Repórter conhece serviço discreto que desperta “deusas do prazer” em Curitiba
Sem anúncio, em casas do Boqueirão, capital paranaense, mulheres e travestis ensinam a se sentir “safada, gostosa”
O Boqueirão, um dos maiores bairros da capital paranaense, fica na saída para São José dos Pinhais. Tem uma parte conhecida pelos motéis e pela prostituição onde acontece, quase em segredo, uma experiência de feminismo e sororidade: profissionais orientam mulheres a destravarem a libido.
Era terça de manhã quando encontrei minha amiga para almoçar e desabafar sobre autoestima, mas Debby me surpreendeu. Com naturalidade, disse “amiga, vamos agora no Boqueirão comprar lingerie e falar com as amigas do job para melhorar essa autoestima”. Fiquei atônita.
Debby é travesti, chefe de cozinha, dançarina e, como ela mesma diz, tem “35 anos de pura aventura nessa vida”. Decidimos ir de ônibus, ela foi me contando tudo sobre a procura por garotas de programa e casas noturnas. Eu não fazia ideia de como isso funcionava em Curitiba.
Descemos no Terminal do Boqueirão, fomos andando até ruas com placas brilhantes, fachadas com muros altos, coloridos, postes com anúncios. Debby não parava de falar, quase um relato antropológico sobre cada casa noturna.
“Essa aqui tem um rodízio de caipirinhas delicioso, de porções à vontade, e não é cara; essa é mais refinada, toda ambientada nos 50, vem muito empresário, gente rica; essa é simples, pra novinhos, gays e trabalhadores; essa é caríssima, mas vale cada centavo, os shows são dignos de Cirque du Soleil; nessa você é levada pra flat, jantar chique, um luxo.”
“A solução é mais simples do que se imagina”, diz Deboráh
Andamos três quadras, cruzamos com mulheres trabalhando na rua, e paramos em frente a uma casa enorme, com um jardim e dois cachorros. Parecia uma casa tradicional, da classe média alta curitibana. Uma senhora vem até o portão e diz sorrindo “oiiii Déa Star, quanto tempo, entra, entra”.
Fomos entrando para o jardim dos fundos da casa. Várias mulheres estão em cadeiras de praia fazendo as unhas, rindo, fazendo skin care e ouvindo música. Puxaram duas cadeiras, serviram cerveja e Debby, sem cerimônia nenhuma, apontou para mim e disse “minha amiga tá se achando feia e não está conseguindo mais namorar”.
Choquei. Mas as meninas agiram naturalmente e começaram a falar sobre o quanto é normal elas ajudarem mulheres com o mesmo problema. “A solução é mais simples do que gente imagina, basta se permitir”, disse alguém.
Uma travesti chamada Deboráh chegou com uma sacola gigante de lingeries, com muitas cores e tamanhos. Começou a falar sobre meu tipo de corpo e paleta de cores. “A gente compra prontas no atacado, mas também compramos muita renda, muito material para incrementar, ousar e personalizar.”
Como aprender a ser deusa do prazer próprio?
Ouço que “muitos clientes se tornam amigos e contam sobre a insegurança das esposas e amigas. Até irmã e filha de cliente veio aqui para ter esse banho de autoestima, se sentir safada, gostosa”. As meninas contam que mulheres marcam horário para tirar dúvidas sobre sexo, aprender ou, como elas dizem, saírem “deusas do prazer próprio”.
Apresentam-me um mundo de vibradores que eu nem sonhava que existiam. E foram explicando que esse dia de beleza e amor-próprio não é um serviço anunciado. Elas nem querem que seja. Acontece naturalmente, como aconteceu comigo. Alguém que conhece, leva ou marca com elas, disse a senhora que abriu o portão.
“O que elas fazem é mostrar que o sexo é bem mais do que performance. Tirao tabu da profissão, das casas, delas mesmas, e contribuiu com outras mulheres”. Saí de lá com quatro conjuntos de lingerie, um vibrador redondinho, rosa choque, e uma leve sensação de liberdade.
Não sei se minha autoestima voltou de vez, mas dei muita risada e anotei a frase de Deboráh ao me vender o vibrador: “às vezes, o que a gente precisa não é de consolo, é de uma sacudida: se enxerga mulher”.