo banal. Ela conta ter ido para seu quarto, ligado a televisão e tomado remédios para dormir -- prescritos em meio às terapias que faz. Mas o ex, segundo ela, a seguiu para continuar a discussão. Mas, sem conseguir controlar, Jaíne conta que começou a ficar sonolenta e que isso o irritou mais.

“Eu não queria mais conversar com ele porque eu estava medicada e levantei da cama. Ele me empurrou e socou a TV que ficava do lado da cama. Eu comecei a chorar, fiquei desesperada. Fiquei com medo dele, tentei me desvencilhar dele, tentei fugir. Aí, ele veio, deitou por cima de mim, me abraçou, falou ‘Desculpa, vamos se reconciliar’ e começou a me tocar sexualmente. Quando ele viu que eu não correspondi, que eu não queria, que eu pedi pra ele sair, ele tirou as mãos e viu que tinha feito besteira. Saí e me tranquei no banheiro”, relembra Jaíne.

O Terra tentou contato com o Movimento Legendários, grupo cristão masculino que promove transformação pessoal através de desafios físicos e espirituais da qual ele faz parte, e não obteve retorno. O espaço continua aberto para futuras manifestações.  

Registro de Jaíne durante e antes do relacionamento. Aém de advogada, ela é palestrante e se mantia como uma voz ativa nos temas de inclusão e diversidade
Registro de Jaíne durante e antes do relacionamento. Aém de advogada, ela é palestrante e se mantia como uma voz ativa nos temas de inclusão e diversidade
Foto: Reprodução/Instagram/@mixiricaatipica

Denúncia em andamento

O soco na televisão e a tentativa forçada de "reconciliação" fizeram Jaíne registrar um boletim de ocorrência em agosto após ela ser "resgatada" por sua irmã e terminar o relacionamento. Na ocorrência, ela também elencou outro episódio, ocorrido em janeiro, durante uma viagem, de quando seu ex-companheiro teria ameaçado matá-la enquanto dirigia em alta velocidade ao negar qualquer tentativa de término. 

Jaíne pediu que fosse instaurado um inquérito para investigar o caso e requereu medida protetiva de urgência, que foi acatada. 

Ao Terra, a defesa do homem nega as acusações. "É importante registrar que a suposta vítima formalizou boletim de ocorrência perante a Delegacia da Mulher, imputando ao Sr. a prática de tentativa de estupro. Todavia, restou comprovado documentalmente que, na data indicada, o acusado encontrava-se em viagem, o que inviabiliza materialmente a narrativa apresentada. Ademais, nenhum dos alegados atos de violência foi comprovado até o momento, muito menos a acusação de que ele teria acelerado o carro, tal matéria foi rechaçada inclusive pelo Ministério Público."

O que seus advogados indicam é que no dia citado no Boletim de Ocorrência como o que teria ocorrido a briga em casa, ele não estaria na cidade, mas viajando -- e apresentam provas que comprovam sua localização. Já a defesa de Jaíne alega que o caso teria ocorrido às 23h horas do dia 23 de junho, mas que na hora do registro da ocorrência na Polícia Civil foi descrito erroneamente que os fatos foram na noite de 24 de junho, quando o homem havia viajado a trabalho.

A Polícia Civil sugeriu pelo não indiciamento. Mas, em contrapartida, o Ministério Público do Paraná ofereceu denúncia contra o homem a partir dos relatos de agressão e ela foi aceita pelo Poder Judiciário do Estado no início de novembro, virando uma ação penal. A audiência está marcada para o início do próximo ano.

O Terra acionou o MP e a Polícia Civil em busca de mais informações sobre o caso e aguarda retorno. O espaço será atualizado em caso de resposta.

