O presidente norte-americano, Donald Trump, fez nesta terça-feira (23) seu retorno à tribuna da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, com um discurso marcado por ironias, ataques ao multilateralismo e críticas às instituições internacionais. Ele voltou a defender a política de tarifas de seu governo e mencionou um rápido encontro com o presidente Lula pouco antes de entrar no plenário: "Eu estava entrando, nós nos demos um abraço, foram 20 segundos, e concordamos em nos reunir na semana que vem. Ele gostou de mim, eu gostei dele", afirmou o norte-americano.
Logo no início de sua fala, Trump acusou a ONU de "encorajar a invasão de países por meio da imigração ilegal", ampliando o tom nacionalista. O lider da maior potência mundial afirmou ainda que os países europeus "vão para o inferno" por causa de suas políticas migratórias. Cinco anos após sua última participação — quando atacou duramente o multilateralismo, essência da própria organização — Trump voltou ao púlpito sem alterar o tom.
"O presidente falará sobre como as organizações globalistas deterioraram profundamente a ordem mundial e apresentará sua visão simples e construtiva sobre o mundo", havia antecipado Karoline Leavitt, porta-voz da Casa Branca.
Durante sua fala, Trump acusou a ONU de não ter colaborado com suas iniciativas de paz e zombou dos problemas técnicos enfrentados durante sua intervenção: "As duas coisas que recebi das Nações Unidas foram uma escada rolante quebrada e um teleprompter com defeito", disse, arrancando reações diversas da plateia. Segundo ele, a organização "está muito longe de alcançar seu verdadeiro potencial".
O dirigente afirmou também que "a mudança climática é a maior fraude já cometida contra o mundo".
Em postura provocativa visando o presidente brasileiro Lula, Trump afirmou que verá o presidente brasileiro Lula na próxima semana, que o "Brasil vai mal e poderia ir muito melhor", e que se encontra susceptível a novas tarifas dos EUA, mas que ele "respeita a soberania" brasileira e que ele e Lula teriam "uma boa química".
Filmados pelas câmeras da ONU, Lula e Janja da Silva, além da delegação brasileira, demonstraram desconforto e mantiveram uma postura severa durante todo o discurso de Donald Trump.
Metralhadora giratória
"As Nações Unidas estão financiando um ataque contra os países ocidentais e suas fronteiras", continuou Trump, referindo-se à ajuda financeira oferecida pela organização a migrantes em situação de vulnerabilidade. "A ONU apoia pessoas que entram ilegalmente nos Estados Unidos", acrescentou.
Durante o discurso, o republicano também atacou diretamente os países que reconheceram o Estado da Palestina, classificando esse gesto como "uma recompensa pelas atrocidades cometidas pelo Hamas". Ontem, na mesma sede das Nações Unidas, a França se juntou a cerca de 150 nações e reconheceu o Estado da Palestina. Para a Casa Branca, esse movimento representa uma legitimação indevida de grupos considerados terroristas por Washington. Trump afirmou ainda que os Estados Unidos vão "aniquilar" os traficantes de drogas venezuelanos.
O discurso reforçou sua postura de enfrentamento às "organizações globalistas", que, segundo Trump, contribuíram para o colapso da ordem mundial. A crítica se estendeu à Índia e à China, acusadas por ele de serem os "principais financiadores" da máquina de guerra russa — uma referência direta às relações comerciais mantidas por ambos os países com Moscou, especialmente na área energética. Trump também fez um apelo direto aos países europeus: "Devem parar imediatamente de comprar petróleo russo", declarou, cobrando uma postura mais firme dos aliados ocidentais diante da invasão da Ucrânia.
Em Nova York, Trump tem encontros bilaterais agendados com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e o argentino Javier Milei. Além disso, deve se reunir com líderes de países muçulmanos — incluindo Catar, Arábia Saudita, Indonésia, Turquia, Paquistão, Egito, Emirados Árabes Unidos e Jordânia — para discutir temas regionais. A guerra na Faixa de Gaza será tema de uma reunião do Conselho de Segurança da ONU nesta terça-feira, marcada sem a presença de Israel, que protestou por ocorrer durante o Ano Novo judaico.
Contraponto de Guterres e Lula
Antes de Trump, o secretário-geral da ONU, António Guterres, defendeu justamente o oposto: reafirmou a importância do direito internacional, da centralidade do multilateralismo e da promoção da justiça e dos direitos humanos. Guterres também condenou os cortes na ajuda internacional — uma referência direta à política externa de Trump — afirmando que essas reduções "causam devastação" e equivalem a "sentenças de morte" para populações vulneráveis.
Desde que assumiu o poder em janeiro, Trump tem redesenhado as alianças dos Estados Unidos, impôs tarifas a diversos países, abandonou fóruns e organizações internacionais e cortou drasticamente o orçamento destinado à ajuda externa. Ainda assim, analistas como Richard Gowan, do International Crisis Group, acreditam que Trump aproveita esses grandes palcos para reforçar sua imagem internacional e se vangloriar de suas realizações. "Ele gosta da Assembleia Geral, aprecia a atenção dos líderes mundiais e pode usar o momento para sugerir que merece o Prêmio Nobel da Paz", afirmou.
Lula defende "democracia" e "soberania"
Discursando pouco antes de Trump, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva fez um pronunciamento incisivo contra o avanço das forças autoritárias no mundo. "Ao redor do planeta, forças antidemocráticas tentam subjugar instituições e reprimir liberdades", declarou, denunciando também as "ingerências" em assuntos internos do Brasil.
Lula afirmou que o país enviou um recado claro à comunidade internacional ao condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe. "O Brasil mandou um recado a todos os aspirantes a autocratas e aos que os apoiam: nossa democracia e nossa soberania não são negociáveis", disse. No último dia 11 de setembro, Bolsonaro foi condenado pela Suprema Corte a 27 anos de prisão, após ser considerado culpado por conspirar para se manter no poder após sua derrota eleitoral em 2022.
O governo Trump, por sua vez, tem pressionado as autoridades brasileiras, acusando-as de promover uma "caça às bruxas" contra Bolsonaro, aliado político e ideológico do presidente norte-americano. Washington impôs uma sobretaxa de 50% sobre parte das exportações brasileiras e adotou sanções individuais contra figuras centrais do processo judicial, incluindo o ministro Alexandre de Moraes e sua esposa.
Paralelamente aos discursos de líderes na Assembleia, o Conselho de Segurança da ONU faz uma reunião, nesta terça-feira, sobre a guerra na Ucrânia, que segue sem avanços diplomáticos. Moscou intensificou os ataques e tem testado os limites dos aliados da Otan, com novas incursões aéreas no espaço da Estônia — o terceiro incidente em dez dias com países vizinhos.
Trump já lançou ameaças de sanções contra Vladimir Putin, mas até agora não as colocou em prática. Zelensky, por sua vez, declarou esperar medidas mais duras de Washington, afirmando que a Europa "tem feito sua parte". Trump disse estar disposto a aplicar novas sanções, desde que os países europeus parem de comprar petróleo e gás russos.
(RFI com AFP)