Jesuíta Barbosa relembra bastidores do filme sobre Ney Matogrosso e críticas a Jove em 'Pantanal'

Com uma maturidade consciente, forjada por escolhas artísticas ousadas e pelo autoconhecimento, o ator se revela sem medo diante das câmeras

"Eu tenho coragem, estou cheio de coragem", declara o ator Jesuíta Barbosa em um café no centro de São Paulo, cidade onde vive. As escolhas (e triunfos) profissionais comprovam o que ele diz.

Em 2025, chamou a atenção e arrancou elogios da crítica com a interpretação de Ney Matogrosso no filme “Homem com H”, que levou mais de 600 mil pessoas ao cinema e é um dos mais vistos na Netflix. Ele reage com humildade e um sorriso tímido, enquanto almoça macarrão ao pesto e toma um chá mate gaseificado: “Olho algumas cenas e me acho equivocado”, diz sobre os elogios em redes sociais.

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Jesuíta sempre quis mais. Nasceu em Salgueiro, no Sertão de Pernambuco, e passou a infância em Parnamirim. Aos 10 anos, se mudou com a família para Fortaleza, no Ceará, onde começou a atuar em grupos de teatro na escola. Seu pai era delegado de polícia e apostava em carreiras mais tradicionais para o filho, mas ele optou por licenciatura em teatro.

Jesuíta Barbosa
Jesuíta Barbosa
Foto: Fabio Audi / Velvet

O coletivo “As Travestidas”, comandado pelo ator Silvero Pereira, em 2008, foi uma de suas primeiras experiências em apresentações — e já desconstruía, como o nome revela, a imagem do homem viril do sertão. Foi ali que Jesuíta criou a drag queen Monique Frazão, aos 17 anos. Participou de grupos de teatro até 2010, quando começaram a surgir convites para o cinema, em papéis que passavam longe do machão pernambucano: em “Serra Pelada”, de Heitor Dhalia, vivia um garimpeiro gay; em “Tatuagem”, de Hilton Lacerda, militar que vive um romance com um artista de trupe. Ganhou prêmios e os caminhos o direcionaram para a TV Globo.

Eu era um menino que não pertencia ao grupo geral, sempre aquele que estava de lado. Mas tinha um certo orgulho, porque sabia que, em algum lugar, isso também me ensinava algo, me dava um valor.

Na lista, “Amores Roubados”, “O Rebu”, “Sete Vidas”, “Ligações Perigosas”, “Justiça”, “Nada Será como Antes”, “Onde Nascem os Fortes” (aqui, também com papel transgressor de Ramirinho, filho de um juiz rígido. O rapaz escondia a identidade secreta da drag Shakira do Sertão). O último papel em novela foi Jove, em “Pantanal”, que dividiu opiniões — as críticas negativas, ele garante, não incomodam. “Fizeram muitas comparações, ainda mais por se tratar de uma remontagem. Eu já sabia que ia ser um personagem com essa fragilidade, e não me senti ofendido, de jeito nenhum. Quis construir Jove com sutileza”, diz.

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A interpretação de Ney no filme de Esmir Filho, porém, sequer deu margem aos comentários negativos. Nas redes sociais, é comum ver edições de vídeos do ator ao lado de gravações antigas do cantor para comparar as performances — a conclusão do público é que é muito parecido realmente. Jesuíta discorda. “Achava completamente diferente. Eu dizia: ‘Gente, está muito errado’. Mas tinha um retorno positivo. E, quando eu chegava perto do Ney, sentia uma calmaria… Ele mesmo falou para mim que não era bem assim e tomei a decisão de não imitar nada e fazer do meu jeito”, conta.

Jesuíta Barbosa
Foto: Fabio Audi / Velvet

Ele até assume as semelhanças físicas com o artista (“a gente é magrinho”) e diz que ambos compartilham dúvidas. “Talvez sobre família, sobre entender que era necessário criar um outro tipo de relação, de ir embora e de se entender sozinho numa cidade”, diz.

Mas Jesuíta garante que teve uma infância livre, diferentemente da rigidez militar com que Ney foi criado. “Havia uma tentativa de que eu não fosse para um lugar de trejeitos, é o que eu mais lembro”, confessa sobre a criação dos pais. “O meu corpo meio que foi se moldando a partir do que diziam que era para fazer. Como correr, como segurar o braço, como segurar o caderno. Eu ficava observando. E a [infância] do Ney também era essa, ele contava muito isso", diz.

O processo de criação já foi um pouco violento para mim. Eu não estava percebendo que me agredia. É comum, às vezes a gente trabalha demais, não percebe se aquilo está passando dos limites.

