Nunca fui reacionário, sexista ou racista, diz Rubens Ewald

Comentarista do Oscar rebate as críticas pela maneira que falou de atriz transexual

6 mar 2018 - 13h29
(atualizado às 13h43)

Rubens Ewald Filho é o crítico de cinema mais famoso do País. Conhecido pelo humor peculiar, possui uma legião de fãs – e também muitos ‘haters’.

Rubens Ewald Filho, comentarista do TNT: “Sempre lutei pelas minorias e a favor da liberdade de expressão”
Rubens Ewald Filho, comentarista do TNT: “Sempre lutei pelas minorias e a favor da liberdade de expressão”
Foto: TNT / Divulgação

No domingo (4), durante a transmissão do Oscar no canal TNT, ele suscitou polêmica ao comentar sobre a atriz transexual chilena Daniela Vega.

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O blog conversou com o jornalista a respeito deste e outros temas relacionados ao Oscar e ao cinema em geral.

Sua observação sobre Daniela Vega, de ‘A Mulher Fantástica’, polemizou. Acha que errou ao se referir a ela como “um rapaz”?

Em 50 anos de carreira e 35 anos de Oscar nunca fui reacionário, sexista, racista ou tive qualquer outra conduta que censurasse a essência do ser humano. Ao contrário, sempre lutei a favor daquilo que é certo, do indivíduo, das minorias e da liberdade de expressão. O que aconteceu em relação a atriz Daniela Vega foi, no fundo, uma confusão minha de termos técnicos de expressão, mas nunca, em hipótese alguma, uma atitude sexista e transfóbica. Repito: nunca, nunca agiria assim. Acharem que eu seja transfóbico não condiz com minha postura e conduta. Quem me conhece sabe disso. Por exemplo, fui amigo de Phedra de Córdoba, uma famosa atriz transexual que atuava na companhia de Teatro Os Satyros. Ela já era minha amiga antes de entrar no grupo. Uma figura extraordinária e querida. Acompanhei seu trabalho muito de perto, a admirava, incentivava, e me emociona va com sua atuação e talento no palco. Eu tinha uma paixão por sua força e postura tanto como ser humano quanto como artista. Por isso, estou muito feliz que uma transexual tenha estrelado um filme que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro. Em 90 anos de premiação isso nunca havia acontecido. É um momento de glória, a primeira vez que a barreira foi rompida, a primeira de muitas que virão, para mostrar seu talento e força de interpretação, direção e qualquer outra forma de atuação dos transexuais tanto no cinema quanto na sociedade. Que sirva para se falar ainda mais sobre o assunto, se promover ainda mais esta causa. Que pessoas leigas aprendam os termos técnicos, e me coloco neste caso, e aprimorem seu vocabulário nesse sentindo. Fui, continuo sendo e sempre serei um incentivador da liberdade de expressão. Parabéns a Daniela Vega, a Phedra de Córdoba, a todos os transexuais no Brasil e no mundo. Daniela é realmente uma mulher fantástica. Corram lá no cinema para apreciar seu enorme talento. É uma figura que entra para a história do cinema e do Oscar.   

O politicamente correto no Oscar e no cinema em geral é positivo?

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Sem dúvida, muito positivo, inclusive com a inclusão em lugar de honra da Daniela Vega (a atriz transexual apresentou um das canções concorrentes ao Oscar).

O que achou desse Oscar mais inclusivo, com discursos contra o assédio sexual, maior presença de negros e muitas ativistas feministas?

Acho que deu certo. Quando entrou a música do filme ‘O Rei do Show’ (‘This Is Me’, canção sobre autoafirmação e autoestima cantada por Keala Settle), aquilo me emocionou muito no palco, mais do que na tela. Era uma temática delicada de tratar mas foi corajoso, não? Nunca o Oscar tinha se atrevido a tocar no assunto de uma forma direta mas delicada, sem grosseira. Sou totalmente a favor do respeito às mulheres, a condenação dos estupradores e sem esquecer também a igualdade de salários entre homens e mulheres. De certa maneira eles ousaram denunciar a verdade no que era um mundo de fantasia! Só isso já é o começo de uma grande vitória!   

Sente-se censurado de alguma maneira em expressar exatamente o que pensa? 

Nunca tinha pensado muito nisso, mas o Oscar é longo demais e temos pouco tempo para falar e, às vezes, as frases saem truncadas e usamos palavras erradas. A gente quer ser espontâneo e acaba não se explicando bem. Foi sempre assim e isso me deixa frustrado. Mas não sei se isso pode se chamar de censura. A cada ano é mais gente vendo, opinando, querendo ter razão.

Ao comentar a vitória de A Forma da Água como Melhor Filme, você disse que é necessário recuperar a poesia do cinema. Sente falta de filmes menos realistas ou não tão comprometidos com questões sociais? 

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Não é verdade? São tão poucos os filmes com poesia! Um deles é o da diretora francesa Agnès Varda, que acabou não levando nada, embora seja uma beleza (‘Visages, Villages’, sobre o dia a dia num vilarejo, concorreu a melhor documentário). Francamente, é uma pena que a poesia, o romance, o encanto estejam fora de moda. O filme protagonizado por Daniel Day Lewis (‘Trama Fantasma’, sobre o cotidiano de um costureiro) até que tenta, mas se perde na parte final. Mas não tenho nada contra filmes realistas ou empenhados socialmente. Deixei claro no Oscar minha defesa total de ‘Corra’ (protagonizado, roteirizado e dirigido por negros)! O racismo é uma coisa que não suporto. Torci para ‘Corra’ ganhar porque é uma forma nova de abordar o tema. É preciso ter cada vez mais filmes sobre os absurdos da sociedade atual, como o que leio hoje , de os bibliotecários terem a obrigação de usar armas nas escolas americanas, as mesmas que são atacadas por malucos provocando tragédias!

O Chile, que tem produção cinematográfica bem menor que a do Brasil, levou o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro com A Mulher Fantástica. O que falta para o Brasil chegar lá? Melhores filmes ou mudança nos critérios que escolhem o representante do País na disputa por uma vaga no Oscar?

Hoje, o Chile tem um lugar de honra na cinematografia mundial. É um País pequeno, com um passado triste (sofreu com a ditadura militar), mas ainda assim tem dinheiro para produzir. Os filmes em geral são de baixo orçamento, mas humanos, profundos, emocionais, com bom resultado, e muitos diretores de lá já estão em Hollywood realizando filmes. O que falta para o Brasil?  No caso do Oscar, uma melhor comissão de seleção e maior conhecimento dos filmes nacionais. Há também uma questão de safra. Eu fui defensor da escolha de ‘Como Nossos Pais’ (da diretora Laís Bodanzky), que era humano, forte, universal, e muito bem realizado. Bem de acordo com os longas que foram finalistas da categoria melhor filme estrangeiro. Temos bons diretores, nosso atores lutam por espaço no exterior, talentos brasileiros fazem animação... Fico orgulhoso pelo Rodrigo Te ixeira como produtor internacional (produziu o indicado ao Oscar ‘Me Chame Pelo Seu Nome’). Tudo isso demonstra como somos criativos e competentes. Só precisamos de oportunidades.

Em tempo: após responder as questões do blog, Rubens Ewald Filho fez uma última observação: “Viu que o Oscar teve a pior audiência em todos os tempos? Ou seja, menos gente assistindo. Que coisa triste!”

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