Jaíne e o ex-companheiro viviam em união estável e, com o término, ela relata ter ficado ‘atolada’ em dívidas. Agora, sem trabalho, ela estima estar devendo cerca de R$ 800 mil devido ao uso de seus créditos pelo homem. Com a situação, ela explica ter regredido no nível de suporte no Transtorno do Espectro Autista, o que dificulta sua retomada às atividades. "Não tenho mais controle das minhas necessidades fisiológicas. Por exemplo, se eu sair desprevenida, faço xixi na calça na rua. Regredi muito", conta.

A Justiça determinou, em meio ao processo de separação de bens, o pagamento de uma pensão até a sua recuperação. Jaíne não revelou a quantia, mas afirmou que o valor que recebe é menor do que a parcela do carro de luxo que ele banca.  A defesa do homem afirma que ele está pagando a pensão, cumprindo as decisões judiciais. Mas, segundo apontaram, tanto essa questão quando a das alegações de violência psicológica não fazem parte dos processos em andamento e que, por isso, não irão se manifestar sobre estes tópicos. 

No momento, além da pensão, Jaíne conta com o apoio financeiro da família para pagar o aluguel e se manter. E ela tem gastos fixos específicos: por mês, ela conta gastar em média R$ 1.600 em remédios, isso além das terapias que precisa fazer – que estão custando em torno de R$ 2.500. “São uns R$ 5 mil de custos por mês só para o autismo”, aponta.

“Ele é um empresário agora. A empresa dele cresceu, ele tem carro de luxo, ele tem apartamento de luxo, ele gasta com tudo que ele quer. E eu fiquei sem trabalho, sem dinheiro e atolada em dívida”

Sentimento de medo

Quanto mais tempo passava dentro do relacionamento, mais Jaíne diz ter "definhado". Além de "perder o brilho", ela estava com crises cada vez mais frequentes, desmaios e relembra ter a sensação de que só sairia morta da situação. Segundo ela, o então companheiro, sentindo que o caso "iria explodir", recorreu à sua cunhada buscando por ajuda.

“Foi o erro dele, porque minha irmã já desconfiava que tinha algo acontecendo. Eu estava acabada, deprimida. Ela, então, começou a investigar a situação, me resgatou de casa e me levou à delegacia. Foi aí que a gente fez o boletim de ocorrência daquele episódio mais grave e recente que tinha acontecido”, explica.

Por mais que, agora, esteja em um local seguro, sendo cuidada por sua família, Jaíne ainda convive com o sentimento de medo. “O pós é muito complicado, a gente tem pesadelos. Volta e meia eu me vejo lá de novo, na mesma casa, na mesma situação. É muito difícil falar disso. É difícil ter que superar tudo que você passou e ainda ter que provar que você passou por isso”, desabafa.

Ela decidiu compartilhar sobre a situação -- mesmo que preservando a identidade do ex-companheiro -- nas redes sociais por entender que, assim, ficará mais protegida: "Eu tenho muito medo de morrer. Eu não quero morrer, não quero virar estatística, não quero ser a próxima notícia. Até por isso que eu quero ser notícia agora, pra salvar minha vida".

A defesa do homem reforça que desde o término e o estabelecimento da medida protetiva, ele não buscou por Jaíne nem entrou em contato com ela. "Não teve nenhum tipo de quebra de medida protetiva, nada. Não teve nenhum contato, nem por terceiro, nem de forma nenhuma. [..] Ele nunca fez nenhum tipo de menção sobre ela", afirmaram, em resposta às alegações de Jaíne sobre ter medo de morrer.

Em caso de violência contra a mulher, denuncie

Violência contra a mulher é crime, com pena de prisão prevista em lei. Ao presenciar qualquer episódio de agressão contra mulheres, denuncie. Você pode fazer isso por telefone (ligando 190 ou 180). Também pode procurar uma delegacia, normal ou especializada.

Saiba mais sobre como denunciar aqui.

Vídeo de pedágio fez polícia suspeitar de feminicídio em morte de mulher em MG; namorado foi preso:

 

Fonte: Portal Terra
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