A liberdade venceu: aos 34 anos, faz parte da primeira geração de atores do primeiro escalão da Globo que pode assumir a sexualidade livremente, após décadas de repressão de galãs que nunca poderiam dizer que eram gays. Volta e meia, aparece publicamente com namorados. “Considero isso um elogio. Na época de ‘Pantanal’, foi publicada uma foto de um rapaz que eu namorei, a gente estava dando um beijo na praia. Eu achei tão significativa aquela foto. Foi importante”, diz com a fala pausada e olhar vago de quem reflete satisfeito sobre a própria trajetória. Como Ney, em sua época, ele rompeu com o passado.

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Jesuíta Barbosa
Foto: Fabio Audi / Velvet

A importância dos limites

Jesuíta garante que hoje tem domínio de seu corpo e sabe até onde pode ir sem se agredir. Nem sempre foi assim. Nas gravações de “Praia do Futuro”, em 2013, com Wagner Moura, deu tudo de si em uma cena de corrida, no extremo Hemisfério Norte, no gelo. Mesmo cansado, corria muito. Wagner perguntou por que ele estava fazendo aquilo. “Fui percebendo que ele estava certo. A câmera não ia sair dali. Fisicamente, eu tinha antes a necessidade de colocar meu corpo num estado de desgaste, talvez por ser jovem. Hoje sei que posso ir por outras vias de criação”, reflete.

Na maturidade, aflora o autocuidado. Coragem não é dar tudo de si sempre. “Encontrei outra forma de criar e fico feliz por isso. Eu já não acredito mais em entrar em uma história, se envolver… Por exemplo: começar a chorar e não conseguir parar depois que a cena termina. Para mim, terminou a cena, é o fim das lágrimas”.

Tenta ainda colocar limites no uso da tecnologia. Ele até assume que conversa com o ChatGPT e conta que está “criando um robô” que se comunique bem com ele. Ao mesmo tempo, se diz temeroso com relação ao algoritmo de sites e redes sociais. “Penso muito nessa questão de Deus e da máquina. Mas sou a pessoa que ainda está assustada com o algoritmo. Em alguns momentos, eu acho realmente um terror, um caminho meio fascista. Não consigo entender quem é que toma as decisões, quem é que decide o que vai ser lido ou não. Como é que as informações vão aparecer? Isso me preocupa.

Jesuíta Barbosa
Foto: Fabio Audi / Velvet

E se diz exausto de usar as redes sociais. “Estou meio antissocial. Consigo me relacionar bem, mas eu tenho curtido muito um espaço meu", diz. A reclusão coincidiu com o preparo e tempo em cartaz do espetáculo “Sonho Elétrico”, no Sesc Vila Mariana. “Consegui manter uma rotina de chegar em casa, comer bem, dormir. Antes, isso não estava acontecendo, eu estava disperso. O teatro é sagrado”, diz.

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Focado em si, diz também que gostaria de viajar e estudar teatro, talvez em Nova York, nos próximos meses. Enquanto isso, gasta o tempo livre vendo filmes, lendo e tentando voltar a escrever. Está encantado com a narrativa do escritor francês Édouard Louis. “Na época da faculdade, eu escrevia e era muito bom. Eu não sei por que parei, acho que eu comecei a pensar que trabalho era outra coisa e a me confundir. Mas estou na tentativa de escrever algumas coisas, roteiros para cinema, quem sabe”. Cita também os ídolos: os pais, Gilberto Gil, a cantora Madonna e São Sebastião, de quem gosta da história: um soldado que virou mártir cristão, famoso pela fé inabalável e celebrado como protetor contra a fome e a guerra.

Como o santo, garante não ter medo. Todo o discurso é pautado na coragem citada no início da conversa. “Estou conseguindo entender meus entraves, as disputas que crio comigo mesmo. O medo paralisa. Eu não quero mais me assustar com nada.”

Ser destemido pode ser resultado da maturidade ou do autoconhecimento. Aquele Jesuíta que, ele garante, ninguém conhece, usa os limites como impulso para aprender mais sobre si e ir em frente, como sempre fez.

Valorizo muito a memória. Para mim, ter liberdade é conseguir lembrar de mim, das minhas raízes, da forma como cresci. Das dificuldades também, mas de como sempre tive vontade de me entender — e tinha a impressão de que não ia ser muito fácil.

Jesuíta Barbosa
Foto: Fabio Audi / Velvet
Fonte: Velvet Conteúdos da revista Velvet
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