Revolta dos Alfaiates: o primeiro levante popular negro da Bahia

Conhecida também como Conjuração Baiana, o levante buscava alcançar a independência da Bahia do domínio de Portugal e a implantação de um sistema político de caráter republicano e democrático no estado

12 ago 2022 - 11h57
Imagem mostra uma ilustração a respeito da Revolta dos Alfaiates.
Imagem mostra uma ilustração a respeito da Revolta dos Alfaiates.
Foto: Imagem: Reprodução/Internet / Alma Preta

A Revolta dos Alfaiates foi um movimento emancipacionista, que ocorreu na Bahia entre 1798 e 1799. As principais características do movimento, conhecido também como Conjuração Baiana e Revolta dos Búzios, era a organização popular contra o escravagismo e outros abusos cometidos na Bahia.

Sendo a cidade de Salvador o principal foco do levante, a revolta ganhou esse nome por que muitos participantes da eram alfaiates, mas eles não eram os únicos: participaram sapateiros, escravizados, ex-escravizados (negros libertos), artesãos e pessoas de profissões mais simples (com baixa remuneração).

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Embora em menor quantidade, membros das camadas médias, profissionais liberais, advogados, militares de baixa patente e até padres participaram do movimento. Dentre os principais líderes da Revolta dos Alfaiates estão: o jornalista e cirurgião Cipriano Barata, os soldados Luís Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas, e os alfaiates João de Deus Nascimento e Manuel Faustino dos Santos Lira.

A Revolta dos Alfaiates teve início em 12 de agosto de 1798, quando muitos participantes do movimento foram para as ruas distribuir panfletos e divulgar os ideais do movimento. No entanto, um dos revoltosos acabou delatando a organização do movimento para as autoridades baianas. Militares, seguindo as ordens do governo, foram para as ruas e casas para prender os líderes e principais envolvidos na revolta.

O docente Celso Ramos, professor de História da Estácio, explica que a Revolta dos Alfaiates é um importante marco da história afrobrasileira por vários motivos. Porém, o maior destaque - e o que mais ultrajou a elite colonial - foi o fato de ter sido uma tentativa de libertação popular e, sobretudo, de escravizados alforriados.

"Dentre os 49 apenados após os processos judiciais, a maioria era composta por negros, miscigenados, chamados de mulatos na época, e cinco mulheres. Os quatro condenados à forca, Manuel Faustino dos Santos Lira, Lucas Dantas de Amorim Torres, João de Deus do Nascimento e Luiz Gonzaga, tinham em comum o fato de serem 'mulatos' e trabalhadores", comenta.

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"As penas foram maiores conforme a condição social e a cor da pele do acusado; quanto mais pobre, e 'mulato', maior a punição", ressalta o docente.

Contexto e objetivo

O professor Celso explica que a Revolta dos Alfaiates deve ser inserida no contexto das revoltas e revoluções de caráter liberal- burguês, que estavam ocorrendo no último quartel do século XVIII, cuja primeira manifestação foi a Independência dos Estados Unidos (1776).

"Neste processo houve outras repercussões no Brasil, além da Revolta dos Alfaiates, como, por exemplo, a Inconfidência Mineira, que ocorreu no mesmo ano que a Revolução Francesa, em 1789. Todos esses movimentos, muitos de caráter burguês, outros mais populares, revelavam o esgotamento do Antigo Regime e do mercantilismo e, ao mesmo tempo, abriam as portas para a modernidade industrial", pondera o docente.

A Revolta dos Alfaiates buscava alcançar alguns objetivos, dentre eles, a independência da Bahia do domínio de Portugal e a implantação de um sistema político de caráter republicano e democrático no estado.

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Além disso, a luta ainda pretendia estabelecer a abolição da escravatura, realizar a abertura dos portos e possibilitar a liberdade de comércio, tirando dos comerciantes portugueses o monopólio sobre esta atividade econômica, o que, consequentemente, ocasionaria no aumento dos salários para a população.

Os revoltosos conclamavam o povo à revolta contra as autoridades coloniais portuguesas e contra as condições de vida impostas pela elite escravocrata. E, de acordo com o professor, os apelos dos revoltosos tinham influências dos jacobinos franceses.

"Influência esta dos grupos mais radicais dentre os revolucionários de 1789: igualdade de todos perante a lei e, consequentemente, o fim da escravidão; independência do Brasil e a instauração do regime republicano; fim do exclusivo colonial e livre comércio; e aumento do soldo dos soldados", comenta.

Marca na história e valor

"A Revolta dos Alfaiates marcou profundamente a sociedade soteropolitana. De um lado, as elites, temerosas de outros movimentos semelhantes, acentuaram as punições previstas pela legislação no caso de rebeliões. E, por outro lado, a Conjuração Baiana trouxe para o debate a abolição da escravatura - que será retomada pelos Malês em 1834 -, e a Independência do Brasil, cujas manifestações neste sentido se faziam sentir na Bahia desde 1821", enfatiza Celso.

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A Revolta dos Alfaiates terminou com forte repressão das forças militares do governo da Bahia. Grande parte dos líderes - das camadas pobres - foram mortos na forca. Muitos integrantes foram punidos com 500 chibatadas em praça pública. Cipriano Barata, um dos poucos membros da elite baiana, não sofreu a pena máxima. Foi preso e libertado em janeiro de 1800.

Para o professor de história da Estácio, é importante rememorar a Revolta dos Alfaiates nos dias de hoje por que as camadas populares brasileiras estão vivendo dias especialmente duros de alguns anos para cá, segundo ele.

"A reação da burguesia ao pequeno, mas significativo, crescimento dos movimentos sociais nas décadas anteriores, e que trouxe como resultado uma sensível melhora na qualidade de vida dos mais pobres, está sendo violenta. Encabeçada pela sua ala mais radicalizada - a extrema direita - a burguesia procurou esvaziar todos os movimentos legitimamente populares, jogando essas parcelas da população novamente na miséria e na pobreza", destaca o docente.

Celso enfatiza que reivindicações históricas legítimas como os direitos sociais e culturais estão sendo desqualificados nos dias de hoje, bem como pautas minimamente progressistas sofrem resistências de cunho político e religioso.

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"Por isto tudo, rememorar lutas populares é fundamental para resgatarmos a autoestima desse nosso povo e reocuparmos as posições nos campos de luta política que foram usurpados por essa extrema direita fascista", finaliza o professor.

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