O Ministério Público Federal (MPF) está questionando a autorização concedida pelo governo do Ceará para a instalação do mega data center na cidade de Caucaia, no Complexo de Pecém. O futuro data center — maior do gênero no Brasil — será ocupado pelo TikTok e construído pela Omnia, empresa de data centers do grupo Patria Investimentos, em parceria com a Casa dos Ventos, empresa de energia renovável.
As empresas responsáveis pela construção e a big tech afirmam que "o empreendimento apresenta baixíssimo impacto hídrico", localiza-se em área industrial e tem licença de instalação (leia mais abaixo).
O negócio tem investimentos previstos na ordem de R$ 200 bilhões até 2035 e foi anunciado oficialmente pela direção do TikTok em um evento com participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no início deste mês.
De acordo com perícia realizada pelo MPF, o projeto teve falhas no processo de licenciamento. Segundo o laudo técnico da procuradoria, o Relatório Ambiental Simplificado (RAS) apresentado para o licenciamento é insuficiente para avaliar a viabilidade do empreendimento, tendo em vista os níveis considerados elevados de consumo de energia e água.
"A magnitude do empreendimento examinado, caracterizado essencialmente por elevadíssima demanda energética para armazenamento e processamento de dados e consumo hídrico diário justifica a exigência de estudo prévio de impacto ambiental", descreveu a perícia. "Sem o cumprimento dessa formalidade, resta a conclusão lógica de que ao empreendimento não poderia ter sido emitida licença ambiental prévia, muito menos a licença de instalação."
O data center terá uma potência instalada de 300 MW e consumo de 88 m³ (88 mil litros) de água por dia, segundo apontado no laudo. Para fins de comparação, o volume de água requisitado pelo empreendimento seria suficiente para atender 570 pessoas por dia (cerca de 200 casas), tendo como base um consumo médio por pessoa de 154 litros, que é o calculado pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, do Ministério das Cidades.
A perícia apontou também um fracionamento indevido do licenciamento ambiental, o que afeta a análise dos impactos acumulados do projeto, que será construído em etapas ao longo dos próximos anos, envolvendo uma infraestrutura com linha de transmissão de energia, subestação elétrica, geradores a diesel e seus sistemas de armazenamento de combustível, o sistema de resfriamento e estação de tratamento de esgoto.
Por fim, a perícia criticou ainda a "deficiência na participação pública e transparência do processo", citando a falta de audiências públicas. Diante desses apontamentos, o MPF requisitou que a Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará (Semace) se manifeste sobre o processo, apresentando explicações ou corrigindo as falhas.
O MPF entrou no caso após receber denúncias de problemas no licenciamento de lideranças do povo indígena Anacé, que vive na região, em conjunto com organizações civis, entre elas o Instituto de Defesa de Consumidores (Idec). Um dos principais temores é a falta de água na região.
O que dizem o Idec e o representante do povo Anacé
Para o Idec, a perícia técnica do MPF confirmou as denúncias. "Em um cenário de fragilidade hídrica na região, a instalação de um empreendimento altamente intensivo em recursos naturais, sem estudos técnicos adequados, pode ampliar riscos de insegurança alimentar, encarecer serviços essenciais e aprofundar desigualdades no acesso a bens básicos", afirmou o instituto, em sua página oficial.
O representante do povo Anacé afirmou que o data center representa a imposição de grandes projetos sobre seus territórios. "Tentam decidir sobre nossa terra sem nos ouvir. O laudo mostra que o licenciamento é falho, mas o erro começa antes: ninguém perguntou ao nosso povo se esse projeto poderia existir aqui", declarou o cacique Roberto Itaiçaba, em nota.
O que diz o governo do Ceará
Nos autos iniciais, a Semace afirmou que a atividade específica do data center não estava expressamente listada na resolução estadual que exige licenciamento ambiental dos empreendimentos, o que justificou a autorização para o andamento do projeto com base no relatório ambiental simplificado.
A superintendência citou também que o empreendimento está numa zona rural a 9,5 quilômetros da terra indígena, o que, em sua avaliação, dispensa estudo de impacto de vizinhança. Ainda assim, o órgão alegou que fez oitivas com as comunidades indígenas.
O que dizem as empresas
Em uma manifestação conjunta, TikTok, Casa dos Ventos e Omnia afirmaram que o licenciamento ambiental do data center vem sendo conduzido em estrita conformidade com a legislação e já possui licença de instalação. Além disso, as empresas disseram que o MPF deu ciência do laudo a uma das empresas apenas nesta data e, diante do exíguo tempo decorrido — poucas horas —, as companhias ainda não dispuseram de tempo hábil para a devida análise técnica do documento.
"O empreendimento apresenta baixíssimo impacto hídrico, equivalente a um empreendimento de característica residencial. Além disso, está localizado em área industrial do Complexo de Pecém, previamente submetida a Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) quando de sua criação, o que afasta qualquer alegação de irregularidade ambiental ou de omissão no processo de licenciamento."