Um mês depois de receber alta do hospital com pneumonia infecciosa, o Papa Francisco morreu aos 88 anos, anunciou a Santa Sé na segunda-feira (21).
"Esta manhã, às 7h35 (horário local, 2h35 em Brasília), o Bispo de Roma, Francisco, retornou à casa do Pai. Toda a sua vida foi dedicada ao serviço do Senhor e da sua Igreja", anunciou o cardeal camerlengo Kevin Farrell em um comunicado divulgado pelo Vaticano.
O cardeal acrescentou que o papa Francisco "ensinou a viver os valores do Evangelho com fidelidade, coragem e amor universal, especialmente em favor dos mais pobres e marginalizados".
"Com imensa gratidão pelo seu exemplo de verdadeiro discípulo do Senhor Jesus, encomendamos a alma do Papa Francisco ao infinito amor misericordioso do Deus Uno e Trino", disse.
Páscoa
Ele fez sua última aparição pública no domingo (20), durante as celebrações da Páscoa na Praça de São Pedro, no Vaticano, para uma caminhada surpresa. O pontífice foi eleito em 2013 após a renúncia de Bento XVI.
O Papa Francisco deixou o Hospital Gemelli, em Roma, em 23 de março, após cinco semanas de convalescença de uma pneumonia. Ele havia aparecido em público apenas duas vezes desde então: quando deixou o hospital e na celebração Urbi et Orbi da Páscoa no domingo. Na ocasião, com a aparência enfraquecida, Francisco fez um último passeio no Papamóvel entre milhares de fiéis na Praça de São Pedro. Durante a celebração, visivelmente debilitado, o papa delegou a leitura de seu texto a um de seus colaboradores, conseguindo pronunciar apenas algumas palavras, com a voz ofegante.
O pontífice, que nos últimos anos usava cadeira de rodas, sofria de problemas no quadril, dores no joelho, infecções respiratórias, mas insistia em manter um ritmo frenético de trabalho, apesar das advertências dos médicos.
De acordo com as regras do Vaticano, um funeral deve ser realizado em nove dias, seguido por um período de 15 a 20 dias de organização do conclave, durante o qual os cardeais eleitores, quase 80% dos quais foram escolhidos pelo próprio Francisco, terão a difícil tarefa de eleger o sucessor. Enquanto isso, o cardeal camerlengo irlandês, Kevin Farrell, atuará como "papa interino".
Francisco revelou no final de 2023 que desejava ser enterrado na Basílica de Santa Maria Maggiore, no centro de Roma, e não na cripta da Basílica de São Pedro, como outros pontífices. Esta seria a primeira vez, em mais de três séculos, que um papa seria enterrado no local.
O Vaticano também havia comunicado em novembro, um ritual simplificado para os funerais papais, incluindo o sepultamento em um caixão simples de madeira e zinco, sinalizando o fim dos três caixões de cipreste, chumbo e carvalho.
Primeiro papa jesuíta e sul-americano
Em 12 anos de pontificado, o primeiro papa jesuíta e sul-americano da história se comprometeu incansavelmente com a defesa dos migrantes, do meio ambiente e da justiça social, sem questionar as posições da Igreja sobre o aborto ou o celibato dos padres.
Os alertas sobre sua saúde se multiplicaram, ao mesmo tempo em que alimentavam especulações sobre uma possível renúncia, em linha com seu antecessor Bento XVI.
O líder espiritual de quase 1,4 bilhão de católicos foi hospitalizado duas vezes em 2023, uma delas para a realização de uma grande cirurgia abdominal. Ele foi forçado a cancelar vários compromissos nos últimos meses.
Desde os 21 anos, Jorge Bergoglio sofria de pleurisia aguda, uma inflamação da membrana que envolve os pulmões, e os cirurgiões tiveram que remover parte do órgão.
Fã de música e futebol e trabalhador incansável, o papa costumava realizar cerca de dez audiências por dia. Em setembro, ele fez a viagem mais longa de seu pontificado, uma jornada de 12 dias até as fronteiras do Sudeste Asiático e da Oceania.
Em Roma e no exterior, o "papa dos confins da terra", eleito em 13 de março de 2013, denunciou incansavelmente todas as formas de violência, do tráfico de pessoas aos desastres migratórios e à exploração econômica.
Em 11 de fevereiro, ele condenou novamente as expulsões em massa de migrantes do presidente americano Donald Trump, atraindo a ira da Casa Branca.
