"Acelerar as coisas não significa que elas vão se resolver. Significa que aquelas situações serão apressadas. É uma metáfora para a vida”, profetiza Criolo.
Em fala calma e movimentos indiretos que contrastam com suas rimas ferozes, ele tem pressa na mente, do pouco tempo de quem cresceu acreditando que não tinha muito tempo.
“Quando a gente era jovem, corria porque não sabia nem em que idade ia chegar, atravessado pela questão da violência urbana”, lembra ele, agora aos 50 anos e vendo na arte, na família e nos amigos as razões de sua sobrevivência. “Quero ter aquela mesma velocidade, mas também não sei se era para ter aquela velocidade. Hoje ainda tenho um pouco de tentar me encontrar. Mesmo quando tinha 11 ou 12, 15 ou 18, esse sentimento me visitava.”
Conversar com Kleber Cavalcante Gomes, o Criolo Doido do disco-debut, o Criolo dos que vieram posteriormente, é como convocar um Buda pessoal porque o aprendizado, neste dia, é a mensagem emitida da forma mais doce e contundente — esta mansidão é o modo que tem para que seus dizeres atravessem os pensamentos horas depois. Nele, repousa nada comodamente a mais profunda compreensão sobre o atravessar de questões como “Sobre Viver” (nome de seu disco sobre caos e resiliência de 2022), continuar, deixar um legado e testemunhar novos cotidianos a partir das rimas.
- Esta entrevista faz parte da revista comemorativa de 25 anos do Terra. A publicação traz reflexões sobre o tempo, a mídia e as novas gerações, e pautas conectadas a momentos marcantes, pioneiros e inovadores da plataforma.
"Cinquenta anos. Quase nada. Não fossem a família, os amigos e o rap, minha existência perderia o sentido.
Cinquenta anos. É a cultura que floresce no meu Brasil. Um Brasil de pessoas humildes, sábias e generosas que ainda oferece esperança."
Nem sempre com a segurança de quem pode errar ou tentar, mas com a urgência de quem precisa acertar para se manter em pé. A não permanência e a dúvida, perguntas que fez a si mesmo, se devem ao fato de que seu percurso era o de desbravar e combater estatísticas terríveis de vida e morte. Mais precisamente em 2011, quando subiu ao palco no Planeta Terra como atração do palco Sonora Main Stage, viveu um sucesso estrondoso com “Nó na Orelha”, sua incursão “de despedida” marcada pela pressão social para ser alguém.
“Eram aquelas incertezas do que seria da minha vida quando comecei a cantar, lá no Grajaú... Vim daquele recorte de São Paulo, né? Tão esquecido, tão abandonado, um lugar de pessoas tão maravilhosas, mas que recebe tanto hostilidade. Então, a gente corre para tentar se entender mesmo sem saber que era isso que estava acontecendo. Quem eu sou? Eu existo de verdade?”
"Nós, de pés descalços ao fim da feira, construímos o impossível. Fizemos e continuamos fazendo. Criamos, com nossas próprias mãos, sorrisos, lágrimas e sonhos: a cultura que hoje movimenta milhões nos cofres públicos e privados."
O que permaneceu é que ele evoluía, sempre utilizando do verso como denúncia ou desejo para diferentes Brasis. “Ah, você mora num bairro violento? Não, num bairro violentado. Quem mora lá sofre. O território sofre. O que podemos fazer juntos para mudar? Eu não, o problema é seu. Você é pobre porque você merece”, ele repete a máxima incutida na cabeça para justificar a desigualdade. Frase esta que faz parte da sua vida e de seu olhar como porta-voz.
A discussão se torna sobre o dia a dia, a memória, a equidade e o quanto evoluímos como sociedade desde que ele se entende pensador. “Acabou de ter a maior chacina do Brasil. Ela acabou de acontecer. Essa é a resposta”, afirma. “A vida das pessoas serve para um recorte para a próxima eleição. O sangue do preto, pobre, nordestino, favelado só vai servir para um vídeo do TikTok para conseguir voto. Isso rasga a minha alma”, salienta. “Não sou eu que estou falando isso. São os números e a história. A vida das pessoas é tida como nada.”
Cronista de nossas dificuldades como sociedade, ele se move único em sua visão, como muitos também o fazem, mas sempre com a responsabilidade de abrir olhos e incentivar a ação. “Acredito que a arte ajuda você a chegar ao próximo dia, a respirar e não se sentir só. Existe uma luz interna de amor, uma força transformadora própria que muda tudo”, comenta ao explicar a capacidade que temos de criar espaços menos hostis e de oportunidades. “Já que a gente não consegue abrir uma porta ou janela, é importante abrir uma fresta para esta tentativa de viver esse Brasil profundo, real. E você pode construir isso, ajudar a construir, a fortalecer o sonho do outro. Ninguém passa ileso a ninguém.”
"Me alegra quando um dos nossos é valorizado. A favela é: todo amor do mundo, no lugar mais abandonado do mundo. Nos ligam à sorte ou ao crime, nunca ao trabalho, o estudo e à dedicação."
Obter sucesso a partir de pontos de partida não favoráveis é valorizar a própria estrada para as que a refazem — aqui é onde entendo o porquê de ele reafirmar sua história com tanta paixão sete indicações ao Grammy Latino depois. “Sozinho não dá para remar tudo isso. Ainda mais de onde a gente vem. Então, para mim, tudo tem um valor mil vezes maior”, soma ele, que agora anuncia que está de volta ao rap — como na força destes escritos que permeiam esta narrativa. Mesmo experimentando diferentes sabores musicais a partir dos tantos encontros que teve, admite: “Estou sorrindo de novo, o rap tem essa força comigo. Transforma todas as minhas moléculas. Ele te insere na realidade e te municia de ferramentas positivas. Os medos se acalmaram um pouco porque preenche este vazio. A força total desta raiz que me trouxe sobrevivência voltou. A gente vem desse amor, desse desejo de mudança. Ele é genuíno, é do nosso coração. Às vezes a inocência te protege muito. Você nem sabe o risco que está correndo. Esse lugar de luz voltou, estou escrevendo e sonhando novamente."
Parafraseando a obra dele que começou tudo, ouso dizer: “Criolo, ‘Ainda Há Tempo’”.
"Dentro e fora do país, levamos um novo sabor, frescor e alegria, no meio de tantas feridas. A felicidade de sorrir se torna resistência."
Direção Criativa: Amauri Neto
Styling: Rafael Lazzini
Vídeo: Reckoner Studio
DOP e Edição: Anna Herrera e Gabriella Michelazzo
Grooming: Raphael Jacques
Set Design: Felipe Tadeu
Produção Cenográfica: Galpão 8
Produção Executiva: Eden Productions
Produtor Executivo: Marc Edenburg
Tratamento de Imagem: Victor Wagner
Assistente de Fotografia: Santiago Rivas
Assistente de Styling: Ítalo Alves
Assistente de Produção: Amanda Manera
Produção de Set I: Andre Carvalho
Produção de Set II: Leandro Moraes
Catering: Roccopanne Catering