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Lançada há um mês, consulta a recebíveis ainda demora e empresas registradoras trocam acusações

Valores recebidos por lojistas nas vendas por cartão podem ser usados como garantia em empréstimos; número de pedidos de consultas de instituições financeiras ficou muito acima do esperado

5 jul 2021 - 11h14
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A nova regra do Banco Central (BC) para registro de recebíveis de cartão no Brasil começou aos trancos e barrancos no dia 7 de junho e ainda não opera bem. O sistema, que funciona com princípios do open banking, depende da troca de informações entre as registradoras, que têm tido dificuldades de acessar os dados umas das outras. Consultas que poderiam acontecer em até 1 minuto levam até três horas, segundo informou a Central de Recebíveis (Cerc), uma das três empresas autorizadas a fazer o registro dos recebíveis de cartão. As outras duas são a Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP) e a TAG Tecnologia.

Desde junho, todos os valores dos recebíveis das transações com cartões têm de ser registrados em câmaras registradoras, que são responsáveis por atestar a existência dos mesmos. Os recebíveis são os pagamentos que os lojistas recebem nas vendas em que os clientes optam pelas modalidades de crédito ou débito e são usados como garantia por essas empresas para a obtenção de crédito.

Há dois motivos apontados para a lentidão do sistema: o primeiro é o envio tardio de dados de contratos antigos por parte das registradoras, o que sobrecarregou o sistema. Havia uma grande quantidade de contratos antigos de crédito que deveriam ter sido importados para o novo sistema antes que ele fosse lançado, mas esse processo não foi concluído.

"O primeiro problema que tivemos foi que, em vez de termos operações de um dia normal de funcionamento, tivemos o tombamento (importação de dados) acontecendo desde o dia 7 de junho. O ambiente de interoperabilidade foi programado para lidar com um dia de operação e não com 24 meses de legado (dados de contratos antigos). Isso afetou demais a performance desse ecossistema", afirma Fernando Fontes, fundador e CEO da Cerc.

Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a CIP não terminou de lançar essas informações no sistema e ainda deve fazer lançamentos na próxima semana. Parte do atraso teria ocorrido em razão de validações solicitadas pelo sistema da Cerc, que, após uma reunião com o Banco Central ocorrida na sexta-feira, 2, devem ser acertadas.

Em nota, a CIP afirmou que "acordou com seus participantes que seu tombamento seria restrito às credenciadoras e subcredenciadoras conectadas à própria CIP, em função do risco levantado pelo mercado relacionado à interoperabilidade" e que terminou o "tombamento de legado de seus contratos abrangendo credenciadoras da CIP" em 6 de junho.

No entanto, ela afirma que, após esse processo, vem tentando "abranger um volume pequeno de Unidades de Recebíveis presentes em credenciadoras conectadas às demais registradoras, porém sem sucesso, tendo em vista que as demais Registradoras não vêm conseguindo responder às requisições enviadas dentro do tempo convencionado de 60 segundos".

A Cerc, por sua vez, afirma que terminou de importar seu legado de dados, enquanto a TAG não teria, segundo apurou a reportagem, dados de contratos antigos para integrar o sistema.

Todo esse atraso, porém, pode ter consequências. É possível que durante as últimas semanas tenham sido fechados novos contratos de empréstimos com garantias de recebíveis já atrelados a contratos anteriores, que ainda não haviam entrado no inventário de dados. Assim, daqui a aproximadamente duas semanas terá de ser encaminhado um processo de reordenamento de prioridades. Isso significa que contratos de antecipação de recebíveis que porventura tenham sido fechados com garantia de recebíveis que já eram prometidos em outro empréstimo passarão a ter prioridade secundária em caso de não pagamento. Essa última etapa tem causado mal estar no mercado de crédito.

Volume de acessos

O segundo causador de lentidão foi um número de consultas de instituições financeiras muito acima do esperado. Após a mudança no registro de recebíveis, fintechs ou bancos podem pedir acesso a esses dados e oferecer crédito para os varejistas, usando esses pagamentos futuros como garantia.

"Tínhamos premissas de quantas consultas a gente receberia. Quantas operações de crédito deveriam acontecer, em quantas situações os lojistas iriam deixar um terceiro acessar seus dados, porque os dados só podem ser consultados com o consentimento do lojista. Na primeira semana, em que esperávamos receber de 1 milhão a 2 milhões de consultas, recebemos 250 milhões", afirmou Fernando Fontes, da Cerc.

Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a TAG registrou algo em torno de 22 milhões de pedidos de acesso. Apesar de não ter uma expectativa oficial, a companhia teria considerado o número previsto pela Cerc, de até 2 milhões, algo mais aceitável. A CIP não informou qual era a sua previsão nem quantas foram registradas por ela, mas disse não ter sido tão surpreendida com o fluxo já na largada. "As quantidades de consultas sempre foram consideradas muito maiores do que 2 milhões por semana pela CIP, uma vez que já sabíamos o tamanho do mercado", afirmou por escrito.

O grande problema é que, pela nova regra, as instituições financeiras só poderiam pedir o acesso a dados de um varejista se tivesse autorização dele para isso. "É surpreendente que, já nas primeiras semanas, o volume de gente que já teria autorizado alguém a acessar seus recebíveis fosse tão massificado. Isso gerou bastante desconforto: 'será que tem gente consultando coisas sem autorização? Isso sobrecarregou o sistema nas primeiras semanas e fez com que os primeiros dias fossem muito tumultuados", diz Fontes.

Em razão disso, o BC teria emitido comunicados que lembravam os participantes das regras do jogo. Segundo a Cerc, depois disso, as consultas caíram para cerca de um décimo das 250 milhões de consultas semanais que chegaram a ser registradas. Nota-se que não há um mecanismo que impeça a consulta desautorizada no sistema. Uma vez que a instituição financeira faz a consulta, porém, ela declara que tem essa autorização e pode ser punida caso em algum momento se descubra que isso não é verdade.

Sobre os acessos além do esperado, a CIP afirmou ainda que ela própria fez mais consultas que o normal, em razão de falta de respostas das pares. "Tendo em vista que as demais registradoras não vêm respondendo dentro do SLA convencionado, acabamos consultando mais de uma vez o mesmo cliente até que a operação tenha sucesso, o que aumenta o volume de consultas", escreveu em nota.

A TAG afirmou, também por meio de nota, que "é imperativo dizer que este é um movimento importantíssimo que vai revolucionar o mercado de crédito, trazendo mudanças efetivas e redução do spread bancário. E por mais que ainda existam alguns problemas técnicos, é natural para um projeto com tamanha complexidade."

A empresa disse ainda que é a primeira vez que o País vê, de fato, uma interoperabilidade entre três infraestruturas de mercado e o registro de recebíveis de cartão. "É uma dinâmica inédita, na qual é esperado que haja um tempo de estabilização, um período de ajustes. Neste momento, as três casas, com o apoio irrestrito do Banco Central, estão trabalhando de forma bastante colaborativa num projeto macro de avanço para melhorar o sistema que, esperamos, em breve, passado esse período atípico de tombamento, estar operando normalmente".

Procurado, o Banco Central preferiu não comentar.

Estadão
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