Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires
De um lado, a comunista Jeannette Jara representa uma coalizão de centro-esquerda progressista. Jara foi ministra do Trabalho do atual governo do presidente Gabriel Boric.
Esses são justamente os seus dois pontos fracos: ser a candidata governista de um presidente com 30% de imagem positiva e ser comunista, uma característica alvo de resistência da maioria dos chilenos.
Ao longo da campanha, Jeannette Jara teve muita dificuldade para classificar o regime de Nicolás Maduro na Venezuela como uma ditadura. Acabou admitindo essa condição para a Venezuela, mas, no caso de Cuba, disse que se trata de uma "democracia diferente".
Do outro lado, o ex-deputado de extrema direita, José Antonio Kast, na sua terceira tentativa de chegar à Presidência.
Ao longo de 16 anos como legislador, não é conhecida nenhuma iniciativa de Kast, a não ser a sua oposição à pílula do dia seguinte e ao aborto até mesmo em caso de estupro.
O ultracatólico, pai de nove filhos com a mesma esposa, contra os direitos reprodutivos da mulher, contra a igualdade de gênero e defensor do ex-ditador Augusto Pinochet, promete expulsar os imigrantes irregulares e fazer um governo de emergência.
Kast é filho de um ex-afiliado do Partido Nazista de Adolf Hitler e foi sempre um defensor do ex-ditador chileno, Augusto Pinochet. Aliás, na sua primeira tentativa de ser presidente disse que, se Pinochet estivesse vivo, votaria nele.
Esse tipo de perfil, que antes causava rejeição no eleitorado, está atualmente em sintonia com o que a maioria dos chilenos quer: linha-dura contra a criminalidade e contra os imigrantes irregulares, especialmente os venezuelanos, acusados de terem levado ao Chile o crime organizado.
Antissistema
Pode parecer um simples choque de posturas ideológicas extremas, mas, no fundo, os chilenos estão mostrando um repúdio ao sistema político tradicional.
Há quatro anos, o atual presidente Gabriel Boric já tinha sido eleito com essa lógica de antissistema. Agora, os chilenos voltam a escolher aquele que não tenha sido governo, mas com um componente novo: a demanda popular por segurança.
Esse é exatamente o perfil de José Antonio Kast; não o de Jeannette Jara.
A candidata tem se mostrado mais comunicativa, tem apresentado mais propostas, tem adotado, inclusive, propostas de outros candidatos derrotados e tem alertado os chilenos sobre o risco que Kast representa em termos de perdas de direitos sociais adquiridos.
A única preocupação de Kast tem sido a de não errar de maneira grave. O candidato se expôs pouco. Não deu entrevistas, nem mesmo coletivas, e até evitou um evento de encerramento da campanha em Santiago, optando apenas por um em Temuco, no Sul do Chile, onde a direita tem mais votos.
Kast só promete que vai combater o crime e expulsar os imigrantes ilegais, cerca de 334 mil, na sua maioria venezuelanos. Faz, inclusive, uma contagem enigmática de quantos dias faltam até 11 de março, quando começaria o novo mandato. Essa contagem regressiva, diz Kast, é o tempo que falta para os imigrantes deixarem o Chile e para acabar o regime de Nicolás Maduro, na Venezuela.
Vitória histórica
No primeiro turno, há um mês, Jeannette Jara ganhou com 26,8% dos votos, menos de três pontos à frente de Kast. A maioria da sociedade chilena votou em candidatos de direita que se alinharam no segundo turno.
Jara obteve menos do que os 30% de aprovação do governo Boric e menos do que os 37,5% que obtiveram os candidatos governistas ao Congresso.
No dia 30 de novembro, último dia permitido pela lei eleitoral chilena para a divulgação de sondagens, José Antonio Kast tinha quase 60% dos votos válidos, enquanto Jara passava um pouco dos 40%.
No último mês, houve três debates presidenciais que teriam servido para Jara diminuir a distância com Kast, mas sem ameaçar a vitória da extrema direita.
As três pesquisas divulgadas indicam entre 46% e 51% para Kast, entre 34% e 35% para Jara e entre 14% e 20% de votos nulos e brancos.
Diante dessa distância aparentemente irreversível, o maior desafio da candidata comunista é o de tentar chegar o mais perto possível dos 45% dos votos válidos para ser uma oposição relevante.
Já o papel de Kast é o de fazer uma eleição histórica para implementar um governo de emergência sem muita resistência.
Governo de emergência
A direita nunca teve tanto apoio do eleitorado. Em consequência, a esquerda nunca teve tão pouco.
Nas eleições de 2017, o candidato da esquerda Alejandro Guillier obteve 45,4% dos votos válidos no segundo turno, até agora o nível mais baixo desde a recuperação da democracia há 35 anos.
Por outro lado, Kast está perto de conseguir mais do que 57,2% dos votos da eleição de 1946, até hoje o melhor desempenho da direita na história eleitoral do Chile.
Mas o número de votos nulos também pode ser histórico.
Kast tem prometido um ajuste fiscal de seis bilhões de dólares sem conseguir explicar de onde vai cortar esse gasto. A conta só fecha se ele diminuir ou eliminar benefícios sociais, sobretudo porque o seu plano de governo prevê redução de impostos.
O candidato tem prometido um "governo de emergência" sem explicar bem do que se trata. A tendência é a perda de liberdades em nome da segurança. Uma erosão democrática justificada pela urgência de combater o crime e de expulsar imigrantes. Uma acumulação de poder do Executivo em detrimento do legislativo e do Judiciário.
O estado de emergência também permitiria uma maior ação das forças de segurança contra eventuais protestos sociais, críticos a um retrocesso em direitos adquiridos.