Feroz oponente do comércio de armas, o ex-arcebispo de Buenos Aires permaneceu impotente diante dos conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio, apesar dos inúmeros apelos pela paz.
Críticas
Político astuto, com sua franqueza abrasiva, Francisco também queria reformar a Cúria — o governo central da Santa Sé — corroída pela inércia, desenvolver o papel das mulheres e dos leigos na Igreja Católica e limpar as finanças obscuras do Vaticano.
Diante da pedocriminalidade na Igreja, ele levantou o segredo pontifício e obrigou religiosos e leigos a denunciar os casos à sua hierarquia. No entanto, sua atuação não convenceu associações de vítimas, que o criticam por não ter ido longe o suficiente.
Comprometido com o diálogo inter-religioso, particularmente com o islamismo, ele defendeu até o fim uma Igreja "aberta a todos", recebendo críticas de movimentos populistas por seu apoio aos migrantes.
Embora tenha despertado grande fervor popular, ele também foi duramente criticado pela oposição conservadora por sua suposta falta de ortodoxia e por uma governança considerada autoritária.
Decisões como a abertura de bênçãos para casais do mesmo sexo no final de 2023, ou a restrição de celebrações de missas em latim geraram indignação entre os setores mais tradicionais da Igreja.
O estilo de Francisco, que preferia usar um sóbrio apartamento de dois cômodos de 70 m² em vez do luxuoso palácio apostólico, também levou a acusações de dessacralização excessiva do ofício.
O 266º papa, mais interessado nas "periferias" do planeta do que nos principais países ocidentais, também reorientou os debates dentro da Igreja, como sua encíclica ecológica e social "Laudato si", de 2015, uma notória crítica às finanças que exalta a preservação do planeta.
O papa que andava a pé
Francisco abraçava as pessoas, ria. Quando viajava, andava em carros pequenos, ia para as reuniões a pé, sozinho, com uma velha pasta na mão. De vez em quando, telefonava para totais desconhecidos que estavam de luto ou desesperados, conversava com os surpresos interlocutores, oferecendo-lhes consolação.
Desde o início, o papa "do fim do mundo", como se apresentou em sua primeira aparição, encerrava sua saudação dominical aos fiéis reunidos na Praça de São Pedro dizendo: "Não se esqueçam de rezar por mim. Bom apetite!"
Sua primeira viagem o levou ao sul da Itália. Ali, Francisco celebrou a missa, recordou os muitos refugiados que se afogaram na costa da ilha mediterrânea de Lampedusa, a caminho da Europa. "A cultura de afluência que nos faz pensar em nós mesmos nos torna insensíveis aos gritos dos outros", disse, e lamentou - numa citação que marcou seu pontificado − a "globalização da indiferença" neste "mundo da globalização".
Francisco criticou repetidamente a globalização, e muitas vezes também o capitalismo: "Criamos novos ídolos. A adoração do antigo Bezerro de Ouro [...] encontrou uma forma nova e impiedosa no fetichismo do dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano", escreveu em novembro de 2013, em sua primeira carta didática.
Advertências ao mundo
Em seus primeiros anos, Francisco fez seus discursos políticos mais fortes, atuando como defensor dos pobres e do Sul global: em 2014, perante o Parlamento Europeu em Estrasburgo, em 2015 perante o Congresso dos Estados Unidos, em Washington, e as Nações Unidas, em Nova York. Ele falou de uma "Europa um tanto envelhecida e oprimida", uma "cultura descartável" e um "consumismo desenfreado". A Europa deveria envolver-se novamente em prol da paz e da dignidade humana de todos.
O papa também reclamou na ONU sobre a "cultura do descarte" que atinge mais duramente os mais pobres, e instou a comunidade internacional a implementar reformas rápidas e fazer mais na ajuda ao desenvolvimento e na proteção do clima. Mas também foi o chefe da Igreja em tempos em que se espalhavam o nacionalismo e a rejeição do multilateralismo e do diálogo, quando o populismo ganhava força na política mundial. Em geral, fazia suas advertências sorridente.
Talvez por razões políticas, muitos governantes queriam uma foto com o clérigo, mas ignoravam suas palavras. Francisco sentiu o mesmo com sua encíclica Laudato si, de 2015. Este grande ensinamento para a integridade da Criação parece uma acusação política − mas raramente foi escutado.
