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Sobre metas e ajustes

Se não houver espaço para discutir o aperfeiçoamento do teto de gastos, o risco é de que seja logo desmoralizado

22 jan 2019 - 05h11
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A emenda constitucional do teto de gastos contribuiu para melhorar de forma relevante a qualidade da gestão fiscal no Brasil. Mas mesmo o teto de gastos tem suas limitações, que precisam ser enfrentadas para evitar o risco de que seja desmoralizado.

Antes do teto de gastos, o principal instrumento de controle das contas públicas federais era a meta de superávit primário. O problema do superávit primário é que, em períodos de crescimento da economia, o bom desempenho da arrecadação criava condições para uma expansão acelerada das despesas. Em períodos de desaceleração, a impossibilidade de corte de despesas rígidas recém-criadas acabava levando a que o ajuste fosse feito via elevação da carga tributária.

Com a emenda do teto foram introduzidos limites para a expansão das despesas, que é o modelo adequado para o Brasil (ainda que o limite atual possa ser questionado). O sistema atual tem, no entanto, uma fragilidade, pois ele não impede a criação ou expansão de despesas obrigatórias, apenas exige que o gasto total fique dentro do limite definido. Desta forma, todo o ajuste acaba sendo feito sobre os gastos discricionários, reduzindo muito o investimento público e mesmo despesas de custeio essenciais para o funcionamento do setor público.

Se o teto for excedido, há um ajuste automático via restrição ao aumento de despesas de pessoal e ao reajuste do salário mínimo. No entanto, esse ajuste pode não ser o mais adequado, pois as despesas que motivaram o estouro do teto (como benefícios previdenciários) podem ser distintas daquelas sobre as quais recai o ajuste. Isso pode levar a ajustes irracionais, especialmente via contenção indiscriminada de despesas de pessoal.

Neste contexto, vale avaliar uma mudança no modelo atual. Uma alternativa possível seria detalhar o teto de gastos, estabelecendo sublimites por categoria de despesa e por poder (Executivo, Judiciário, etc.). Deveriam ser estabelecidos, pelo menos, limites plurianuais diferenciados para despesas com benefícios previdenciários, com pessoal e com gastos discricionários. Qualquer ato legal ou administrativo que implicasse a ultrapassagem do respectivo limite seria considerado nulo de pleno direito.

Esse modelo tem algumas vantagens. Uma delas é impedir que todo o ajuste seja feito sobre as despesas discricionárias (garantindo um nível mínimo de investimento público e o custeio essencial). Outra é que introduz um regime eficiente de controle das despesas com pessoal (diferentemente do atual teto de gastos).

O maior problema é que esse modelo não é suficiente para evitar o crescimento vegetativo dos benefícios previdenciários, que resulta da manutenção das regras atuais. Para contornar essa dificuldade, sugere-se que o descumprimento do teto para as despesas previdenciárias levasse, automaticamente, a um aumento da arrecadação equivalente ao excesso dos gastos. Assim, por exemplo, se o teto para as despesas previdenciárias fosse definido com base na perspectiva de aprovação de uma reforma previdenciária e essa não fosse aprovada, o ajuste seria automaticamente feito via elevação das alíquotas de um tributo predefinido (o que, provavelmente, contribuiria para a aprovação da reforma).

O funcionamento deste modelo pressupõe a existência de projeções confiáveis sobre o impacto de todas as medidas legais e administrativas que elevam despesas (o que não é difícil de ser implementado). Pressupõe também que o Judiciário seja eficiente e ágil na decretação da nulidade de atos cujo impacto leve ao estouro do teto setorial plurianual de gastos - o que não é elementar.

Esta não é uma proposta fechada, mas apenas uma sugestão de como aperfeiçoar (e, ao fazê-lo, legitimar) o teto de gastos no Brasil. Sei que para muitos o teto de gastos é quase um tabu, mas, se não houver espaço para discutir seu aperfeiçoamento, o risco é de que seja logo desmoralizado, o que seria um grande retrocesso para o País.

* DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL

Estadão
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