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"Descobri que sou autista com o diagnóstico do meu filho"

No Dia Mundial do Autismo, a ativista Luciana Viegas conta como é exercer uma maternidade neurodivergente sendo mãe de um menino com TEA

2 abr 2023 - 05h00
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"Senti medo por conta do diagnóstico do autismo do Luiz associado à questão de raça", afirma Luciana
"Senti medo por conta do diagnóstico do autismo do Luiz associado à questão de raça", afirma Luciana
Foto: Reprodução Instagram/@maaria_vieira

As alterações típicas da gravidez, comuns à maioria das mães, foram um verdadeiro suplício para Luciana Viegas, 29 anos, ativista da luta anticapacitista e antirracista e idealizadora do Movimento Vidas Negras com Deficiência Importam (MVNDI) no Brasil. Ela tinha acabado de terminar a faculdade de Pedagogia e acumulava um longo histórico de desmaios e crises até então tidas como sintomas de Transtorno de Ansiedade Generalizada. A gestação, porém, agravou a enxaqueca que frequentemente a atormentava e os vômitos ocorreram até um mês antes do nascimento de Elisa, de quatro anos.

As dificuldades do período foram agravadas pelo enfrentamento da depressão após a morte do pai. Pouco tempo depois, Luciana engravidou novamente e teve Luiz, hoje com um ano e nove meses. Quando o garotinho tinha cerca de seis meses, ela começou a reparar que não correspondia a certos marcadores típicos da idade. "Ele não sorria e, à medida que crescia, nós o chamávamos, mas ele não olhava de volta.

Fomos ao pediatra e ele disse que o meu filho poderia ter baixa audição ou autismo", conta a ativista. 

O interesse crescente e visível de Luiz pelas músicas do Mundo Bita, que virava a cabecinha para ouvir melhor as canções e observar os personagens, não só descartou a suspeita de baixa audição como confirmou a característica de hiperfoco, comum às pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista). 

Com o diagnóstico em mãos, Luciana vivenciou um mix de sensações. "Eu não tive aquele sentimento de luto que muitas mães de crianças autistas experimentam. No meu caso, senti medo por conta do diagnóstico associado à questão de raça. Vivo no Brasil, país racista em que um jovem negro é assassinado a cada 23 minutos. Meu filho não é oralizado e existe a possibilidade real de não falar. Como vai poder responder se for parado pela polícia na rua no futuro? Não adianta tentar não pensar nessa situação, porque ele vai passar por isso. E eu preciso que ele volte para casa e para mim vivo", explica.

"Só após me descobrir autista pude entender porque me senti tão mal durante a gravidez", fala a ativista
"Só após me descobrir autista pude entender porque me senti tão mal durante a gravidez", fala a ativista
Foto: Reprodução/Instagram

Embora tivesse suspeitado em certos momentos de sua vida, Luciana só se deu conta de que também poderia fazer parte do espectro autista a partir da confirmação do TEA de Luiz. "Sempre fui muito sensível a estímulos sensoriais. Como a gravidez por si só é uma experência sensorial o tempo todo, só mais tarde pude entender porque me senti mal durante os nove meses. Também cheguei a desmaiar várias vezes indo de trem para a faculdade, por exemplo. Na adolescência, embora fosse boa aluna, não conseguia socializar direito. Autistas são literais e às vezes era tachada de grossa ou agressiva por falar exatamente o que pensava", conta.

Vida em família e ativismo

Luciana atua como professora da educação basica e educação inclusiva desde 2014. Em 2020, decidiu criar o Instagram @umamaepretaeautistafalando para falar sobre seu diagnóstico de autismo tardio, a vida de uma mãe preta atipíca e experiencias com educação inclusiva.

Em 2022 foi premiada pela ONG Diversabiliyy como uma das 30 lideranças e pessoas que impactam a vida de pessoas com deficiência no mundo. "Fui a única brasileira, em meio a tantos nomes importantes pra a luta anticapacitista no mundo. Foram mais de 250 nomes indicados", celebra. Em novembro do mesmo ano, representou o Movimento Vidas Negras com Deficiência Importam na 18ª sessão sobre equidade racial da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra.

Conciliar o ativismo, a atuação na educação, a maternidade atípica e diagnóstico de TEA é uma missão conjunta em família que galga um dia de cada vez. Ela promoveu algumas mudanças físicas em casa para ajudar. Como a influência das cores para autistas é diferente, por exemplo, Luciana trocou a cor das paredes da casa, que eram brancas, por tons mais vivos para reduzir estímulos e, assim, evitar que Luiz se machuque quando fica estressado e bate a cabeça na parede. O marido de Luciana, motorista de Uber, se encarrega de fazer as compras no supermercado e na farmácia, atividades que ela evita por causa da sobrecarga sensorial.

"Nós meio que dividimos as tarefas, mas nossa relação é baseada na máxima 'o que você pode ofertar hoje'? Em algumas semanas eu dou o meu máximo, em outras só consigo fazer o mínimo que é dar banho nas crianças. É mesmo uma construção diária", comenta.

Na sede da ONU, em 2022: representando o Movimento Vidas Negras com Deficiência Importam
Na sede da ONU, em 2022: representando o Movimento Vidas Negras com Deficiência Importam
Foto: Reprodução/Instagram

Com Elisa, Luciana experimenta uma maternidade diferente da que vive com Luiz e encara um processo de autoconhecimeto constante. "Eu tenho dificuldade com toque, mas ela me ajuda a viver essa sensação sensorial. Ela me olha no olho, me faz aprender muito com cada troca", fala. Elisa, segundo a ativista, tem uma relação muito bacana com o irmão, o ajuda. "Os dois juntos têm aquela ligeireza típica da infância, sabe?", salienta.

Vivendo um dia de cada vez e sempre buscando o melhor para si e para os filhos conforme suas possibilidades, Luciana se prepara agora para o lançamento oficial, no próximo dia 15 de abril, do relatório preparado pelo MVNDI sobre a situação das pessoas negras com deficiência no Brasil - que, ela espera, seja alvo de debate e ação. "É preciso falar sobre as torturas impostas aos negros durante a época da escravidão e que causaram deficiência, falar de como os negros foram tratados após a 'falsa' abolição, da população negra em manicômios, das mulheres negras que se tornam cuidadoras, da falta de políticas públicas. É preciso fazer um resgate histórico", argumenta.

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Fonte: Redação Nós
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