Visitas aos pobres
Entre suas dezenas de viagens ao exterior, as mais importantes foram para a Ásia, África e América Latina, e para tal também correu riscos pessoais. Como na visita a Bangui, na República Centro-Africana, em 2015, onde milícias cristãs e muçulmanas se combatiam.
Francisco sempre buscou a proximidade com os pobres, parava nas favelas, convidava os cidadãos. Na Europa, seus destinos ficavam mais nos limites do continente rico, como a Albânia ou a Romênia, por exemplo. China e Rússia permaneceram sendo países jamais visitados por um líder da Igreja Católica.
Porém o papa recebeu o presidente russo três vezes, em 2013, 2015 e 2019. Em 2016, conheceu em Havana o patriarca ortodoxo russo Cirilo. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro de 2022, matando milhares de civis, chamou líder ortodoxo de "clérigo do Estado", mas ainda esperava conquistá-lo como aliado contra a guerra e o ódio.
Excesso de expectativas não cumpridas
No âmbito da Igreja, o papa jesuíta era alvo de enormes expectativas, pois antes dele a liderança católica seguira por décadas um curso conservador e fortalecera a centralização. Muitas esperanças depositadas em Francisco foram frustradas, mas ao menos ele voltou a permitir o debate. Antes dele, os sínodos de duas semanas de duração no Vaticano eram em grande parte tediosas sessões de leitura de manuscritos prontos.
Com Francisco, houve debates abertos e polêmicos sobre temas como família (2014, 2015) e juventude (2018). O Sínodo para a Amazônia, de 2019, tornou-se uma denúncia de exploração da natureza e desrespeito aos povos indígenas. Seu grande projeto, no entanto, foi a consulta global sobre uma Igreja sinodal capaz de diálogo.
Quanto a mudanças na doutrina eclesiástica. Francisco falou com mulheres que se sentiam excluídas de sua Igreja, encontrou homossexuais que sofriam na instituição. Ele sempre se apresentou como um padre espiritual, o pastor supremo do mundo, e desempenhou esse papel de forma impressionante. Mas mudanças em tópicos como o celibato e a ordenação de mulheres nunca foram discutidas seriamente. Pelo menos o papel dos leigos foi fortalecido significativamente por Francisco. Isso também fez parte da grande reforma da Cúria, o aparato do Vaticano, que basicamente reorganizou o governo do papa.
Ao longo de seu pontificado, o argentino teve que se defrontar com casos de abuso sexual em grande parte da Igreja, e também com as panelinhas e intrigas do Vaticano. O que não ficou claro foi o que o próprio Francisco sabia dos abusos cometidos por clérigos em sua Argentina natal. Apesar de proclamar "tolerância zero" para abusos e seu encobrimento, e a investigação sistemática em várias dioceses ter revelado a culpa de bispos, o pontífice raramente decretou consequências contra os responsáveis.
Aproximação com judeus e muçulmanos
Um legado que certamente permanecerá, são suas relações com judeus e muçulmanos. Mesmo como papa, Francisco gostava de se apresentar como "irmão bispo". De seu círculo de amigos íntimos, constava o rabino de Buenos Aires, e Francisco também conheceu representantes de outras religiões monoteístas, sendo o primeiro papa a visitar a Península Arábica, berço do Islã.
Na capital dos Emirados Árabes Unidos, assinou com lideranças muçulmanas e de outras Igrejas a histórica Declaração de Abu Dhabi, um documento que evoca a fraternidade humana. Em março de 2021, viajou para o Iraque e fez campanha pelo diálogo e fraternidade de religiões entre os xiitas. Quanto mais tempo estava no cargo, mais intensos se mostravam seus esforços para estabelecer contatos com o Islã.
A pandemia de covid-19 e as especulações sobre o fim do pontificado frearam suas ambições. Aos 84 anos, uma cirurgia intestinal o afastou do cargo por um tempo. A partir de 2022 ficaram visíveis seus problemas no joelho e dores intensas. Cada vez mais o pontífice cumpria os compromissos oficiais de cadeira de rodas, e teve que adiar uma viagem à África, com paradas no Congo e no Sudão do Sul, longamente planejada e muito importante para ele.
Quanto mais velho ele ficava e quanto mais perceptíveis se tornavam as consequências da pandemia, mais Francisco se tornava admoestador. Francisco sozinho na escura e chuvosa Praça de São Pedro, implorando a Deus diante do sofrimento global, antes da Páscoa de 2020: esta cena permanece uma das mais impressionantes de seu pontificado.
(Com AFP)