'O juro alto nos tirou do médio padrão; migramos para imóveis de alto luxo', diz executiva da Setin
Empresa prega cautela diante de cenário macroeconômico e antecipa demanda reprimida quando Selic chegar a "patamar saudável"
A escalada das taxas de juros promoveu uma mudança de rota na Setin Incorporadora. Depois de um lançamento que não atingiu as expectativas, a empresa resolveu abandonar a classe média para focar em edifícios de altíssimo padrão. Bianca Setin, vice-presidente da empresa, entende que esse movimento ajuda a manter a qualidade dos projetos diante da escassez de mão de obra, a competição por terrenos em áreas nobres e um público cada vez mais exigente.
Apesar de ser mais "difícil de conquistar", o cliente de alto padrão, não é tão impactado pela alta de juros, diz Bianca. "É uma opção dele tirar ou não dinheiro do banco para fazer uma aplicação financeira", comenta. Enquanto isso, o cliente de classe média está sofrendo para acessar o financiamento. "A parcela pode ficar quase 50% mais cara e ele simplesmente não consegue comprar".
O Ibiatã, empreendimento lançado em 2024 no Paraíso, zona sul de São Paulo, marca o ponto de inflexão da Setin. Com apartamentos de 183 m² a 226 m², o projeto tem assinatura de arquitetos renomados e foi negociado inicialmente a R$ 28,5 mil o m². Ou seja, um apartamento poderia ultrapassar 6,4 milhões ainda na planta. "Vendemos 55% antes de começar as obras", afirma Bianca.
Com a expectativa de fechar 2025 com um VGV (Valor Geral de Vendas) de 400 milhões, a Setin já antecipa outro projeto de luxo, desta vez no Itaim Bibi, bairro mais valorizado da cidade. O foco da companhia na zona oeste e zona sul demanda resiliência e estratégia, segundo Bianca. Diante da alta demanda por terrenos, a equipe precisa estudar logística, realizar análises e bater de porta em porta. "Em dois anos o consumidor e a nossa economia podem mudar. A velocidade é primordial", pontua.
Bianca Setin é uma das painelistas confirmadas no Summit Imobiliário, evento promovido pelo Estadão que acontecerá no dia 30 de junho.
A seguir os principais trechos da entrevista.
A Setin Incorporadora atua no alto padrão e na classe média, um segmento que tende a ser mais afetado pela taxa de juros. Como os juros afetam vocês e como lidam com este cenário?
Com a Selic a 14,75%, a gente tirou o foco do médio padrão. Hoje, estamos atuando no alto padrão e migrando para o alto luxo. O público de média renda está sendo muito impactado pelos juros. É um trabalhador que até consegue poupar, mas sofre no financiamento. A parcela fica mais cara e ele não consegue comprar. Por outro lado, quando a taxa de juros chegar a um patamar adequado, como 12,5%, o mercado vai lidar com uma demanda reprimida. É uma grande oportunidade a longo prazo, mas não para agora.
A mudança de rota na Setin foi influenciada pela taxa de juros, mas em um mercado com um ciclo tão longo, esse movimento é complexo. Como isso aconteceu na prática? Já era algo que vocês ensaiavam?
Entre o anúncio e a entrega do prédio, são anos de desenvolvimento. Porém, a captação acontece no lançamento. Por mais que exista a perspectiva de portabilidade do financiamento no futuro, o cliente está preocupado com o bolso dele hoje e se resguarda.
Vínhamos de lançamentos, em 2023 e 2024, de uma linha de produtos chamada Smart Home, voltada para o médio padrão. Esses empreendimentos se encaixavam na nossa estratégia de ter um mix de projetos para vários públicos. No ano passado, lançamos um projeto enquadrado nesta linha no bairro Ipiranga, mas tomamos um baque, provocado pela alta de juros.
Por estratégia, repassamos este e outros terrenos da linha para o Mundo Apto, que é o produto da Setin para atuar no segmento econômico, junto ao Minha Casa, Minha Vida. Nunca é fácil tomar essa decisão assim. Uma incorporadora é como um navio e você tem de começar a fazer a curva bem antes de desviar, mas a gente não pode apenas sentar no problema.
A aquisição de terrenos em áreas nobres é apontada como um dos grandes desafios do setor imobiliário. Como é a estratégia de vocês para adquiri-los e realizar lançamentos?
Nosso foco atual é a zona sul e a zona oeste de São Paulo. Para construir um terreno no Paraíso, por exemplo, tivemos que comprar mais de 15 lotes. É um processo que demora anos, com bastante investimento e trabalho de inteligência. Quando batemos na porta de um proprietário, tem outras três ou quatro incorporadoras batendo junto. Não é uma missão fácil.
Temos uma reunião toda semana com o comitê de terrenos, quando analisamos as possibilidades nas áreas que atuamos e aí começamos a bolar a estratégia. Entre o início da prospecção e a compra de um terreno, são cerca de 12 meses. E aí temos mais 12 meses para processos burocráticos, como diligência técnica, ambiental e jurídica. Ou seja, é um investimento que envolve risco.
Por isso, no meio dessa jornada, antes de comprar o último lote, já começamos a desenvolver o projeto. Sei que em dois anos, o consumidor e a economia podem mudar completamente. A velocidade é um fator primordial. O lançamento que vou fazer no segundo semestre de 2025, por exemplo, nós só finalizamos a compra em abril deste ano. Se eu fosse esperar o último pagamento, que foi há 15 dias, só colocaria esse projeto na rua no final do ano.
