Peixe come larva do mosquito da dengue em comunidades do RJ
Estratégia de controle biológico coloca o peixe “barrigudinho” em alagados, piscinas e subsolos de prédios abandonados
Peixes conhecidos popularmente como "barrigudinhos" são introduzidos em locais com água parada e comem as larvas antes que se transformem em mosquitos da dengue. O controle biológico é feito em toda a cidade do Rio de Janeiro, e nas comunidades, onde a chance de haver criadouros é grande, eles fazem a diferença.
Em locais abandonados ou de difícil acesso, como áreas alagadas tomadas por lixo e mato, o peixe popularmente chamado de “barrigudinho” come as larvas antes que elas virem mosquitos. No Rio de Janeiro, a estratégia controla a proliferação da dengue em regiões populares, como Vargem Grande, na zona oeste, e Piedade, na norte, além de outras áreas da cidade.
Antes de virar mosquito, os transmissores da dengue são larvas. O “barrigudinho” se alimenta delas, impedindo que virem insetos. O controle biológico dispensa aplicação de produtos químicos. Outra vantagem é que os “barrigudinhos” são resistentes à poluição da água e variações de temperatura. Na gíria carioca, é um “peixe de valão”, que sobrevive até no esgoto.
Agentes de saúde os depositam em locais onde a água não pode ser retirada, como alagados formados pelas chuvas, chafarizes, obras abandonadas, piscinas e caixas d´água. Os peixes proliferam rapidamente e visitas periódicas, entre 15 e 30 dias, verificam o processo. Se for necessário, mais “barrigudinhos” são introduzidos.
Barrigudinho é utilizado há décadas
“Nem todo peixe se alimenta predominantemente de larvas. O barrigudinho é selecionado como método de controle biológico justamente porque tem preferência pelas larvas do mosquito em relação a outros alimentos”, explica o coordenador de vigilância ambiental da Secretaria Municipal de Saúde, Rafael Pinheiro.
Os peixes só não podem ser colocados em áreas naturais, como rios, lagos e lagoas, para evitar que se tornem predadores. O Rio de Janeiro utiliza o método há mais de três décadas, em toda a cidade, fazendo diferença em regiões periféricas nas quais as condições de proliferação do mosquito da dengue são maiores.
Comendo larvas em parque aquático abandonado
A região de Vargem Grande, na zona oeste do Rio de Janeiro, é a que mais cresce, com grande quantidade de habitações precárias. Ali estão as favelas do Cachorro Sentado, Cascatinha, Rio Bonito e Rio Morto, entre outras. Em Vargem Pequena, ao lado, podem ser citadas a Favela da Beira do Canal e Coroados.
Uma das preocupações da população é o enorme parque aquático abandonado, com 400 mil metros quadrados, que funcionou por 20 anos. O Rio Water Planet alardeava ser o maior da América Latina. Tinha piscinas, rios e corredeiras artificiais, tobogãs e outras atrações.
Nas instalações abandonadas desde 2018, o acúmulo de água é inevitável. Mas não há dengue proliferando, garante a Secretaria Municipal de Saúde. Ali está um dos maiores criadores do barrigudinho da cidade.
“Não adianta esvaziar e limpar locais abandonados. Se for acumular água de novo, o peixinho ajuda bastante. O ideal é não ter larvas, mas se tiver, que ela morra antes de virar mosquito, cortando o ciclo”, diz Geiza de Andrade Moura da Silva, cria da zona oeste, educadora e ativista do Marias em Ação.
Em Piedade, peixes comem larvas sem dó
A região de Piedade, na zona norte, é um típico subúrbio carioca, com ao menos vinte favelas, como Caixa D´Água, na divisa com Quintino. Beco do Vitorino, Pau Ferro, Morro da Amália e outras, são vizinhas.
Em Piedade, onde Zico despontou para o futebol, funcionou a Universidade Gama Filho, a primeira do subúrbio carioca, que teve notoriedade nacional. Fechada em 2014, as instalações incluem piscina, motivo de preocupação dos moradores. Mas, desde o fechamento, os peixes barrigudinhos comem larvas. O local está sendo transformado em um parque.
O “barrigudinho” está na memória afetiva de Mauro Poirier, cria da zona oeste. “Quando criança, gostava de brincar com ele, e hoje ele é um peixinho herói no combate à dengue na cidade”, diz o biólogo e diretor executivo da ong Defensores do Planeta.
Ele lembra que, Brasil afora, o peixe é chamado de nomes como lebiste, bandeirinha, sarapintado, arco-íris, guaru e bobó. Seu trabalho comendo larvas do mosquito da dengue acontece em diversos locais, como Uberaba, em Minas Gerais, e Parnaíba, no Piauí.