Congresso aprova MP que reformula setor elétrico e texto vai à sanção; entenda ponto a ponto
Texto foi aprovado na Câmara e no Senado em votações 'relâmpago'; governo fez acordo para preservar usinas a carvão e beneficiar J&F mas recua em térmicas a gás
BRASÍLIA - Depois de uma aprovação em apenas um minuto na Câmara dos Deputados, o Senado também aprovou em votação simbólica nesta quinta-feira a Medida Provisória 1304 que reformula o setor elétrico, em sessão que durou seis minutos. Agora, o texto vai à sanção presidencial.
A proposta faz alterações em diversos pontos do setor, como a criação de um calendário para permitir a adesão de consumidores da baixa tensão ao mercado livre de energia; a contratação de termelétricas a carvão, a distribuição entre os consumidores de prejuízos sofridos por geradores de energia renovável e mudanças no preço de referência de petróleo para o pagamento de royalties, entre outras.
Como mostrou o Estadão, o governo fechou um acordo com os membros da comissão especial que analisou a MP para retirar a previsão de compra compulsória de energia gerada por termelétricas a gás instaladas em Estados selecionados. A geração de usinas movidas a carvão, no entanto, foi preservada, o que beneficia o grupo J&F.
Na Câmara, foi retirada uma cobrança que atingiria os pequenos geradores de energia solar da geração distribuída (MMGD). A taxação seria usada para compensar os prejuízos sofridos pelos grandes geradores de energia eólica e solar com o chamado curtailment (cortes de geração). Sem a taxa, esses geradores serão ressarcidos por um encargo pago por todos os consumidores de energia.
Veja abaixo os principais pontos:
Acesso ao mercado livre de energia
A MP fixa calendário para que consumidores de energia da baixa tensão, os pequenos consumidores, tenham acesso ao mercado livre de energia elétrica. Neste mercado, os consumidores poderão escolher seus fornecedores, acessando fontes mais em conta, e ainda pagar por uma fatia menor de encargos setoriais.
A proposta original do governo previa que a adesão dos pequenos consumidores do setor comercial e industrial começaria no ano que vem. Já para os residenciais, a migração seria autorizada para 2027.
A MP estabelece um prazo de até 24 meses para adesão dos consumidores industriais e comerciais de baixa tensão, a partir da promulgação da norma. Para os consumidores residenciais, a migração deve ocorrer em até 36 meses, ou seja, três anos.
Contratação de térmicas a carvão, mas não a gás
O governo fechou um acordo com parlamentares para retirar do texto a previsão de compra compulsória de energia gerada por termelétricas a gás instaladas em Estados selecionados. A geração de usinas movidas a carvão, no entanto, foi preservada.
A opção beneficia principalmente o grupo J&F, que adquiriu a usina de Candiota (RS), movida a carvão, cujos contratos de venda de energia estavam prestes a expirar. Com a autorização prevista na MP, Candiota poderá continuar gerando energia até 2040, e sua produção será comprada como energia firme (de reserva) para o sistema.
O trecho que tratava da compra compulsória de 4.250 MW de termelétricas a gás, geradas a partir de Estados selecionados, alguns deles onde sequer há o combustível ou usinas instaladas, caiu. A iniciativa beneficiaria principalmente distribuidoras em que o empresário Carlos Suarez, apelidado de Rei do Gás, é sócio.
Ressarcimento das geradores renováveis pelo curtailment
O plenário aprovou uma emenda ao texto, alterando a forma como esses grandes geradores renováveis (eólica e solar) que estão sofrendo com os cortes de energia serão ressarcidos. O texto aprovado prevê que a compensação seja paga por um encargo que recai sobre as contas de todos os consumidores de energia, chamado de ESS (Encargos de Serviços do Sistema).
A Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace) estima que esse impacto pode chegar a R$ 7 bilhões. O pagamento levará em conta os prejuízos acumulados desde 1º de setembro de 2023, até a data da publicação da Medida Provisória.
Mudança no preço de referência do petróleo
A MP retirou o conceito do chamado preço de referência para o setor de petróleo e adotou no cálculo do pagamento de royalties e participações especiais o valor de venda do barril de petróleo. O argumento é que isso tende a aumentar a arrecadação do governo e de Estados e municípios que recebem royalties pela exploração no Brasil.
A medida afeta os resultados da Petrobras e pode impactar o pagamento de dividendos da estatal ao governo federal, seu controlador. A perspectiva afetou o desempenho das ações da empresa na Bolsa de Valores.
Até agora, as petroleiras apuram o pagamento desses royalties e participações especiais a um preço que não é o praticado na venda, mas sim o resultado de uma fórmula elaborada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), que deixa o valor do barril abaixo do preço de mercado.
As petroleiras alegam que a mudança altera regras que acabaram de ser revisadas pela ANP, e que isso pode afetar investimentos no longo prazo, inclusive na exploração da Foz do Amazonas.
Teto para a CDE
A MP coloca um teto para a chamada Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um encargo que é pago pelos consumidores na conta de luz, principalmente os de baixa tensão (pequenos consumidores residenciais e comerciais). A proposta congela valor gasto em 2025, com correção apenas pela inflação.
O texto, contudo, exclui da conta subsídios usados para financiar o programa Luz para Todos, para o custeio da energia para a baixa renda, a conta do combustível para sistemas isolados, entre outros. São ao todo sete subsídios "extrateto", o que permite que a conta paga pelos consumidores continue subindo.
De um total de R$ 49,22 bilhões em subsídios na CDE, cerca de R$ 25,96 bilhões ficarão fora do teto, ou seja, poderão continuar crescendo sem nenhuma trava. Nesta quarta-feira, 29, atendendo a pedido da bancada ruralista, o senador excluiu do limite os subsídios usados para financiar a irrigação rural.
Baterias com isenção de imposto
O texto cria regras para o funcionamento do setor de armazenamento (baterias), com mecanismos prevendo a sua contratação e rateio dos custos distribuído entre os geradores de energia.
O setor de baterias terá acesso a benefício de redução de impostos federais, como PIS/Cofins e Imposto de Importação para equipamentos, com renúncia fiscal limitada a R$ 1 bilhão no ano que vem. O setor foi incluído entre os que podem usufruir de benefício do REIDI (Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura).