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De hacker a cartão clonado: Telegram tem mercado de cibercrimes com "atendimento VIP"

Aplicativo de mensagens abriga verdadeiro "marketplace" de atividades ilícitas como cartões clonados, venda de dados e hackers de aluguel

15 dez 2023 - 14h49
(atualizado em 16/12/2023 às 05h00)
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Telegram oferece anonimato e facilidade de comunicação a criminosos
Telegram oferece anonimato e facilidade de comunicação a criminosos
Foto: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil

Operadoras de plano de saúde, companhias de telefonia móvel, gigantes do varejo. São alguns exemplos de empresas que já me fizeram passar muita raiva com um atendimento ruim, seja feito por humanos ou pelos conhecidos chatbots.

O inusitado é que, ao contrário dessas companhias, existe outro tipo de organização que parece saber usar muito bem sistemas automatizados para atender seus clientes: o cibercrime

Mergulhei no universo do Telegram para entender como a plataforma virou um verdadeiro "atacadão" de atividades ilícitas na internet. Tem de tudo: cartões clonados, venda de dados vazados, hacker de aluguel, fábrica de nudes falsos, entre outros.

É um mercado paralelo de serviços criminosos facilitados por bots sofisticados e vendedores solícitos. Os canais e grupos funcionam como vitrines, exibindo uma gama de serviços criminosos disponíveis para compra.

Em muitos casos, os bots atuam como intermediários entre os criminosos e os clientes — e superam, em termos de usabilidade, muitos chats automáticos de grandes empresas e entidades públicas.

O caminho é fácil: basta buscar por palavras-chave intuitivas e alguns grupos aparecerão nos resultados do Telegram. Não vamos reproduzir os termos usados para não facilitar o acesso a esse tipo de conteúdo.

Nos canais de venda em que entrei, o processo é simples: você compra créditos dentro do próprio bot, que podem ser pagos via chave Pix ou transferência em Bitcoin. Com esses créditos, os usuários podem então adquirir os serviços ilegais oferecidos.

Em outros casos, os vendedores de carne e osso interagem com os clientes e ofertam livremente seus produtos na plataforma, prezando por uma verdadeira construção positiva de imagem de sua "empresa".

Criminosos ofertam atividades ilícitas em canais, grupos e por meio de bots
Criminosos ofertam atividades ilícitas em canais, grupos e por meio de bots
Foto: Reprodução/Telegram

Não conseguimos checar se, ao efetuar um pagamento, o crime sendo ofertado é realmente cometido. Portanto, é possível que muitas das supostas vendas sejam, na realidade, golpes para desavisados que queiram se aventurar em uma atividade ilícita.

Ou seja: quem fizer um Pix na esperança de receber um cartão clonado ou contratar um hacker para acessar um perfil no Instagram de alguém, na verdade, pode acabar sem o dinheiro e também sem o serviço criminoso.

"Tudo indica que, apesar de existirem as fraudes, algumas ofertas podem ser sim verdadeiras", diz Maria Cruz, analista da Palver, empresa de análise de dados que monitora canais no Telegram.

A especialista cita uma "regulação" feita pelos próprios agentes do mercado paralelo. Os fraudadores seriam expostos nos grupos e chamados de "lotters", uma gíria ao mundo gamer que designa jogador que rouba itens.

"Os próprios vendedores tentam mostrar legitimidade de seus produtos", diz.

Em um dos vídeos que encontrei, um vendedor explica aos usuários como usar o chatbot que recolhe pagamentos e pedidos. Ele filma a tela do próprio celular e produz um passo-a-passo detalhado.

"Vou ensinar vocês a depositar no bot, porque tem muita gente com dúvida", diz a voz do vídeo. Após a explicação, ele conclui: "Copiou e colou [o Pix] lá no seu banco, já era, missão feita".

Vendedor explica como usar o bot de encomenda de crimes
Vendedor explica como usar o bot de encomenda de crimes
Foto: Reprodução/Telegram

Nos últimos 30 dias, foram enviadas mais de 15 mil mensagens sobre produtos fraudulentos em mais de 10% dos grupos de Telegram monitorados pela Palver, segundo levantamento feito com exclusividade ao Byte.

