Cúpula do Mercosul: Lula e Milei travam embate sobre Venezuela e fracasso do bloco
Enquanto brasileiro alerta para 'catástrofe humanitária' com intervenção na Venezuela, argentino apoia pressão dos EUA, decreta o fracasso dos objetivos do bloco e critica travamento do acordo com a União Europeia
FOZ DO IGUAÇU - A 67ª Cúpula do Mercosul, realizada em Foz do Iguaçu, foi marcada pelo contraste agudo entre as visões dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil) e Javier Milei (Argentina). Enquanto o líder brasileiro alertou para os riscos de uma intervenção externa na região, o argentino endossou a pressão militar dos Estados Unidos contra o governo do ditador Nicolás Maduro.
O encontro evidenciou não apenas as diferenças ideológicas sobre a crise venezuelana, mas também visões opostas sobre o modelo econômico e a integração regional do bloco sul-americano.
Milei: "Nenhum objetivo se cumpriu"
Em um discurso contundente contra a estrutura atual do bloco, Javier Milei afirmou que os objetivos da união aduaneira nunca foram atingidos e diagnosticou o Mercosul como um sistema travado pela burocracia.
"O Mercosul nasceu com uma missão clara de promover o comércio, aumentar a prosperidade, integrar mercados e elevar a competitividade das nossas sociedades e nenhum dos objetivos centrais se cumpriu", disparou Milei.
O argentino listou uma série de falhas estruturais que, segundo ele, impedem o desenvolvimento regional: "Não há mercado comum, não há livre circulação efetiva, não há coordenação macroeconômica, não há harmonização normativa real, não há incremento significativo de comércio interno, não há abertura suficiente ao mundo".
Para Milei, a tentativa frustrada de fechar o acordo com a União Europeia (UE) é a prova cabal da lentidão do bloco. "A experiência demonstra que quando o Mercosul tenta avançar de maneira monolítica, os processos se dilatam e as oportunidades se perdem", afirmou.
O presidente argentino ainda deu um ultimato: "Nossos países não têm mais dez anos para desperdiçar em discussões administrativas", disse ele, defendendo um sistema tarifário moderno e, principalmente, a flexibilidade para que cada Estado negocie acordos bilaterais fora do bloco.
O embate sobre a Venezuela
O ponto de maior tensão discursiva foi a situação na Venezuela. Lula foi enfático ao rejeitar soluções de força, declarando que uma intervenção armada seria uma "catástrofe humanitária para o Hemisfério Sul".
"A ameaça de soberania se apresenta hoje, sob guerra, antidemocracia e crime organizado", afirmou o presidente brasileiro.
Em contrapartida, Javier Milei utilizou seu tempo para saudar a política de "pressão máxima" exercida pelo governo de Donald Trump. O presidente argentino classificou Maduro como um "narcoterrorista" e líder do suposto "Cartel de los Soles", afirmando que a ditadura venezuelana "lança uma sombra escura sobre a nossa região".
O discurso de Milei ocorre em um contexto de escalada militar. Washington mobilizou força militar no Caribe e no Pacífico, onde bombardeios a embarcações suspeitas de narcotráfico resultaram em mais de 100 mortes. Trump, que não descarta uma intervenção terrestre, recebeu o apoio de Milei: "Reiteramos nosso chamado de que se respeite a vontade do povo venezuelano".
O argentino também celebrou o Prêmio Nobel da Paz de 2025 concedido à opositora María Corina Machado, cujo discurso foi lido por sua filha na semana passada, equiparando o chavismo ao "terrorismo de Estado".
Pautas Sociais e 'recado" à Enel
Tentando focar na cooperação interna, Lula propôs ao Uruguai uma reunião para combater o crime organizado e pediu ao Paraguai — que assume a presidência rotativa do bloco com Santiago Peña — um pacto pelo fim do feminicídio e proteção de crianças no ambiente digital.
No início de sua fala, Lula quebrou o protocolo para citar o recente apagão em São Paulo, que deixou 2,2 milhões de endereços sem luz. Ao liberar os demais presidentes para ultrapassarem o tempo de discurso, ironizou a concessionária de energia: "O que não pode é faltar energia, né, Enel?"
Polêmica nos Bastidores e Transmissão
O clima da cúpula já estava aquecido antes mesmo do encontro. Na semana anterior, Milei causou polêmica ao publicar uma ilustração comparando o Brasil e vizinhos a uma "grande favela", salvando apenas a Argentina como área futurista.
A tensão se refletiu na divulgação do evento. O governo brasileiro transmitiu ao vivo apenas as falas de Lula e do chanceler Mauro Vieira. O vídeo com o discurso de Milei foi publicado com atraso pela comunicação argentina. Coube ao Paraguai ser o único país a transmitir a cúpula na íntegra e em tempo real.