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Com reforma no Imposto de Renda, empresas podem antecipar dividendos

Proposta do governo enviada ao Congresso tributa dividendos em 20%; analistas dizem que empresas já começam a calcular alternativas caso o texto seja aprovado

30 jun 2021 - 18h01
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O ano de 2021 pode ser memorável para a distribuição de dividendos pelas empresas listadas na Bolsa brasileira, mas não necessariamente por causa de seus resultados. Se a segunda parte da reforma tributária, proposta pelo governo na semana passada, for aprovada nos moldes atuais, as companhias podem correr para pagar aos seus acionistas as reservas de lucros que possuem hoje. Outra possibilidade é de que se endividem para distribuir lucros aos acionistas, o que criaria uma nova frente de dedução de impostos quando a reforma passasse a valer.

Os dois pontos da reforma que levam a essas conclusões, feitas por analistas consultados peloEstadão/Broadcast, são o da tributação de dividendos em 20% e a da extinção da dedução dos juros sobre o capital próprio (JCP) dos impostos pagos pelas companhias. Hoje, os dividendos são isentos de impostos, e os juros, que entram no balanço das companhias como despesa, reduzem os tributos que elas devem ao Fisco.

A proposta ainda está em fase de projeto e pode ser modificada pelo Congresso, mas as empresas já começam a calcular alternativas para o caso de o texto ser aprovado. "Ontem (segunda-feira, 28), nós recebemos duas propostas de clientes para distribuir dividendos neste ano", afirma Maria Carolina Sampaio, sócia do escritório GVM Advogados e especializada em direito tributário. Uma dessas empresas, de mineração, tem R$ 200 milhões em lucros acumulados. A outra, uma siderúrgica, possui R$ 109 milhões na reserva.

Maria Carolina explica que o lucro é um recurso que cabe aos sócios de uma empresa, e que por isso, as opções de uso vão de investimentos à distribuição aos acionistas. "A ideia, nesse momento, é a de tirar esse dinheiro do alvo do Fisco", afirma. Segundo ela, os dividendos extraordinários são a única ferramenta que evita e não apenas atrasa a tributação dos recursos.

Nas companhias abertas, a possibilidade de que essa distribuição ocorra já é ventilada no mercado financeiro. "Quem tem muito lucro acumulado e uma alavancagem baixa pode, neste ano, pagar um dividendo extraordinário grande", diz Marcelo Sá, estrategista do Itaú BBA. "Essa empresa vai aos bancos ou emite uma debênture, se endivida e paga um dividendo extraordinário grande para evitar uma taxação sobre esse lucro."

Por levarem, em alguns casos, a deduções tributárias, as dívidas podem ser um bom negócio para as empresas que hoje pagam altos valores em JCP e conseguem abater bilhões em impostos com o mecanismo. Esse grupo inclui a Ambev, que tem R$ 14,3 bilhões em caixa líquido (ou seja, já descontadas as dívidas), e o Banco do Brasil, que, de acordo com analistas, tem uma estrutura de capital em que o JCP o favorece mais que aos demais bancos, em termos tributários.

Essa corrida para entregar dinheiro ao investidor teria como pano de fundo uma das pretensões do governo com a reforma, de estimular investimentos produtivos. Grandes empresas, que já são consolidadas e têm pouco espaço para crescer, dificilmente conseguiriam reinvestir seus altos lucros na própria operação. "O mercado vai premiar as empresas com maior capacidade de reter lucros. As empresas que conseguem diluir ou reinvestir esse lucro para crescer à frente tendem a ser premiadas", diz Filipe Villegas, estrategista da Genial Investimentos.

Nada muda ainda

De acordo com Sá, do BBA, as maiores pagadoras de dividendo estariam mais propensas a fazer pagamentos extras, desde que sua alavancagem seja baixa. Levantamento da Economatica, realizado a pedido do Estadão/Broadcast, mostra que os maiores retornos em dividendos (medida que leva em consideração a proporção de pagamento em relação ao valor da ação) da Bolsa estão espalhados em setores variados, como os de transmissão de energia, mineração e indústria química.

A reportagem procurou as empresas desses setores para saber se há alguma previsão de mudança em suas políticas de distribuição de lucros ou de pagamento de dividendos extras neste ano em caso de aprovação da reforma.

A Isa Cteep informou, em nota, que não planeja, neste momento, qualquer mudança em sua política de dividendos, que prevê a distribuição de 75% de seu lucro líquido regulatório. Segundo a companhia, eventuais alterações dependem das leis que forem aprovadas.

A Eletrobrás disse que não há previsão de pagamento extra de dividendos neste ano, e que a distribuição aprovada até aqui, de R$ 1,5 bilhão, será depositada aos acionistas até o dia 31 de dezembro. A estatal paga o mínimo obrigatório de 25% dos lucros, e não prevê mudanças nessa política.

Já a Taesa informou que aguarda a tramitação da proposta no Congresso para analisar os impactos sobre a companhia. A Copasa, por sua vez, disse que não há estudos sobre mudanças nos pagamentos em caso de aprovação da reforma, e que os dividendos extraordinários dependem da alavancagem da companhia. Neste ano, segundo a estatal mineira de saneamento, o pagamento ficará limitado ao mínimo de 25% do lucro.

A Wilson Sons informou que acompanha a tramitação do projeto no Congresso, e que aguarda uma definição para avaliar o cenário. Cyrela e Vale não comentaram. Unipar, Dexxos (ex-GPC) e CPFL não responderam até a publicação.

Estadão
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