Damaris Vitória, jovem estudiosa e poliglota, foi presa injustamente por seis anos, descobriu um câncer no período e faleceu 74 dias após ser inocentada, levantando debates sobre falhas no sistema judicial e prisional.
O empresário Allen Silva, que era namorado de Damaris Vitória Kremer da Rosa, jovem que ficou presa injustamente por seis anos e morreu 74 dias após ser absolvida, postou um vídeo nas redes sociais nesta segunda-feira, 3, para falar um pouco sobre quem ela era. Damaris, de 26 anos, morreu por complicações de um câncer no colo do útero, diagnosticado enquanto estava na cadeia.
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"Uma pessoa inocente que ficou presa seis anos da vida. E o pior, nesses seis anos ela ficou alimentando um câncer que, em menos de 2 meses, acabou ceifando a vida dela. Ela não aproveitou absolutamente nada da vida", disse Allen Silva.
Allen contou que, desde o primeiro encontro com Damaris, durante um café tomado ainda como amigos, a jovem compartilhou detalhes de tudo o que havia vivido, explicando como os fatos se desenrolaram e descrevendo o período em que permaneceu detida. Para ele, a companheira era uma pessoa muito doce e resiliente.
"[Ela contou] como foi a resiliência dela lá dentro, ela virou professora, ensinou crochê para as meninas. Ela falava três línguas, era uma pessoa muito estudiosa", relatou o namorado. Damaris também era apaixonada por literatura e costumava compartilhar os livros que lia em seu Instagram. Segundo o empresário, entre as obras que ela mais gostava estavam os livros de Machado de Assis, Fiódor Dostoiévski e Friedrich Nietzsche.
Silva destacou que Damaris lutou pela vida em vários aspectos, não apenas contra a doença, até o último dia. “No último dia de vida da [Damaris] Vitória, eu passei a madrugada segurando a mão dela. E ela com dificuldade para respirar, com dificuldade para externar qualquer sentimento depois de ter passado seis anos detida sem chance de defesa”.
Allen também comentou sobre o período que passaram juntos após a absolvição. Ele disse que viveram muitos momentos bons, mas que ficou o sentimento de injustiça. Ele refletiu sobre o sistema prisional e a forma como pessoas inocentes podem ser tratadas.
"Vivemos muita coisa nesses dias, conseguimos passar bons momentos juntos, mas fica o sentimento da injustiça, o sentimento de que quantas outras pessoas estão em presídios superlotados, sendo tratadas como subhumanos, porque nem tratados como humanos são. Eu não estou defendendo marginais, eu não estou defendendo a pessoa que cometeu o crime, eu acho que cada um que comete um crime tem que pagar, mas eu acho que o sistema precisa ser mais assertivo", disse ele.
O empresário comentou, ainda, sobre a sensação de impotência. "Uma injustiça do tamanho do mundo, e eu espero que o caso da [Damaris] Vitória fique para o resto da vida na lembrança das pessoas, para que a gente não esqueça de que a justiça precisa ser justiça sempre. Nem o Estado tem o poder de passar por cima das leis, e no caso dela, eles passaram."
A absolvição e morte de Damaris
A jovem morreu por complicações do câncer 74 dias após ser considerada inocente pelo Tribunal de Júri, no Rio Grande do Sul. Damaris ficou presa injustamente por seis anos e veio a óbito no último dia 26 de outubro, em Balneário Arroio do Silva.
O Terra teve acesso ao processo ao qual ela foi acusada de envolvimento no homicídio de Daniel Gomes Soveral, ocorrido em 30 de novembro de 2018, em Salto do Jacuí (RS). Outras duas pessoas também responderam pelo crime: Henrique Kauê Gollmann, que foi condenado, e Wellington Pereira Viana, que também absolvido.
A denúncia contra os três foi oferecida pelo Ministério Público em 2019, e Damaris foi presa preventivamente. Durante o curso do processo, ela descobriu um câncer de colo de útero e a defesa dela pediu a revogação da prisão, que foi negada pelo judiciário em dezembro de 2024.
Em março de 2025, os advogados Rebeca Canabarro e Mateus Porto novamente pediram que o Tribunal a soltasse, já que ela estava em fase terminal da doença, acamada e passando por cuidados paliativos com quimioterapia e radioterapia para diminuir as dores. Além disso, ela estava dependente de transfusão de sangue e de terceiros para manutenção de suas necessidades básicas.
O MP confirmou em um parecer que ela recebeu atendimento médico constante dentro do presídio após sentir fortes dores no ventre. Em abril, o juízo concedeu a prisão domiciliar com o uso da tornozeleira e a autorizou a ficar na casa da mãe, em Balneário Arroio do Silva (SC).
O caso da jovem foi a julgamento em agosto deste ano e o Conselho de Sentença a absolveu das acusações de ter matado a vítima e ateado fogo no veículo em que o corpo estava, baseada na negativa da autoria por falta de provas.
No último dia 26, ela morreu em decorrência de complicações do câncer de colo de útero. A jovem foi sepultada no último segunda-feira, 27, em Balneário Arroio do Silva. Em nota, os advogados de Damaris afirmaram que ela foi vitimada pela negligência e “cegueira Estatal”, lamentando a morte da vítima.