Apesar dos avanços na legalização e descriminalização do aborto na maioria dos países europeus, ainda existem "numerosos obstáculos administrativos, sociais e práticos" para mulheres que desejam interromper a gravidez. Essa é a conclusão do relatório da Anistia Internacional intitulado "Quando os direitos não são uma realidade para todos. A luta pelo acesso ao aborto na Europa", publicado nesta quinta-feira (6), e que abrange 40 países do continente europeu.
Aurore Lartigue, da RFI em Paris
O acesso ao aborto continua sendo um direito frágil e aplicado de forma desigual na Europa, apesar dos avanços legislativos. Mas além dos obstáculos já existentes, a Anistia Internacional documentou o aumento dos ataques contra aqueles que defendem o acesso a esse direito fundamental: prazos de espera obrigatórios, limitações quanto ao tempo de gestação, recusas de atendimento por princípios morais, falta de acesso ao aborto medicamentoso, custos elevados ou escassez de profissionais.
Em mais de uma dezena de países, como Alemanha, Áustria, Bulgária, entre outros, o custo da interrupção voluntária da gravidez (IVG) pode ser "proibitivo" quando não é coberto pelo sistema público de saúde. Esse contexto fragiliza especialmente o acesso das pessoas mais vulneráveis como jovens e mulheres marginalizadas, incluindo migrantes, refugiadas e pessoas com deficiência.
Período obrigatório de "reflexão"
Esses obstáculos existem mesmo em países onde o aborto é legal, como na Bélgica, onde a prática é permitida até 12 semanas de gestação, mas há um período obrigatório de "reflexão" de seis dias antes do procedimento. Além disso, devem ser fornecidas informações sobre outras alternativas possíveis e sobre diferentes opções para o "nascituro", como a adoção. Trata-se de um processo complexo que estigmatiza e atrasa o acesso ao aborto.
Em alguns países onde o acesso ao aborto é supostamente legal, o atendimento médico é praticamente inviabilizado. É o caso da Itália e da Romênia, onde o número "muito elevado" de profissionais de saúde que se recusam a realizar abortos por motivos pessoais ou religiosos torna o acesso ao procedimento extremamente difícil, segundo o relatório.
Além disso, cerca de uma dúzia de países impõem "pré-requisitos injustificados do ponto de vista médico", como períodos de espera ou consultas de aconselhamento, que podem "causar atrasos no acesso".
A Anistia pede que os governos europeus "tomem medidas para garantir um acesso igualitário e universal" ao aborto. A OMS lembra que os limites legais em termos de semanas de gestação não são baseados em evidências científicas e aumentam os riscos à saúde materna.
Grupos que se opõem à legalização do aborto cada vez mais poderosos e estruturados
Essa situação faz parte de uma onda de políticas regressivas, promovidas por grupos que se opõem à legalização do aborto "bem financiados e transnacionais, compostos por instituições e grupos conservadores e religiosos, think tanks, organizações da sociedade civil e influenciadores nas redes sociais", explica a ONG.
"Conquistas duramente obtidas correm sério risco de serem comprometidas por uma onda de políticas regressivas", alerta Monica Costa Riba, responsável pelas campanhas sobre direitos das mulheres na Anistia Internacional.
O relatório também documenta o aumento de atos de intimidação e violência contra pessoas engajadas na defesa do acesso ao aborto, sejam ativistas, associações ou profissionais de saúde.
A presença de militantes antiaborto "agressivos" nas proximidades de centros especializados em saúde sexual e reprodutiva também representa "um obstáculo cada vez mais comum" ao acesso ao aborto, segundo a ONG, que identificou casos na Polônia e na Áustria. Essas ameaças levaram à criação de zonas "seguras" ou "de proteção" em vários países (Inglaterra e País de Gales, Escócia, Irlanda do Norte, Alemanha, Espanha) para defender as pessoas contra intimidação, assédio e agressões.
Na Polônia, onde a legislação continua sendo uma das mais restritivas, a ativista Justyna Wydrzyńska foi condenada a oito meses de serviços comunitários em 2023 por ter ajudado uma mulher a obter pílulas abortivas. Um deputado polonês e eurodeputado invadiu um hospital em abril de 2025, ameaçando um médico que havia realizado um aborto legal.
Na França e na Alemanha, centros de planejamento familiar ou de aconselhamento também têm sido alvo de ataques por grupos que se opõem ao aborto.
Recursos financeiros "cada vez mais significativos"
Esses grupos contam com "recursos cada vez mais significativos", afirma a Anistia, e "multiplicam os esforços para influenciar negativamente as leis e políticas sobre o tema, frequentemente recorrendo ao medo e à desinformação, com o objetivo de restringir cada vez mais o acesso ao procedimento".
Tudo isso com apoio notável de atores americanos e russos entre 2019 e 2023, como revelou o Fórum Parlamentar Europeu para os Direitos Sexuais e Reprodutivos.
Sob influência desses grupos, vários países enfrentam atualmente tentativas ou medidas efetivas para restringir o acesso ao aborto. Houve tentativas de restrição no Parlamento da Eslováquia e na Croácia, onde "a influência de políticos no governo, aliada a uma crescente aliança entre militantes antiaborto e a Igreja Católica, levou a várias tentativas de restringir o acesso ao aborto", segundo a Anistia Internacional.
A Hungria implementou novos obstáculos ao acesso ao aborto, enquanto na Itália o partido no poder promoveu iniciativas legislativas para permitir que grupos antiaborto ou de "apoio à maternidade" tenham acesso aos centros de aconselhamento — etapa obrigatória para mulheres que desejam abortar no país. Essas ofensivas muitas vezes se apoiam em justificativas natalistas ou em "retóricas racistas", segundo as quais os migrantes estariam prestes a "substituir" a população "branca nativa" do país.