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Castello Branco: 'O papel da Petrobras não é fazer política social'

Para o ex-presidente da empresa, cabe ao governo, com aprovação do Congresso, criar programas para atenuar a alta nos preços dos combustíveis e do gás

19 out 2021 - 16h59
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Com a escalada dos preços dos combustíveis e do gás na ordem do dia, a concessão de subsídios aos consumidores pela Petrobras voltou a rechear o discurso de políticos e de economistas. Nesta entrevista ao Estadão, Roberto Castello Branco, ex-presidente da estatal, diz que "o governo é que tem de tomar medidas para resolver a questão, criando programas sociais, e não a Petrobras".

Castello Branco, que se tornou alvo de críticas públicas do presidente Jair Bolsonaro que acabaram levando à sua demissão, em abril, ao declarar que o problema enfrentado pelos caminhoneiros com a alta do óleo diesel não era da Petrobras, afirma que não se arrepende do que disse e continua pensando da mesma forma. "O preço do óleo diesel, se é mais caro ou mais barato, não é a Petrobras que define. São as condições de mercado."

Nos últimos meses, a Petrobras anunciou vários aumentos nos preços dos combustíveis e do gás. Só em 2021, até setembro, o preço médio do litro de gasolina já subiu cerca de 40% e o do gás de cozinha, quase 30%. O que está acontecendo? Por que os preços da gasolina e do gás estão subindo tanto?

No Brasil, existe um mito de que os preços dos combustíveis são altos, mas isso não é verdade. Os combustíveis e o gás são commodities globais. São produtos precificados em dólar e os seus preços tendem a convergir no mundo, exceto por impostos, subsídios e diferenças no custo de transporte, que variam conforme o país. No fundo, o preço do litro de gasolina é o mesmo aqui no Brasil, nos Estados Unidos, na Europa, no Azerbaijão e na China. Existe um site de fácil acesso, chamado GlobalPetrolPrice.com. Ele traz semanalmente os preços da gasolina e do diesel na bomba, no varejo, em cerca de 160 países. Ao consultarmos esse site, o que a gente observa é que os preços de diesel e da gasolina no Brasil estão sistematicamente abaixo da média mundial. No caso do diesel, há mais de 100 países com preços superiores aos do Brasil. No caso da gasolina, mais de 80 países. Mesmo se a gente corrigisse os preços pela renda per capita, o panorama não mudaria. Afinal, não existem mais de 100 ou de 80 países mais ricos que o Brasil. O Brasil não é um país rico, mas também não é tão pobre.

Em algumas localidades, o litro de gasolina já passa de R$ 7 e o botijão de 13 kg já chegou a R$ 135. Mesmo levando em conta que os preços no Brasil são influenciados pelas cotações do mercado internacional, a alta não está exagerada?

Até nos Estados Unidos, onde houve a revolução do gás de xisto, o preço do gás no atacado já subiu mais de 120% em 2021. Na Ásia, quase 300%. Na Europa, também. No Brasil, isso foi agravado pela desvalorização do real em relação ao dólar. O preço doméstico da gasolina é, basicamente, o preço internacional multiplicado pela taxa de câmbio. O preço no mercado internacional é volátil e a taxa de câmbio é muito volátil. O resultado é que a volatilidade dos preços dos combustíveis acaba sendo maior que a soma da volatilidade dos dois fatores.

O que explica, em sua opinião, a alta do dólar?

A desvalorização do real em relação ao dólar reflete vários problemas domésticos. Nós temos principalmente incertezas de natureza política e um déficit fiscal sistemático, um endividamento público elevado. Não há sinais de ajuste fiscal. Ao contrário. Todas as pressões são para levar a mais desequilíbrio fiscal. É um cenário muito negativo. Nós somos um país exportador de commodities, como minério de ferro e produtos agrícolas, cujos preços subiram de forma significativa nos últimos 12 meses. Ao mesmo tempo, o Banco Central está promovendo um aumento nos juros. A tendência seria o real se valorizar em relação ao dólar, mas isso não está acontecendo.

Até os preços do etanol, que é totalmente produzido no País e em tese não deveria sofrer o impacto da variação das cotações do petróleo no mercado internacional nem da alta do dólar, estão disparando. Qual o sentido disso?

Por que o preço do álcool está disparando? Porque o álcool também é produzido a partir de uma commodity, que é o açúcar, cujo preço também está em alta no mercado internacional. O pessoal faz toda essa confusão com os preços dos combustíveis, mas os preços dos alimentos também subiram muito no País. Apesar de o Brasil ser grande produtor de alimentos que são commodities internacionais, como soja, milho e carnes, os preços tiveram uma alta significativa no mercado interno, porque os preços globais subiram muito - e isso afeta de forma mais intensa os mais pobres do que o aumento nos preços dos combustíveis. O maior índice no orçamento de uma família pobre é alimentação, mas a alta dos alimentos não tem a mesma popularidade que a dos combustíveis, porque não há um lobby concentrado e as críticas não têm um alvo só, como a Petrobras. Esta foi uma das razões que me levaram a lançar um programa de privatização de metade das refinarias da Petrobras, para que hajam outros fornecedores, reduzindo o risco de intervenção nos preços. Infelizmente, toda a discussão sobre os preços dos combustíveis tem como resultado inviabilizar o interesse na compra de refinarias no Brasil.