Neste estudo de viabilidade e inteligência, vocês analisam as características obrigatórias nos prédios? O que não pode faltar em um prédio de alto padrão?
A gente contrata uma consultoria para entender o que está em alta. Hoje, por exemplo, todos os nossos lançamentos têm quadra de tênis, academia equipada, uma piscina com raia de 25 metros e uma central de lockers inteligentes. Também não podem faltar espaços multiusos e boas áreas comuns, como salão de jogos, brinquedoteca e lavanderia, principalmente nos prédios de studios.
Outro aspecto importante é a sustentabilidade. Nossos empreendimentos têm um selo verde de uso consciente de água e de energia. Não à toa, o Ibiatã, lançado em 2024, obteve funding do Plano Empresário Verde, do Itaú, que financia projetos sustentáveis.
Sobre imóveis compactos, o tema do seu painel no Summit Imobiliário, como essa tipologia está presente na estratégia de negócios da Setin?
Somos pioneiros no lançamento de studios. Chegamos a entregar oito empreendimentos do tipo no centro de São Paulo. Porém, hoje não temos mais nenhum imóvel desta tipologia no radar. Como falei, nosso foco mudou completamente para o alto padrão. Por agora, temos entregas para fazer e estoque para vender.
O Zeit Brooklin e o Prado Paulista, por exemplo, têm studios residenciais nos primeiros andares e já foram quase 100% vendidos. Quando desenvolvemos esses empreendimentos mistos, o foco dos studios é nos investidores e contamos com acessos independentes para moradores fixos e aqueles em locação temporária.
Enquanto vivem essa mudança de rumo, vocês precisam lidar com um problema conhecido do setor: a falta de mão de obra. Isto é algo que afeta o negócio da Setin?
Não é apenas o mercado imobiliário que passa por um problema de mão de obra. As pessoas têm muitos incentivos para ficar em casa, como o Bolsa Família e outros programas semelhantes. Isso faz com que o País não gere riqueza. Além disso, a facilidade de gerar renda extra proporcionada pela internet, como o Uber, Ifood e o TikTok, dificultam a renovação dos profissionais. O filho do pintor não quer ser pintor, ele prefere ser motorista de aplicativo.
Para lidar com este cenário, estamos investindo em novas ferramentas. Já temos, por exemplo, uma tecnologia que instala contrapiso e demanda a participação de menos pessoas do que o método tradicional. Em um segmento mais padronizado, como o MCMV, a adoção de tecnologias deste tipo é ainda mais avançado do que no alto padrão.
Além disso, estamos participando ativamente de projetos de formação de profissionais, inclusive mulheres, nos canteiros de obra.
Falando da participação de mulheres, hoje você ocupa um papel de protagonismo em um segmento historicamente liderado por homens. Como está sendo essa experiência?
Eu comecei muito nova, com 14 anos, durante as minhas férias. Cresci dentro de obras e nunca tive nenhum problema. Óbvio que as mulheres sempre se cobram para estarem mais preparadas e não é raro que eu seja a única nas reuniões que participo. Porém, existe uma carga ainda maior aqui, que é a empresa levar o meu sobrenome. Nunca quis ser reconhecida numa sala de reunião como "a filha do Antonio (Setin)".
Meu pai participou do desenvolvimento imobiliário de São Paulo, então sempre me esforcei para me atualizar, estar à frente. Quando, há oito anos, meus irmãos me nomearam a sucessora do negócio e assumi como diretora de operações, me encarreguei de colocar a empresa em um patamar de governança das empresas de capital aberto. Desde então, reestruturamos algumas áreas, criamos o comitê ESG e trouxemos uma big four para fazer a auditoria.
Atualmente faço parte de programas de mentoria feminina e tenho orgulho de abrir um precedente. Entendo que mulheres e homens trazem qualidades diferentes para o mercado. E precisam ser complementares. Por um lado, sou filha do fundador, mas também sou uma executiva com mais de 26 anos de experiência.
Falando sobre a governança de uma empresa de capital aberto, este pensamento está no horizonte próximo da Setin? Fazer o IPO é algo que planejam para o futuro?
Quando implementamos uma auditoria padrão CVM, lá em 2019, muita gente nos assediou para abrir capital na janela de 2020. Porém, nós não pretendemos fazer isso. Pelo menos não por enquanto. Pode ser que em um momento adequado, com uma boa janela, a gente volte a pensar nisso. Essas medidas de governança que implementamos é porque, apesar do comando familiar e fechado, queríamos trazer transparência aos nossos clientes, fundos, bancos e investidores.
Já que o IPO não está no horizonte, quais são os planos da Setin Incorporadora para o futuro?
Hoje, estamos muito focados na venda do estoque. Estamos vindo de um lançamento de luxo em setembro de 2024 e neste ano teremos outro lançamento de R$ 400 milhões. Porém, enquanto a taxa de juros não chegar a um patamar saudável, manteremos a cautela. Vamos observar o mercado, acompanhar o consumo e continuar comprando terrenos. Estamos nos preparando para colocar novos produtos no mercado quando a taxa começar a descer. É aquele "acelera e breca".
Você pode acompanhar o Summit Imobiliário ao vivo pelas redes sociais do Estadão e pelo portal estadao.com.br no dia 30, das 8h30 às 17h. Veja a programação completa aqui.
