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“Vendia pinga até pro guarda”, diz ex-detento que fazia “Maria Louca” no Carandiru

Os esquemas para conseguir os ingredientes, fermentar e destilar a pinga mobilizavam a economia informal do presídio

9 out 2025 - 07h52
(atualizado em 27/10/2025 às 13h59)
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Resumo
Ex-detento do Carandiru relata como criou um esquema de produção e venda da pinga clandestina na prisão, a chamada Maria Louca, mostrando a criatividade e as estratégias de sobrevivência no presídio.
Marcos Rocha, codinome Nego Marcos, palestrante e influenciador. Manteve destilação e comércio de pinga no Carandiru.
Marcos Rocha, codinome Nego Marcos, palestrante e influenciador. Manteve destilação e comércio de pinga no Carandiru.
Foto: Vinicios Matheus / Arquivo pessoal

Marcos Rocha chegou ao Carandiru, complexo de cadeias em São Paulo, após o massacre que deixou 111 presos mortos. Foi morar no pavilhão 8 e, um ano depois, abriu um bar dentro da cela 314 I, onde destilava e vendia Maria Louca — a pinga clandestina e improvisada que se tornou histórica nos presídios brasileiros.

Apelidado de Fumaça, ele chegou ao Carandiru sem nada nem ninguém. “Havia pessoas que se submetiam a morar em um barraco-bomba, que tinha de tudo dentro: arma, droga, pinga. O cara se dispunha a ficar guardando essas coisas. Eu enxerguei uma oportunidade de empreendimento e me ofereci para guardar cachaça, ficando com vinte por cento”.

Equipamento improvisado para produzir Maria Louca em exposição no acervo do Museu do Crime em São Paulo.
Equipamento improvisado para produzir Maria Louca em exposição no acervo do Museu do Crime em São Paulo.
Foto: SSP-SP

Ele observava o detento que fabricava pinga, desde a coleta das cascas de fruta usadas na fermentação da Maria Louca, até os esquemas para conseguir fermento e arroz, essenciais para o processo, ou mesmo o próprio fermento, mais raro. Ao acompanhar a fabricação, foi guardando sua porcentagem e aprendendo os procedimentos.

“Aí é que vem a engrenagem, é uma rede dentro da cadeia: tem que achar o cara que tem o açúcar; o contato do fermento; saber quem é o cara da manutenção, que mexe com freezer e geladeira e pode retirar uma serpentina; o cara da hidráulica, que pode arrumar um caninho; quem trabalha na manutenção e pode conseguir um balde, um tambor”, enumera.

Nego Marcos no Carandiru. Fabricação e venda de Maria Louca no pavilhão 8 gerava renda enviada à família.
Nego Marcos no Carandiru. Fabricação e venda de Maria Louca no pavilhão 8 gerava renda enviada à família.
Foto: Arquivo pessoal

Maço de cigarro vermelho é a moeda mais valiosa

Nego Marcos classifica como “quase uma mágica” a forma de conseguir os ingredientes da Maria Louca e as peças para montar um equipamento improvisado de destilação. “Comprei o tambor; o carrinheiro trazia da cozinha. Paguei com ‘sangue de boi’ — que são os cigarros Hollywood ou Marlboro vermelho, os mais caros da cadeia. Era preciso pagar outro cara para trazer para o pavilhão e mais um para deixar na cela”.

O risco de fabricar é altíssimo, mas no Carandiru as portas das celas — diferente da imagem clássica das grades — eram totalmente fechadas, com uma abertura para a comida e um buraco para observar o interior. Se não houvesse alterações, o guarda não entrava. Era preciso tomar cuidado com o cheiro da fermentação e da pinga, ainda mais forte quando destilada.

No Carandiru a Maria Louca foi produzida antes e depois do massacre que deixou 111 presos mortos, em 1992.
No Carandiru a Maria Louca foi produzida antes e depois do massacre que deixou 111 presos mortos, em 1992.
Foto: Espaço Memória Carandiru

“Eu só destilava de domingo, que era visita. Começava cedo e três, quatro da tarde, tinha terminado o serviço. Em dia de visita, os guardas não sobem. Se precisasse sumir com os produtos, entravam os ninjas, eles sumiam os flagrantes, por alguns sangues de boi. Cheguei a tirar 230 litros, vendia até pro guarda. Se era muito? Mano, era pouco, tinha sete mil homens no Carandiru.”

Fumaça levou dois anos para montar a estrutura de produção e comércio de pinga no Pavilhão 8. Pode parecer estranho para quem não conhece a vida nos presídios, mas a economia funcionava a milhão. Ele chegou a mandar dinheiro para a família, que entregava durante as visitas. “Tinha gente que produzia para beber, outros para vender. Eu tinha pinga full time. Comecei a ter renda.”

Destilaria montada no pátio do antigo pavilhão 7 do Carandiru, hoje uma escola. Exposição lembrou 33 anos do massacre com 111 mortos.
Destilaria montada no pátio do antigo pavilhão 7 do Carandiru, hoje uma escola. Exposição lembrou 33 anos do massacre com 111 mortos.
Foto: Marcos Zibordi

“Se minha pinga matasse alguém, eu não estava mais vivo”

O perfil dos clientes do bar de Fumaça no pavilhão 8 do Carandiru era, na maioria, de presos pobres. Compravam pequenas doses, servidas em saquinhos, por um, três, cinco ou dez reais. Os poucos que tinham dinheiro compravam o litro.

“Meus clientes eram o motorista que atropelou alguém, que bebeu e enfiou a faca em um cara no bar, em alguma briga. Tinha vários tiozinhos nordestinos. Chegavam, ficavam bebendo, conversando, tinha hora que juntava uns dez na resenha. Eu até pintei a cela, para dar uma cara mais alegre”, lembra.

Antes de finalizar, perguntamos a Nego Marcos sobre destilados com metanol. “Eu acho que não tem sentido a facção estar nisso. Como diz a própria polícia: eles estão num nível de máfia, na Faria Lima. O crime organizado veria mortes com bebida como problema. Foi por isso que excluíram o craque, dá muito problema. Se eu vendesse pinga que matasse alguém na cadeia, eu nem estava mais vivo.”

Fonte: Visão do Corre
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