Lizzie Nassar, correspondente da RFI em Lisboa.
Os efeitos da greve começaram ainda na noite de quarta-feira (10) e se intensificaram nas primeiras horas da manhã desta quinta. Os trens foram os primeiros a registrar problemas, com parte da circulação interrompida durante duas horas no período da manhã, com destaque para a região do Porto, onde quase metade das linhas foi suspensa.
A CP, empresa responsável pela operação, funciona apenas com serviços mínimos até sexta-feira (12), e muitos passageiros enfrentaram atrasos de mais de meia hora. Para tentar contornar o caos, empresas e trabalhadores combinaram atrasos tolerados ou home office.
Em Lisboa, o metrô não abriu as portas: permanece totalmente fechado desde as 6h da manhã e só volta a operar na madrugada de sexta. No Porto, apenas a linha amarela funciona; todas as outras estão interrompidas.
Quem buscou alternativas também encontrou dificuldades. A Carris, empresa de ônibus de Lisboa, opera apenas com 12 carros, todos com intervalos bem maiores que o normal. Nas travessias fluviais pela Transtejo e Soflusa, apenas 25% das ligações são mantidas, e somente nos horários de pico.
O setor aéreo é outro que sente o impacto: a TAP opera hoje com apenas um terço dos voos e a companhia angolana TAAG cancelou o voo diurno para Lisboa.
Escolas fecham e hospitais enfrentam pressão
Muitas escolas permanecem fechadas. Pais foram avisados previamente para se prepararem, mas a paralisação ainda assim gerou transtornos. A Fenprof, maior federação de professores, já previa uma adesão alta — e isso se confirmou.
O setor da saúde, por sua vez, já vinha registrando sinais de colapso antes mesmo da greve. Os tempos de espera nas emergências, em média, ultrapassavam 10 horas, podendo chegar a 15 horas em alguns casos, muito acima da recomendação de uma hora para atendimento inicial.
Nesta quarta, apenas os serviços mínimos estão garantidos: emergências, internações, quimioterapia, radioterapia e cuidados inadiáveis. Mas o sistema já estava sobrecarregado — falta pessoal, faltam recursos e a exaustão das equipes é evidente.
Para profissionais e pacientes, o sentimento é de desgaste acumulado.
O que está em jogo: o pacote trabalhista
A proposta do governo traz mais de cem mudanças na lei do trabalho. Os pontos mais criticados são:
- 150 horas extras obrigatórias por ano, podendo ser impostas unilateralmente pela empresa.
- Contratos temporários mais longos, passando de dois para três anos; o que sindicatos consideram um estímulo à precarização.
- Regras mais rígidas sobre horários de mães que amamentam, reduzindo o período de flexibilidade.
- Novas limitações para pais com filhos até 12 anos pedirem horários adaptados.
Os sindicatos dizem que as medidas representam perda de direitos históricos, atingindo principalmente mulheres, famílias monoparentais e trabalhadores mais vulneráveis. Já o governo afirma que o objetivo é "modernizar" o mercado de trabalho e aumentar a competitividade do país.
Como a população reage
Segundo pesquisas recentes, 61% dos portugueses apoiam a greve geral. Ainda assim, há muita irritação no dia a dia: a paralisação acontece em pleno dezembro, mês de intenso movimento nas cidades, e deixa milhares de pessoas sem opção de deslocamento.
A proposta de revisão da legislação trabalhista, chamada "Trabalho XXI", foi apresentada pelo governo em 24 de julho. Porém, à medida que o conteúdo da reforma foi sendo discutido na Concertação Social, CGTP e UGT passaram a denunciar o pacote como um ataque aos direitos dos trabalhadores. O acúmulo dessas tensões levou as duas centrais, que raramente atuam juntas, a convocarem a atual greve, a primeira conjunta desde 2013.
Mesmo após apresentar uma nova versão com algumas concessões, o governo sinalizou que não pretende prolongar indefinidamente a negociação, e que, com ou sem acordo social, o texto seguirá para debate e votação na Assembleia da República nos próximos meses, após a conclusão do ciclo orçamentário.