Uma mulher foi sozinha a um restaurante em São Paulo. Ela chegou cedo, no meio da tarde, quando a maior parte das mesas ainda estavam vazias. Ela conta que não tinham lugares apenas para uma pessoa, e que acabou se sentando em uma mesa de quatro cadeiras, pois não sabia se amigas iriam encontrá-la mais tarde. No fim, o estabelecimento começou a encher, ela seguiu sozinha, e pediram para que ela trocasse de lugar – e ela se recusou. Ela registrou tudo em vídeo e o caso viralizou. Mas, no fim, quem está certo? Confira o que diz a lei.
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O vídeo em questão foi publicado por Rawane Kellyn no TikTok, na semana passada. Sem revelar o nome do estabelecimento, ela diz que vai a bares sozinha, mas sente que as pessoas não estão acostumadas “a ver uma mulher sozinha na mesa”.
Nesse estabelecimento, ela conta que sentou na mesa e que pediu drinks. Até que as horas foram passando e ela começou a notar as pessoas incomodadas com o fato dela estar sozinha em uma mesa com outros três assentos vagos. “Mas cheguei primeiro e a mesa estava vazia. A preferência é minha, não é mesmo?”, comenta a mulher.
No fim, ela diz que um representante do estabelecimento pediu para que ela se retirasse da mesa. “Ela falou que ia conseguir outra mesa para mim, que essa não era mais adequada e que eu tinha que sair daqui. Mas eu tô bem confortável com esse lugar, é um lugar muito bom, porque eu cheguei cedo”, retrucou, tendo se recusado a trocar de lugar.
Mas, afinal, quem está certo?
O ponto não é sobre quem “tem mais direito”, mas sobre os limites da atuação do restaurante e o princípio da razoabilidade e da boa-fé de ambas as partes. É o que explicou ao Terra o professor universitário e advogado Fabricio Posocco, do escritório Posocco & Advogados Associados.
Com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), ele explica que não existe um direito absoluto de permanência de uma pessoa em uma mesa específica, como ocorreu no caso que viralizou, e que a relação de consumo precisa da cooperação entre as duas partes.
“Pelo lado do consumidor: espera-se que ele utilize o espaço de forma razoável. Ocupar uma mesa para 6 ou 8 pessoas sozinho, por um longo período, em um horário de pico, pode ser interpretado como uma violação desse dever de cooperação, pois impede o estabelecimento de atender outros clientes e otimizar seu serviço. Pelo lado do restaurante: o estabelecimento tem o direito de organizar seu fluxo de clientes para garantir sua viabilidade econômica”, aponta Posocco.
Em meio a isso, o restaurante pode pedir para que uma pessoa se redirecione a outra mesa, desde que faça isso da forma correta. De forma educada e cordial é possível explicar a situação e, sim, convidar o cliente a se deslocar para uma mesa menor e igualmente confortável.
Já se a abordagem for constrangedora, pode ser enquadrada como uma prática abusiva, expondo o consumidor a ridículo ou constrangimento, o que é vedado pelo Código da Defesa do Consumidor.
De forma prévia e organizada, como explica o especialista, o restaurante ainda pode proibir uma pessoa a se sentar em uma mesa logo no começo de tudo:
“Um host ou recepcionista pode (e deve) direcionar o cliente que chega sozinho para uma mesa adequada ao seu número. Isso não é uma prática abusiva, mas sim uma organização do serviço. Se o restaurante informa, no momento da chegada, que mesas maiores são reservadas para grupos, e direciona o cliente para um local apropriado, ele está agindo dentro do seu direito de organização, de forma preventiva e transparente, o que é perfeitamente legal. Porém se não agir dessa forma, a conduta passa a ser possível de ser questionada por falta de informação”, considera o advogado.
E sempre há limites. Mesmo que algum impasse do tipo aconteça, o restaurante nunca pode exigir que a pessoa se retire do restaurante por esse motivo. Posocco aponta que isso configura prática abusiva grave.
“Uma vez que o consumidor já está no estabelecimento, pronto para consumir, forçá-lo a se retirar por causa da escolha da mesa é ilegal”, reforça.
O ato pode se enquadrar em duas proibições do Código de Defesa do Consumidor. Confira:
- 1.Recusa de Atendimento (Art. 39, II): É vedado ao fornecedor "recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes". Expulsar o cliente é uma forma de recusar atendimento;
- 2. Constrangimento Ilegal (Art. 42): Embora trate de cobrança de dívidas, o princípio de não expor o consumidor a constrangimento é aplicável por analogia a toda a relação de consumo. A expulsão pública é uma fonte clara de dano moral indenizável. A única situação em que um cliente poderia ser convidado a se retirar seria por comportamento inadequado (embriaguez, desordem, ofensa a funcionários ou outros clientes), e não pela simples ocupação de uma mesa.