Em média, grupos de Telegram com mensagens dessa temática possuem 5.200 participantes a mais que a média de grupos sem este conteúdo. Dentre mais de 900 usuários que enviaram estas mensagens, três deles representam 36% dos envios.

Por que o Telegram?

O Telegram é a plataforma escolhida por golpistas e outros tipos de criminosos por ter poucas regras de moderação e promover melhor condição de anonimato a seus usuários.

É uma alternativa à conhecida "deep" ou "dark" web, a parte da internet que não é acessada por buscadores como o Google, frequentemente utilizadas por contraventores para todo tipo de atividade ilegal.

As tendências indicam que o Telegram é eficaz para alcançar muitas pessoas, o que não ocorria tanto na dark web, que exige conhecimentos técnicos, segundo David González Cuautle, pesquisador da empresa de cibersegurança Eset.

"Para navegar na dark web, é necessário uma infraestrutura específica, como um navegador, VPN e proxy, enquanto no Telegram, basta instalar o aplicativo", diz o especialista.

Ao contrário dessa parte da internet, onde os URLs mudam constantemente, os canais no Telegram são estáveis e acessíveis assim que se faz contato com os cibercriminosos.

Os criminosos também têm preferências pelo Telegram devido à sua promessa de anonimato, mesmo que isso dependa de como o usuário configura seu aparelho.

O aplicativo também ofere a opção de tradução simultânea de mensagens, o que facilita a comunicação com usuários de outros países.

Regulação resolve?

O Brasil ainda não avançou significativamente nas tentativas de atualização do Marco Civil da Internet, peça legislativa de 2014 que regula o ambiente digital. Isso fez com que as maiores mudanças no cenário tenham ficado a cargo de decisões monocráticas do Poder Judiciário. 

Desde a implementação do Marco Civil, plataformas como o Telegram são obrigadas a respeitar as leis brasileiras, mesmo operando a partir de servidores estrangeiros. Entretanto, o texto isenta as redes sociais de responsabilidade de moderação ativa dos conteúdos postados por terceiros.

Em outras palavras, redes como o Telegram só devem se mover para barrar conteúdos nocivos se houver uma ordem judicial as obrigando.

O Projeto de Lei 2630 (PL das Fake News) ensaiou, sem sucesso, uma mudança nesse sentido. Visando dar mais responsabilidade para as redes, entrou em pauta no Senado em maio deste ano, mas enfrentou resistência de grandes empresas de tecnologia.

O Google e o próprio Telegram foram opositores notáveis, promovendo campanhas públicas contra a proposta e criticando-a por potencialmente aumentar a censura governamental. Essa oposição resultou no adiamento da votação do PL e esvaziamento da proposta.

O Supremo Tribunal Federal (STF) também teve a oportunidade de julgar a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que trata da responsabilidade de plataformas digitais por conteúdos prejudiciais postados por usuários, mas as decisões ficaram pendentes.

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"As maiores mudanças no Telegram foram impulsionadas por decisões judiciais e diretrizes da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) sobre a Lei Geral de Proteção de Dados. Destacam-se as ações do STF, especialmente do ministro Alexandre de Moraes, que determinou a presença de um representante do Telegram no Brasil, alinhado às práticas de outras redes sociais", comenta Tainá Junquilho, advogada e professora no IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa).

Para Rony Vainzof, especialista em direito digital e sócio do VLK Advogados, a crescente demanda por transparência no processo de moderação de conteúdo nas plataformas digitais é um processo global e sem volta.

Ele ressalta a importância de informações claras sobre o tratamento de atividades ilegais, tipos de conteúdo proibido, mecanismos para denúncias e medidas específicas para a proteção de crianças e adolescentes.

"Entretanto, apesar desses avanços, o Telegram ainda opera com um nível de liberdade que desafia as autoridades brasileiras", acrescenta o jurista.

A ausência de uma legislação específica para inteligência artificial e a dependência do Código Penal para punir crimes digitais limitam a capacidade de responsabilizar desenvolvedores de sistemas que facilitam atos ilícitos.

"A Lei Geral de Proteção de Dados é um passo importante, mas é necessário fortalecer a regulação para enfrentar esses desafios de forma mais eficaz", diz Junquilho.

Procuramos o Telegram para colher posicionamento sobre o assunto, mas até o fechamento desta reportagem não obtivemos resposta.

Fonte: Redação Byte
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