María Corina Machado, líder da oposição venezuelana laureada com o Nobel da Paz, não compareceu à cerimônia de entrega do prêmio realizada em Oslo (Noruega), nesta quarta-feira (10/12).
Mas suas palavras ressoaram através de sua filha, Ana Corina Sosa Machado, que leu um discurso em seu nome.
"A Venezuela voltará a respirar. Abriremos as portas das prisões e veremos o sol nascer para milhares de inocentes que foram injustamente encarcerados", disse.
No discurso, a líder venezuelana enfatizou os valores da liberdade, relembrou a vitória eleitoral venezuelana de 2024 e fez um apelo pelo retorno da diáspora venezuelana.
Ela também dedicou o prêmio "aos milhões de venezuelanos anônimos que arriscaram seus lares, suas famílias e suas vidas por amor à liberdade".
Apesar de não ter recebido pessoalmente o prêmio, María Corina Machado decidiu viajar para Oslo, onde deve chegar nas próximas horas.
"Estarei em Oslo, estou a caminho (...) Estou prestes a embarcar no avião agora mesmo", anunciou Machado em uma breve conversa telefônica com membros do Instituto e do Comitê Nobel, que eles posteriormente divulgaram.
A líder da oposição não é vista em público desde 09/01, quando liderou uma manifestação em Caracas contra a juramentação do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, para um terceiro mandato consecutivo.
Desde então, todo contato com ela tem sido feito por videoconferências ou por meio de suas redes sociais.
"Contarei a vocês o que passamos e sobre as muitas pessoas que arriscaram suas vidas para que eu pudesse estar aí", declarou Machado em sua conversa telefônica com representantes do Nobel.
No fim de 2024, Machado informou que passaria à clandestinidade, em meio à onda de repressão com que as autoridades venezuelanas responderam aos protestos desencadeados após os resultados questionados das eleições presidenciais, que deixaram mais de 2 mil detidos, entre eles dezenas de líderes opositores.
A ida da opositora venezuelana à cerimônia foi cercada de idas e vindas e dúvidas.
Nas primeiras horas da manhã desta quarta, o Instituto Nobel Norueguês confirmou que ela não estaria no evento. Até aquele momento, porém, seu paradeiro era desconhecido.
Posteriormente, porém, a organização anunciou que a política venezuelana estava bem e que iria, sim, à cidade, mas não chegaria para a premiação.
"A laureada com o Prêmio Nobel da Paz, Maria Corina Machado, fez tudo ao seu alcance para estar presente na cerimônia de hoje. Uma viagem em situação de extremo perigo. Embora não tenha conseguido chegar à cerimônia e aos eventos de hoje, estamos profundamente felizes em confirmar que ela está bem e que estará conosco em Oslo", disse o instituto em nota enviada à imprensa.
Em outubro, o comitê do Prêmio Nobel decidiu conceder o prêmio à líder da oposição por seus "esforços incansáveis para promover os direitos e liberdades na Venezuela" e por defender "uma transição justa e pacífica para a democracia".
"María Corina Machado dedicou anos à luta pela liberdade do povo venezuelano", ressaltou a instituição, que acrescentou que "o controle férreo do poder por parte do governo venezuelano e sua repressão contra a população não são fenômenos únicos no mundo".
"Meu Deus... Não tenho palavras", foi a primeira reação da líder da oposição ao saber, em outubro passado, que havia se tornado a primeira venezuelana a receber o prêmio.
"Este é o feito de um movimento, de uma sociedade. Certamente não mereço um prêmio assim, mas o recebo com humildade e gratidão em nome do povo da Venezuela", afirmou durante conversa telefônica com Harpviken, também presidente do Comitê Norueguês do Prêmio Nobel de Paz.
Discurso sobre liberdade
Se uma palavra dominou o discurso de Machado, lido pela filha, foi "liberdade".
Ela lembrou como a Venezuela foi uma das primeiras nações do mundo a ter uma Constituição, onde direitos individuais como a liberdade religiosa eram protegidos e a separação dos poderes era promovida.
"Desde o início, acreditamos em algo tão simples quanto imenso: que todos os seres humanos nascem livres. Essa convicção se tornou a alma da nossa nação", afirmou.
Ela também destacou o papel da Venezuela como refúgio para aqueles que fugiam da repressão de ditaduras de direita na América Latina, da Guerra Civil Espanhola e para famílias que escapavam de conflitos na Síria, no Líbano e na Colômbia.
Machado opinou que essas liberdades foram corroídas após a ascensão de Hugo Chávez ao poder em 1999.
"Desde 1999, o regime se dedicou a desmantelar nossa democracia: violou a Constituição, falsificou nossa história, corrompeu as Forças Armadas, expurgou juízes independentes, censurou a imprensa, manipulou eleições, perseguiu dissidentes e devastou nossa biodiversidade."
E enfatizou a importância de lutar pela democracia.
"Este prêmio tem um significado profundo: ele lembra ao mundo que a democracia é essencial para a paz. E, mais importante, a principal lição que os venezuelanos podem compartilhar com o mundo é aquela forjada ao longo desta longa e difícil jornada: se queremos ter democracia, devemos estar dispostos a lutar pela liberdade", afirmou Machado.