Tem gente que diz que os custos de extração, refino e distribuição de combustíveis no País, já colocando uma taxa de retorno para a Petrobras, são menores do que os preços internacionais, e que, na média, haveria uma margem de manobra para que fossem menores aqui do que lá fora. O que o sr. pensa sobre isso?

A Petrobras tem realmente um custo de extração do petróleo no fundo do mar muito baixo. Mas tem de acrescentar vários outros custos na conta, inclusive tributos. A tributação sobre petróleo no Brasil é muito elevada. Tem também o custo do transporte, do refino. As refinarias são antigas. Os custos de produção, apesar das reduções que foram feitas nos últimos anos, ainda são elevados. No Brasil, existe uma legislação que exige um número mínimo de trabalhadores por refinaria. Há uma série de exigências trabalhistas. De 2011 a 2014, como falei, a prova já foi feita e a Petrobras perdeu muito dinheiro. Isso é incontestável. A Petrobras era forçada a importar por um preço X e a vender no mercado doméstico a um preço de X menos Y, realizando um prejuízo. Tinha também a perda do custo de oportunidade em relação ao produto que ela própria produzia. Deixava de gerar caixa para servir a sua dívida, realizar investimentos e pagar dividendos para os seus acionistas, inclusive o Estado brasileiro.

Desculpe insistir no assunto, mas não tem como dar uma suavizada nessa volatilidade dos preços internacionais sem prejudicar os acionistas e a gestão financeira da Petrobras, para reduzir o impacto dos aumentos na nossa economia?

A Petrobras teve um período de reajustes diários ou praticamente diários de preços de combustíveis, que acabou resultando na greve dos caminhoneiros de 2018. O que fizemos foi espaçar os reajustes, tornando-os semanais ou quinzenais, porque não há outra maneira de lidar com isso. Se você passar o reajuste para mensal ou bimestral, o que acontece? Além de perder dinheiro caso o preço no mercado internacional esteja subindo rapidamente - e não há como recuperar isso depois -, você terá de dar grandes reajustes de uma vez só, o que gera resistências e protestos por parte dos consumidores. Então, é preferível dar reajustes menores, não diários, mas com prazos mais curtos. Uma vez eu perguntei para os meus colegas CEOs de outras grandes companhias de petróleo do mundo, se a questão de preço de combustível era prioritária na agenda deles, porque pra mim era, e eles acharam estranha a minha pergunta. Eu acordava de madrugada, para ver como estava o preço do diesel, o preço do petróleo. Enquanto os outros CEOs estavam felizes quando o preço estava subindo, porque as suas companhias ganhavam mais dinheiro, eu tinha de me preocupar com esse problema, que não é do produtor de petróleo, do produtor de combustíveis. É um problema de governo. É o governo que tem de tomar medidas para resolver isso, criando programas sociais, e não a Petrobras.

Alguns analistas defendem a ideia de que o governo deve criar um fundo de estabilização, para reduzir o impacto da volatilidade dos preços dos combustíveis no País. O sr. é a favor desta proposta?

Eu não sou favorável a um fundo de estabilização. Acho que teria uma administração complexa, num país complexo como o Brasil. Além disso, haveria outro problema: uma das funções do sistema de preços é atuar como um farol para os agentes econômicos. Se o preço sobe, se a gasolina fica cara, isso sinaliza para o consumidor que ele tem de economizar no consumo. O sinal dado pelos preços acaba fazendo com que o próprio mercado se corrija, aumentando a oferta e reduzindo a demanda, o que acabará fazendo com que o preço baixe. É por isso que o sistema de preços tem uma função importantíssima. Agora, se você cria um preço de estabilização, você apaga esse farol. Por isso, sou favorável a uma política de estabilização em que exista menos volatilidade no câmbio - e isso é possível. Em outros países, o câmbio é menos volátil, com reflexos muito positivos sobre a atividade econômica. Um deles é uma menor volatilidade nos preços de combustíveis. Nós não temos nenhuma ação sobre o preço da gasolina e do diesel, que são determinados no mercado global, mas podemos ter alguma interferência na taxa de câmbio.

Uma coisa que a gente ouve por aí - e às vezes pensa também a mesma coisa - é que no exterior a volatilidade dos preços dos combustíveis leva a altas quando o mercado sobe e a baixas quando o mercado cai, mas no Brasil o preço só sobe, nunca cai.

