Alto funcionário francês é acusado de dopar bebidas para humilhar mais de 200 mulheres

Mais de 200 mulheres na França afirmam ter sido drogadas por um alto funcionário do Ministério da Cultura que lhes oferecia bebidas quentes misturadas com um diurético para fazê-las urinar. Os fatos ocorreram entre 2009 e 2018, mas, embora o acusado esteja sob controle judicial, ele ainda pode trabalhar — o que preocupa vítimas como Hiyam Zarouri, que teme que ele volte a atacar outras mulheres.

20 dez 2025 - 16h48

Hiyam Zarouri ficou animada quando um alto funcionário do prestigiado Ministério da Cultura da França entrou em contato com ela pelo LinkedIn, oferecendo conselhos de carreira à jovem de 25 anos, então desempregada. Mas, em vez disso, ela saiu do encontro com dores e se sentindo completamente humilhada. 

Hiyam Zarouri, 35 anos, é uma das cerca de 200 mulheres que acusaram Christian Negre de ter adulterado seus cafés para humilhá-las.
Hiyam Zarouri, 35 anos, é uma das cerca de 200 mulheres que acusaram Christian Negre de ter adulterado seus cafés para humilhá-las.
Foto: AFP - THOMAS SAMSON / RFI

O homem, Christian Negre, supostamente colocou um poderoso diurético em seu café para fazê-la urinar e depois a levou para uma caminhada de três horas e meia pelo centro de Paris, usando salto alto. 

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"Comecei a ter suores frios, calafrios e ondas de calor, estômago inchado, e meus pés doíam muito, muito mesmo", contou Zarouri, hoje com 35 anos, à AFP. "Achei que ia morrer." 

Zarouri é uma das cerca de 200 mulheres que acusam Negre, ex-gerente de recursos humanos, de ter adulterado suas bebidas para humilhá-las. As vítimas afirmam que ele observava as entrevistadas contorcendo-se de dor, algumas chegando a se aliviar na frente dele. 

Diferente de outras mulheres que o acusam, Zarouri conseguiu insistir para que voltassem ao ministério — onde ele havia dito que ela deveria deixar sua bolsa — para poder ir ao banheiro. 

Quando saiu, ele estava esperando do lado de fora. Ela disse que se culpou por ter bebido o café e usado salto alto: "Eu me dizia que era minha culpa". 

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Só quatro anos depois, quando a mídia noticiou casos semelhantes, ela entendeu a gravidade. 

Negre admitiu humilhações às mulheres

Negre acabou sendo acusado de "administração de substância nociva" sem consentimento, "agressão sexual" por abuso de autoridade e "violação de privacidade". 

Investigadores descobriram que, entre 2009 e 2018, ele atacou 197 mulheres em busca de emprego, de todas as idades, cujos nomes e reações à droga ele registrava em uma planilha, segundo uma fonte próxima ao caso. 

Mas muitas vítimas, incluindo Zarouri, acham que a investigação está demorando demais e temem que Negre — que está sob controle judicial, mas ainda pode trabalhar — volte a atacar. "É inaceitável", disse ela. "Ele precisa ser afastado de outras mulheres." 

Em 2018, Negre admitiu aos investigadores que "impôs situações humilhantes às mulheres" durante entrevistas de emprego. O ministério o demitiu no ano seguinte. 

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O jornal regional Ouest France informou, em outubro, que ele passou dois anos trabalhando como professor em uma escola de negócios na Normandia, usando um pseudônimo. 

Procurada pela AFP, sua advogada Vanessa Stein disse que ele não quis comentar. 

Caso Pelicot 

A França tornou-se mais consciente do uso de drogas para cometer abusos depois que um tribunal condenou Dominique Pelicot a 20 anos de prisão por drogar sua então esposa, Gisele Pelicot, e recrutar dezenas de estranhos para estuprá-la. 

Em outro caso, um cirurgião pedófilo que atuou até se aposentar foi condenado este ano por abusar sexualmente de mais de 290 pacientes. Ambos mantinham registros meticulosos de seus crimes. 

A Fundação das Mulheres, associação feminista, afirma que o caso do diurético é tão grave quanto esses e já prestou assistência jurídica a 45 das vítimas. 

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Magistrados sobrecarregados 

Segundo uma fonte próxima ao caso, a investigação continua, mas avança lentamente devido ao número de vítimas, à falta de recursos e à quantidade de documentos. 

Em Paris, cada juiz de instrução lida com cerca de 100 casos e precisa priorizar aqueles em que os suspeitos estão presos. 

No processo, um único escrivão deve informar cada uma das 197 partes civis sobre qualquer nova etapa por carta registrada, e sempre que uma vítima solicita perícia, todo o trâmite é atrasado novamente. 

Mas os investigadores devem se reunir com todas as denunciantes no início do próximo ano para dar uma atualização, segundo a AFP. 

Um julgamento criminal também deve demorar para ser organizado. 

Por outro lado, um tribunal administrativo concedeu, em 2023, €12 mil (cerca de R$ 77,6 mil) de indenização a uma mulher, responsabilizando o Estado francês por não protegê-la e outras seis vítimas. 

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Negre levou essa mulher para uma caminhada em 2012. Ela logo sentiu uma dor intensa e foi forçada a urinar na frente dele, sob uma ponte. 

Com AFP

A RFI é uma rádio francesa e agência de notícias que transmite para o mundo todo em francês e em outros 15 idiomas.
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