Pesquisa revela que 63% dos brasileiros utilizam IA para criar mensagens pessoais, apontando uma crescente delegação de pensamento à tecnologia, que contribui para a homogeneização comportamental e destaca o desejo de maior autenticidade entre a população.
Já imaginou viver em um mundo onde todos pensam igual? A ideia pode parecer absurda ou mesmo temática de um filme de ficção científica, mas um estudo mostra que o uso da inteligência artificial (IA) tem feito com que cada vez mais os brasileiros se preocupem em pensar menos, delegando o esforço mental para a IA, e, por consequência, as pessoas e as ideias pareçam estar cada vez mais parecidas.
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O estudo foi feito pela consultoria Página 3, e mostra números surpreendentes sobre como a população usa a inteligência artificial no dia a dia, não só para auxiliar em tarefas complicadas, mas até para responder mensagens pessoais e tomar decisões importantes --processos que, antes, eram tratados como intransferíveis.
A tecnologia e a vida digital têm moldado comportamentos, e com o rápido avanço da IA, os hábitos, opiniões e formas de agir das pessoas estão cada vez mais parecidos. E a pesquisa ainda mostra que a maioria dos entrevistados gostaria de ser mais autêntica --na contramão do que mostram os costumes.
Dos entrevistados, 48% dos brasileiros já percebem que todos estão ficando parecidos, enquanto 72% gostariam de ser mais autênticos. O número revela a busca por originalidade em um ambiente que força a padronização.
O estudo, chamado de Mais do Mesmo, analisa a combinação entre o excesso de estímulos, a lógica algorítmica e a delegação do pensamento para a IA. É como se, de tanto usar a IA para pensar por você, você perdesse a capacidade de pensar por conta própria, de ter as próprias opiniões, perdesse a criatividade cada vez mais, e sua forma de pensar passa a ser igual à dos outros, pelo mesmo motivo.
O que mostra o estudo
A pesquisa entrevistou 600 brasileiros, com margem de erro de 4%. Os entrevistados eram de todas as classes sociais, com acesso à internet e conhecimento digital.
Alguns dados levantados pelo estudo “Mais do Mesmo” mostram que:
- 63% já pediram para a IA escrever até mensagens pessoais.
- 49% preferem consultar IA do que pessoas para tomar decisões.
- 48% percebem que "todo mundo está ficando mais parecido".
- 72% gostariam de ser mais autênticos.
- 49% já receberam mensagens ou conteúdos “com cara de IA”.
- 76% relatam mais dificuldade para conversar e se relacionar.
O que isso significa na prática?
O impacto da IA deixou de ser individual e passou a atingir o todo, e a pesquisa mostra caminhos para evitar a tendência da terceirização mental. Ampliar o repertório cultural, participar de conversas longas, exercitar a escrita e o debate, se deparar com opiniões diferentes da própria, são algumas formas que podemos usar para combater a homogeneização da cultura.
Sabrina Abud, da Página 3, e uma das responsáveis pelo estudo Mais do Mesmo, provoca um autoquestionamento: “Quando tudo se torna parecido, o que acontece com a gente? Será que a nossa identidade também está se parecendo muito com a dos outros? Será que a gente está igual a todo mundo também?”.
“Além da pesquisa quantitativa, fizemos um aprofundamento qualitativo muito grande. Você pode de fato conseguir olhar para dentro e criar ações e rituais no seu dia a dia para você conseguir quebrar esses padrões”, diz Georgia René, outra idealizadora da pesquisa.
De acordo com Georgia, as empresas também possuem um grande papel em continuar abastecendo e incentivando a padronização, visando um lucro ou benefício. “Não vamos ser negacionistas do futuro. Não é isso, mas como que a gente usa isso com consciência?”.
Um dos pontos que chamou a atenção de Sabrina foi a diminuição da lucidez, mostrada no estudo. “Quando a gente fala ‘menos lucidez’ é que as pessoas estão se descolando da realidade”, argumenta.
“É muito chocante a gente pensar que as pessoas estão se parecendo muito entre si porque o ChatGPT, por exemplo, fala que tudo é excelente, então você começa a achar que você é muito inteligente. Você tem a ilusão de que você está descobrindo alguma coisa, quando na verdade, não descobriu”, explica.
O uso de IA para responder mensagens pessoais foi outro ponto que marcou o estudo. “Ou seja, de todas as mensagens que eu estou recebendo no WhatsApp de amigos, clientes, marcas, qualquer coisa, será que mais da metade está sendo gerada por um IA? Será que essa mensagem está traduzindo o que essa pessoa realmente queria me dizer? É um número muito alarmante, porque nos afasta de um lugar muito humano”, opina Sabrina.
O ciclo é eterno, segundo Georgia. “A gente vai conhecendo, entendendo quem nós somos a partir de todas as nossas vivências, só que as nossas vivências também acabam sendo iguais.”
“É algo que acaba sendo involuntário, porque as referências que chegam, elas acabam sendo muito parecidas. Então, basicamente, a gente culturalmente acaba sendo nutrido por coisas que são parecidas, o que faz com que a nossa bagagem também fique mais parecida e a gente entra nesse ciclo infinito do mais do mesmo”, afirma.
“Eu acho que hoje as pessoas veem uma tela em branco e se apavoram. A tela em branco apavora. As pessoas ficam estáticas, e essa dependência não pode existir, passou do limite”, completa Sabrina.
Ampliar o próprio repertório é uma das ferramentas mais poderosas para combater a igualdade generalizada de pensamentos, na opinião das responsáveis pela pesquisa. “Quanto maior for ou quanto mais qualidade tiver meu repertório, mais eu consigo fazer assimilações, cruzando com a minha experiência, memórias e minha vida.”
Outra habilidade importante a ser desenvolvida é o questionamento, que deve ser feito até mesmo sobre as respostas que a IA nos dá. “A conversa, a discussão, o debate, ouvir o diferente, para de fato você conseguir fazer uma análise crítica.”
O exercício é constante e sem fim, segundo Georgia. Apesar de “interminável”, é importante para nos lembrar, diariamente, quem somos, por que pensamos e para não virarmos “mais do mesmo”.