Sob Chávez e depois sob Nicolás Maduro, após a morte de Chávez em 2013, a economia da Venezuela "entrou em colapso", continuou.
Durante o discurso lido por sua filha, a líder da oposição relembrou a prosperidade que o país experimentou no século XX com a exploração do petróleo, um recurso que, segundo ela, o governo Maduro usou em benefício próprio e administrou tão mal que levou a uma profunda crise.
"A riqueza do petróleo não foi usada para libertar, mas para subjugar. Máquinas de lavar e geladeiras foram distribuídas na televisão nacional para famílias que viviam em casas de chão de terra, não como símbolo de progresso, mas como espetáculo."
Machado relembrou como, em 2024, percorreu o país durante um processo eleitoral no qual foi impedida de concorrer.
No entanto, ela não se manteve passiva e apoiou o diplomata Edmundo González Urrutia, que, segundo os milhões de registros eleitorais coletados pela oposição, venceu a eleição com 66% dos votos, embora o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) tenha declarado Maduro vencedor sem apresentar qualquer prova para sustentar sua decisão.
A ganhadora do Prêmio Nobel também reiterou seu sonho de ver o retorno da diáspora, em um país do qual quase oito milhões de pessoas deixaram, muitas em busca de melhores condições econômicas.
"Meus queridos venezuelanos, o mundo se maravilhou com o que conquistamos. E em breve testemunhará uma das imagens mais comoventes do nosso tempo: o retorno do nosso povo para casa."
Machado, falando por meio de sua filha, também afirmou que a luta que lidera transcende as fronteiras da Venezuela.
"Um povo que escolhe ser livre não apenas se liberta, mas também contribui para toda a humanidade", afirmou.
E, por fim, dedicou o prêmio "aos milhões de venezuelanos anônimos que arriscaram seus lares, suas famílias e suas vidas por amor à liberdade".
Cerimônia com cheiros e sons venezuelanos
A cerimônia de premiação foi realizada na Prefeitura de Oslo, ao lado do rei Harald 5º, da rainha Sonja e de líderes latino-americanos, entre eles os presidentes da Argentina, Javier Milei, e do Equador, Daniel Noboa.
Machado é a primeira venezuelana a receber essa honraria, o que fez com que o evento estivesse repleto de referências ao país sul-americano.
O espaço estava decorada com bromélias, plantas tropicais encontradas na floresta amazônica, cuja parte se estende pelo território venezuelano.
A cerimônia também contou com apresentações dos artistas venezuelanos Danny Ocean e da pianista Gabriela Montero.
Ocean apresentou uma fusão de Alma Llanera e Venezuela, duas das canções mais populares do país, enquanto Montero interpretou uma versão da valsa venezuelana Querencia, seguida pelo hino nacional da Venezuela.
Quem é María Corina Machado
A líder se tornou a principal voz da dissidência contra o governo de Maduro, no poder desde 2013, quando Hugo Chávez (1954-2013) morreu.
Em outubro de 2023, ela foi escolhida como candidata unificada da oposição nas eleições primárias, mas as autoridades lhe impediram de disputar a eleição presidencial realizada em 28/07/24.
Ainda assim, Machado não ficou de braços cruzados e apoiou o diplomata Edmundo González Urrutia, que, segundo registros obtidos pela oposição, venceu os comícios com 66% dos votos. Mesmo assim, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) declarou Maduro vencedor sem apresentar provas que justificassem a decisão.
Machado já era conhecida no país desde 2003, quando, pela organização Súmate, impulsionou um referendo para revogar o mandato do então presidente Chávez.
Em 2010, ela foi eleita deputada. Dois anos depois, em 2012, protagonizou um tenso embate com o então presidente, cuja política de nacionalização de empresas criticou.
"Expropriar é roubar", disparou ela. Chávez respondeu: "Até de ladrão me chamou. Me chamou de ladrão diante do país".
A líder se tornou a principal voz de dissidência contra o governo de Maduro, que assumiu o poder em 2013 após a morte de Hugo Chávez.
'Vamos sentir saudades dela'
O procurador-geral venezuelano, Tarek William Saab, advertiu a líder da oposição há algumas semanas que, se ela deixasse o país, seria considerada "fugitiva" e que tentaria prendê-la caso ela tentasse retornar.
Desde 2014, pesa sobre Machado uma proibição de deixar a Venezuela, imposta por um tribunal nacional em resposta à sua suposta participação nos episódios violentos que resultaram da marcha realizada em Caracas em 12/02/2014.
Esse mesmo caso levou à prisão do ex-prefeito e ex-pré-candidato presidencial Leopoldo López. Apesar de já se passar mais de uma década e de Machado nunca ter sido formalmente processada, a restrição judicial permanece vigente.
Por outro lado, o ministro do Interior, Diosdado Cabello, adotou tom menos severo e, nos últimos dias, anunciou publicamente a saída de Machado do país.
"Vamos sentir saudades dela", disse Cabello em seu programa na televisão estatal.
"A equipe está instalada na Noruega há dias. E, embora a máquina midiática espalhe que ninguém sabe onde ela está, a realidade é menos poética. A mulher deixou o país com a mesma elegância com que Edmundo González organizou sua saída rápida do país. Nada de desaparecimento nem drama, apenas logística operacional e aviões que viajam em silêncio com imunidade diplomática", declarou.