Não é verdade. No ano passado, por exemplo, houve períodos em que reduzimos o preço do diesel em 40% e o da gasolina mais ou menos na mesma proporção. Algumas pessoas falavam "quero ver a Petrobras agora reduzir preços". Pois bem, eu reduzi normalmente. Isso vale para a alta e também para a baixa. Até maio e junho de 2020, os preços da Petrobras foram reduzidos significativamente.

No começo do ano, antes da sua saída da Petrobras, quando os caminhoneiros começaram a reclamar do preço do óleo diesel, o sr. disse que "não era um problema da Petrobras", o que gerou duras críticas do presidente Jair Bolsonaro. Junto com outras coisas, isso acabou levando à sua saída da empresa algum tempo depois. Hoje o sr. ainda pensa a mesma coisa sobre a questão dos caminhoneiros?

Eu continuo achando a mesma coisa. O preço do óleo diesel, se é mais caro ou mais barato, não é a Petrobras que define. São as condições de mercado. Agora, como no caso do gás para os mais pobres, nesta questão também existe um problema social. Os caminhoneiros autônomos têm uma frota de veículos muito antiga, com uma média de vida superior há 20 anos. São caminhões que são grandes consumidores de combustível, que têm um custo de manutenção elevado, e as nossas estradas são péssimas. Fora isso, existe um excesso de oferta. Existem caminhões demais para a demanda de carga. Este problema teve origem naquele programa do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), desenvolvido de 2006 a 2015, em que houve uma superoferta de crédito subsidiado para a compra de caminhões. Posteriormente, a própria greve dos caminhoneiros de 2018 estimulou o setor privado, em especial o agronegócio, a adquirir suas próprias frotas de caminhões, para se proteger contra o risco de novas greves, agravando a situação.

O que é possível fazer para resolver o problema dos caminhoneiros?

Quando eu estava na Petrobras, nós propusemos um programa de compra de caminhões antigos. O governo compraria caminhões acima de 20 anos, de propriedade de caminhoneiros autônomos, e os venderia como sucata para as usinas siderúrgicas. Ao mesmo tempo, concederia bolsas de estudos para esses caminhoneiros em órgãos como Sebrae, Senac, Senai, para que eles tivessem uma requalificação profissional e saíssem do mercado. Seria uma forma de tirar milhares de caminhões de circulação e reduzir o excesso de oferta. Seria um programa menos custoso, por exemplo, do que a isenção de PIS (Programa de Integração Social) e de Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) do diesel, adotada temporariamente para atenuar o problema. Eu soube que o governo está pensando num programa que passa pela compra de caminhões, pelo financiamento para modernização de frota. Quer dizer, se o programa for realmente implementado, tudo vai continuar como está, com o mesmo excesso de frota, que está em torno de 2 milhões de caminhões, mas com caminhões novos, o que aumentaria ainda mais capacidade de carga. Então, embora a questão dos caminhoneiros não seja um problema da Petrobras, ela sempre procurou contribuir com ideias para a sua solução. A grande questão é que as soluções não são pensadas, são improvisadas. Você reduz o imposto de uma atividade, taxa outra, que já está supertaxada, e nunca olha para as despesas do governo. Tem muitos subsídios que o governo poderia tirar. As isenções fiscais chegam a quase 5% do PIB (Produto Interno Bruto). Isso deveria ser revisto, cortado, pelo governo, aprovado pelo Congresso. Em vez disso, o que se faz para poder gastar mais é tributar outros setores, ou seja, aumentar a intervenção do Estado na economia e asfixiar o crescimento econômico.

O sr. disse que a Petrobras sempre procurou contribuir com ideias para resolver o problema dos caminhoneiros. A Petrobras fez mais alguma proposta em sua gestão neste sentido?

Outra proposta apresentada por nós foi a da indexação dos contratos de frete ao preço do diesel, que foi implementada nos Estados Unidos nos anos 1970 e está em vigor até hoje. A partir de uma certa duração de viagem ou da quilometragem percorrida, os contratos de frete passariam a ser indexados ao diesel. Se o preço do diesel subisse mais do que X%, o frete aumentaria. Se caísse, o frete diminuiria. Eu apresentei a ideia ao futuro ministro da Infraestrutura (Tarcísio Gomes de Freitas), em dezembro de 2018, ainda no período de transição, e depois em reuniões ministeriais, mas nunca foi discutida, nunca foi implementada. A Petrobras também tomou a iniciativa de criar na BR Distribuidora, que era sua subsidiária, o chamado Cartão Caminhoneiro. Ele permitia ao caminhoneiro comprar óleo diesel num posto e fixar o preço pelos próximos 30 dias, que é um prazo suficiente para fazer uma viagem longa de ida e volta dentro do País, protegendo o caminhoneiro da volatilidade. Infelizmente, esse cartão não obteve sucesso. Não houve adesão numa escala que garantisse a viabilidade econômica do programa para a BR Distribuidora. Como a BR foi privatizada em julho de 2019, os novos acionistas acharam que a sua manutenção, dada a escala pequena, não era vantajosa, e eu não tinha mais como interferir nas decisões da empresa.

Estadão
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