Qual é o papel da arte na conscientização ambiental? Como "questões urgentes" da atualidade podem ganhar mais visibilidade de forma interativa e acessível? Esses são alguns dos pontos abordados por Isabella Rjeille, curadora do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), durante o sexto episódio do podcast Futuro Vivo, publicado nesta terça-feira, 30.
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Conduzido pelo apresentador Victor Cremasco, o podcast conta com treze episódios e faz parte da plataforma de sustentabilidade homônima da Vivo. Os episódios são disponibilizados no Terra e em plataformas de áudio (Spotify) e vídeo (YouTube). Já participaram Carlos Nobre, Kaká Werá, Gilberto Gil, Denise Fraga e Bia Saldanha.
Ao lado do curador André Mesquita, Isabella aponta que produções contemporâneas têm se debruçado cada vez mais sobre as crises urgentes do mundo. Os artistas, segundo ela, estão "engajados" e ativamente "respondendo" não apenas às mudanças climáticas, mas também a todo o conjunto de desafios que define o momento atual da sociedade.
"Existem várias questões urgentes também sendo respondidas pelos artistas. Eu tenho visto, sim, muitos engajados e pensando nesse assunto e produzindo a partir disso, não necessariamente apenas as mudanças climáticas, mas atentos a esse momento que a gente está vivendo hoje" -- Isabella
"O dia a dia de um curador envolve escuta e olhar. A gente trabalha o tempo todo observando", descreve Isabella, que destaca a responsabilidade do papel do curador de arte em tornar discursos artísticos acessíveis para diferentes pessoas que visitam o espaço. "O discurso (das exposições) tem que ser generoso com o público também. Eu acho que, para mim, as melhores curadorias são aquelas que são generosas com o público, que a gente tem um entendimento acessível e didático", completa André.
Um dos exemplos desse olhar que pensa na acessibilidade é a Mostra Histórias da Ecologia, a mais recente no Masp e que fica em cartaz até fevereiro de 2026. A exposição propõe pensar a ecologia como uma rede de inter-relações entre humanos, animais, plantas e territórios, em pé de igualdade, em vez de hierarquia ou subordinação.
Na mostra, Isabella destaca a obra de tapeçaria de Melissa Cody, inspirada na tradição Navajo, que parte da tradição têxtil indígena e a projeta para o presente com novas cores e narrativas. "Para os Navajo, estar diante do tear é estar diante do universo, então, o tear é uma ferramenta de formulação e fabricação de mundos", classifica Isabella, ao citar que a mostra busca refletir a relação entre seres humanos e natureza por meio da arte, unindo cultura, ecologia e também ativismo.
Ecologia em foco
A mostra chega em um momento complexo para o Brasil, às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), quando a pauta ambiental ganha ainda mais destaque no País e no mundo. Por isso, para a dupla de curadores, a proposta de ter mostras dedicadas à ecologia exige uma descentralização da origem das narrativas.
"A gente estava muito preocupado em trazer trabalhos de artistas do sul global, e aí entra também esse trabalho muito cuidadoso de trazer visões de artistas que estão na África, no Japão. Trabalhos de artistas que não aparecem tanto aqui no Brasil, e leituras contemporâneas dessa questão da ecologia" -- André
Os curadores do Masp optaram por deixar de fora nomes consagrados como Robert Smithson, Richard Long e Joseph Beuys, artistas que já nos anos 1960 e 1970 exploravam a relação entre arte e natureza. A decisão foi pensada para evitar a repetição de reflexões já conhecidas e revisitadas e, assim, dar uma chance a novas vozes e olhares que ampliem a discussão sobre ecologia.
Com isso, a pluralidade geográfica escancara o fato de que a crise climática não respeita fronteiras e para desacelerá-la é necessário um olhar global e conectado. "O interessante é justamente fazer essa conexão entre norte e sul, no momento que a gente entende hoje de crise climática, que não respeita limites demarcados por nós, humanos, no mapa", pontua Isabella.
Segundo os curadores, a arte, em especial a que é voltada para questões da natureza, tem potencial de incentivar movimentações políticas e sociais. "Nos anos 1960, a gente tem a chegada e a formação de muitos movimentos ambientalistas ocupando as ruas. Já pensando nessa questão, a gente pode olhar hoje sobre a justiça climática. Muitos artistas acabam saindo do espaço da galeria e do museu e tentando trazer seus trabalhos de intervenção", diz André.
Arte e responsabilidade
Dado o cenário de planeta atual, com a perda de biodiversidade, a alta produção de resíduos e mais desafios que aumentam a emergência climática, a percepção dos curadores é que artistas mais contemporâneos têm pautado suas criações para se engajarem nessas questões.
O Masp promete estar atento ao tema da natureza em suas mostras. O museu escolhe um tema anual — edições anteriores incluem Histórias da Infância, da Sexualidade, das Mulheres — e Ecologia é o deste ano. "Como todas as histórias, não é um assunto que se encerra neste ano, e nem que começou a ser debatido agora. A ideia é que as histórias sejam interseccionais", explica a curadora.
"A gente sempre deixa muito claro que não é um projeto ou uma exposição totalizante, no sentido que a gente vai conseguir abarcar absolutamente tudo daquele tema ou a gente vai conseguir trazer as referências que são as mais conhecidas ou, para algumas pessoas, as mais importantes. A gente tem um balanço e uma reflexão e aí entra o trabalho da curadoria", completa André.
Na entrevista, os curadores foram convidados a imaginar como seria uma obra de arte criada pelo próprio planeta Terra para integrar uma exposição sob responsabilidade deles. Para André, a obra seria uma grande instalação regenerativa, que buscaria restaurar tudo o que foi perdido e não pode mais ser recuperado. Segundo ele, a arte e, especialmente, a curadoria de uma exposição são capazes de formar novas gerações e provocar debates intergeracionais.
"Uma grande utopia essa, inclusive, mas com muita responsabilidade também. Eu acho que o campo da arte serve para isso; para mim, traz muita responsabilidade social" -- André
Já Isabella se inspirou em uma experiência pessoal durante a pandemia, quando assistir a documentários sobre o cosmos a ajudava a lidar com a ansiedade. Ela descreveu como esse contato com a vastidão do universo a fazia refletir sobre a pequenez da humanidade, relativizar preocupações cotidianas e valorizar a responsabilidade compartilhada com elementos da natureza. "Se eu tiver que pensar numa obra de arte que o planeta produziria, pra mim, seria algo que trouxesse essa mesma sensação que assistir a um documentário de TV sobre o cosmos me trouxe".