São Paulo enfrenta desafios para se tornar uma cidade resiliente, com questões como falta de espaço para áreas verdes, necessidade de tecnologias de longo prazo, barreiras culturais e investimentos em prevenção e adaptação climática.
O Programa das Nações Unidas para os Assentamentos (ONU-Habitat) define que cidades resilientes são aquelas capazes de manter o desenvolvimento sustentável, com seus habitantes, em meio aos choques e tensões enfrentados com as mudanças climáticas. Na prática, uma cidade resiliente garante que os moradores possam prosperar em um ambiente seguro, ao mesmo tempo em que enfrentam grandes desafios.
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O tema tem ganhado força nos últimos meses ao passo em que a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP30, se aproxima. A cidade de Belém, no Pará, foi escolhida como sede do encontro este ano, entre os dias 10 e 21 de novembro.
A Climate Week 2025, realizada pelo Cubo Itaú, em São Paulo, trouxe o debate à tona colocando em provocação a capital paulista. Afinal, podemos considerar esta metrópole como um exemplo de cidade resiliente frente aos desafios climáticos enfrentados com a urbanização?
Falta de espaço
A professora Paulina Achurra, do Insper, explica que as periferias e as favelas são os locais que mais sofrem com as mudanças climáticas e são o principal desafio quando nos referimos à construção de uma cidade resiliente. A falta de espaço nestes ambientes dificulta o plantio de árvores, por exemplo.
“A academia, o poder público, coletivos e associações de moradores estão se desdobrando para resolver esse desafio. Afinal, as árvores precisam ser saudáveis para fornecer todos os serviços ecossistêmicos. Por que quando chove cai tanta árvore? Porque estrangulamos essa árvore, as suas raízes”, diz.
De acordo com a pesquisadora, cidades resilientes trazem inúmeros benefícios na saúde, principalmente porque melhoram ondas de calor e frio e evitam, por exemplo, infecções respiratórias. “Precisamos de tecnologia. Temos projetos que já estão usando inteligência artificial para identificar o que deixa essas árvores menos resilientes e outros para mapear esse verde e realizar intervenções”, afirma.
Nesse quesito, podemos considerar que a falta de espaço em locais urbanos de São Paulo ainda é um grande desafio para a gestão pública. O plantio de mais árvores, de maneira segura, ajudaria a reduzir as temperaturas dos bairros da capital e evitar a proliferação das chamadas "ilhas de calor".
Tecnologias
Segundo Juliana Moura Bueno, gerente de políticas públicas do Google, algumas tecnologias têm sido desenvolvidas para auxiliar o aumento de áreas verdes nos grandes centros urbanos. Entre elas está a Environmental Insights Explorer (EIE), uma ferramenta desenvolvida pelo Google.
Com a EIE, é possível estimar as emissões de gases de efeito estufa de uma cidade e identificar as oportunidades de redução, além de avaliar o nível atual e futuro da resiliência climática de determinada cidade.
“Os dados do EIE podem estabelecer estratégias de adaptação climática e de gases de efeito estufa. Além disso, definir metas para mudanças de políticas públicas ou intervenções propostas. É possível também usar o EIE para direcionar prioridades de investimento, gerar apoio para ações climáticas ou implementar mudanças políticas ou intervenções climáticas”, explica.
O Google também conta com um sistema de alerta de inundações em tempo real. No entanto, ainda há desafios pela frente no que se refere ao desenvolvimento de novas tecnologias.
“Quais são os desafios? Para você fazer mapeamento, adaptação, mitigação, você não consegue ver esse resultado na hora, mesmo que você invista bastante. Para o gestor público, os resultados não são imediatos e o que a população verá, provavelmente, é não ter enchentes, ou não ter árvores derrubadas após um temporal. Do ponto de vista da dinâmica política é algo complexo, por que como você comprova que esse investimento deu resultado? É um investimento a longo prazo", pontua.
Fator cultural
Para Gustavo Siqueira, vice-presidente de Recursos Humanos Latam na Saint-Gobain, os aspectos culturais da população de um determinado local também influenciam no desenvolvimento de uma cidade resiliente.
"Nosso grande desafio como construção eletrosustentável é trazer isso para todos. Olhar o ruído, o conforto acústico. A gente fez um estudo de que muito da evasão escolar de lugares mais periféricos vem do ruído", diz.
Segundo Siqueira, no setor de construção civil, por exemplo, é comum que se priorizem mais casas com drywall, que é igualmente resistente a uma casa construída com tijolo, porém, mais econômicas. Essa ainda é uma solução não muito bem recebida por uma parte da população. "Geralmente, as pessoas confiam em construções com tijolo e concreto. Então é um fator cultural que influencia", afirma.
Há também motivações de apego pelo local em que determinada família reside. “No Rio de Janeiro, valão é um ponto de referência. Isso é super comum nas comunidades. Mas você não pode normalizar isso e achar que é normal. No entanto, você tenta tirar a pessoa do valão para levar ela para um local 20 km mais distante, com água e tratamento de esgoto, mas a pessoa não quer, por uma questão cultural”, exemplifica.
Quais as soluções?
Para além da gestão pública, iniciativas como as de Léo Farah, CEO da Hummus, e de Tatiana Monteiro de Barros, fundadora do movimento União BR, estão entre as soluções apresentadas para ajudar na construção de uma São Paulo mais resiliente.
De um lado, Farah trabalha com prevenção de desastres climáticos; do outro, Tatiana arrecada fundos de "respostas" a esses choques urbanos.
"O movimento surgiu na pandemia e foi criado para ajudar com cestas básicas e EPIs. Temos um olhar apartidário e apoiamos ONGs que já existem. A gente trabalha para que essas respostas sejam eficientes, mesmo com pouco recursos", afirma Tatiana.
Entre os projetos desenvolvidos pelo União BR estão a criação de uma comida desidratada que é enviada para populações em casos de enchentes, que é fácil de transportar e mais segura para armazenar. "Mas na época dos Yanomami, precisamos de ajuda da Funai e da Cesai para entender sobre a alimentação deles. Então criamos uma solução de comida desidratada para aquele povo. Era uma solução temporária, porque o ideal seria eles estarem caçando, plantando", explica.
O trabalho de Farah, focado mais na prevenção, é feito em parceria com governos e outras organizações não-governamentais. "Eventos naturais extremos vão continuar acontecendo com mais intensidade e maior frequência em locais que a gente jamais imaginou que iriam acontecer. É preciso treinar as defesas civis para que elas saibam criar um plano de contingência", declara.
Farah explica que é preciso também trabalhar com alternativas para a população. "Por exemplo, se São Paulo emite um alerta por SMS de que vai chover 40 mm e a pessoa precisa se abrigar, para onde ela vai? O que são 40 mm? Só alertar não faz o ciclo completo. Muitas pessoas relatam que quando ouvem uma sirene, em casos de enchentes, elas não sabem para onde correr e, por isso, ficam em casa", questiona.
Para ambos, a COP30 é uma oportunidade do Brasil mostrar que tem capacidade de desenvolver soluções para as mudanças climáticas, mas que recursos financeiros são essenciais para investir nos centros urbanos. "Com a COP30 no Brasil, a gente tem a oportunidade de mostrar que podemos investir na prevenção e proteger o bem maior que o Planeta e as vidas que estão em jogo", conclui Farah.